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Primeiro, porque gosto muito de saber notícias em primeira pessoa do que se passou nos tempos idos do século passado no nosso país. Depois escritos por quem sabe mexer com a nossa língua com uma simplicidade extrema. E ainda por cima dando-nos a conhecer um pouco que é muito do dia a dia, em tempo de franca ditadura, de duas figuras tão sonantes da nossa poesia de quem pouco ou nada sei/sabemos.
Não se entende como continua a não ser conhecida e divulgada a vastíssima obra de Jorge de Sena. Será que a “lítero-cambada” portuguesa que o desprezou nos anos 50 continua a desprezá-lo actualmente?
Em 1961, Sophia agradecia ao seu amigo Jorge de Sena o envio do livro “Poesia - I” sobre o qual diz: “O livro deu-me uma extraordinária impressão de grandeza. Uma grandeza que é estilo, precisão, exactidão, força, construção e mais ainda testemunho, olhar olhando em frente, inteireza, coragem.” Ao que ele responde: “Eu não sei, Sophia, aí (em Portugal) quase tudo não me merece. Mas o que lhe garanto é que, aqui (no Brasil), também nos não merecem. Temos por cá o mesmo carreirismo torpe, cuja virtude é ser representado em descarado makebelieve.” (pág. 42)
Será que o país ainda não lhe perdoou o desprezo e o sarcasmo com que respondeu ao exílio a que a própria nação o forçou?
Exemplo desse sarcasmo é “o violento poema de Lisboa” (como o próprio poeta diz) (pág. 126) que ele oferece a Sophia “em paga da leitura dos teus esplêndidos poemas novos” e que deixo aqui:
Que esperar daqui? O que esta gente
não espera porque espera sem esperar?
0 que só vida e morte
informes consentidas
em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
é o pó de raiva com que se envenenam ?
Emigram-se uns para as Europas
e voltam como se eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.
Nas serras nuas, nos baldios campos,
nas artes e mesteres que se esvaziam,
resta um relento de lampeiros lampos
espanejando as caudas com que se ataviam.
Que Portugal se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios como o bem e o mal
— mas com que há-de pagar-se quem se agacha e
[mente?
Chatins engravatados, pelenguentas fúfias
passam de trombas de automóvel caro.
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
ou sem as pernas — e como cães sem faro
os pilhas poetas se versejam trúfias.
Velhos e novos, moribundos mortos
se arrastam todos para o nada nulo.
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
que a mesquinhez tresanda ao mais singelo pulo.
Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
sentados em seu mijo, alimentados
dos ossos e do sangue de quem não se vende.
(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende).
(Jorge de Sena)
gostei bastante!
ResponderEliminarabraço
Um poema muito duro de roer! :-)
ResponderEliminarAbraço