terça-feira, 31 de março de 2020

Chove






Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego…

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece…

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente…

Fernando Pessoa

domingo, 29 de março de 2020

Morreu Mécia de Sena (1920-2020)

Foto de Mécia, por Fernando Lemos (1949).
Na Califórnia, onde vivia, morreu,ontem, dia 28, Mécia de Sena (1920-2020), viúva de Jorge de Sena e mãe dos seus nove filhos.


Organizadora incansável (e rigorosa) da obra do marido, Mécia de Sena era irmã do crítico literário e historiador da literatura Óscar Lopes.

Mécia tinha feito cem anos no passado dia 16.

(do blog do escritor Eduardo Pitta)


O Diário de Notícias desenvolve a notícia, dando relevo à sua extraordinária obra, que passou essencialmente por organizar, tratar e fazer publicar a imensa obra de seu marido, o escritor Jorge de Sena.

(Para ler mais: https://www.dn.pt/cultura/morreu-mecia-de-sena-escritora-e-guardia-do-para-sempre-que-a-ligou-a-jorge-de-sena-12001038.html    )


Jorge de Sena e Mécia de Sena em Londres

https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/15504.pdf

sábado, 28 de março de 2020

Bolo Covid-19

Confinado em casa, o pessoal inventa de tudo! Até já foi inventado o Bolo Covid-19...

Copiei de um facefriend e até é fácil de fazer.

Aqui fica a receita:


(Muito útil para afogar as mágoas da quarentena e animar as crianças que até podem ajudar a misturar os ingredientes.)

1 laranja sumarenta (Raspa grossa, sumo e polpa)
1 iogurte natural
1 medida de coco ralado
3 medidas de farinha
3 medidas de açúcar
1/2 medida de óleo
4 ovos
1 colher de sopa de fermento
1 golo de vinho do Porto
1 colher se sobremesa de canela
1 dúzia de nozes picadas grosseiramente

1. Quando começar a preparação ligue o formo a 180°;
2. Misture os ingredientes todos com uma colher de pau ou equivalente. Não convém usar batedeira.
3. Leve ao forno em forma untada com margarina e polvilhada com farinha. 30/40 minutos, dependendo do forno.
4. Convém cobrir com papel vegetal. Se necessário deixar cozer um pouco mais. Faça o teste do palito...





(Se o fizerem, podem enviar uma ou duas fatiazinhas por mail...)

sexta-feira, 27 de março de 2020

Lisboa ainda resiste




Corre por aí um belo poema que Manuel Alegre dedicou à Lisboa que agora sofre com o Corona Vírus e que diz assim:

Lisboa Ainda

Lisboa não tem beijos nem abraços
não tem risos nem esplanadas
não tem passos
nem raparigas e rapazes de mãos dadas
tem praças cheias de ninguém
ainda tem sol mas não tem
nem gaivota de Amália nem canoa
sem restaurantes, sem bares, nem cinemas
ainda é fado ainda é poemas
fechada dentro de si mesma ainda é Lisboa
cidade aberta
ainda é Lisboa de Pessoa alegre e triste
e em cada rua deserta
ainda resiste

20 de março de 2020, Manuel Alegre

E lembrei-me deste outro, igualmente de Manuel Alegre, sobre uma Lisboa acorrentada em tempos de ditadura. Lisboa resistiu!


Lisboa perto e longe


Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa -- branca e rota
a blusa de seu povo -- essa gaivota.

Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.

Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas -- povo armado
de vento revoltado violas astros
-- meu povo que ninguém verá de rastos.

Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros -- mar aberto
-- com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.

Lisboa é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.

Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguém verá de joelhos.

Lisboa a desditosa a violada
a exilada dentro de Lisboa.
E há um braço que voa há uma espada.
E há uma madrugada azul e triste
Lisboa que não morre e que resiste.

E resistirá sempre!


quinta-feira, 26 de março de 2020

Lonely, lost and sad

Não sei porque tanto me lembro desta canção que era cantada pelos Sheiks.

Quem se lembra dos Sheiks? Dos bons anos 60 musicais. Belos tempos. Musicais.

A formação clássica do grupo contava com Carlos Mendes (voz, guitarra baixo e depois ritmo), Fernando Chaby (guitarra solo), Edmundo Silva (guitarra baixo) e Paulo de Carvalho (voz, bateria). Mais tarde, há de sair o Carlos Mendes e, na sua vez, entrará o Fernando Tordo. Tudo boa gente...

Ontem e hoje (e certamente amanhã) tanto me tem rondado a memória esta canção - Lonely, lost and sad - vá-se lá saber porquê...

Mas oiçam. Vão gostar.




terça-feira, 24 de março de 2020

Para aliviar a tensão


PORTUGAL ACAGRAÇADO

O tuga parece que já está a entender o que se passa. Olha à sua volta e vê cada vez menos semelhantes. Olha para a TV e até a cmtv dá mais desgraças, como se fosse possível. E, desgraça das desgraças, não há futebol!!!

O que vai ser da gente? Quando nem a Católica tem resposta ... E mesmo Fátima vai fechar ...

Que não falte vinho ... meu Deus, pelo menos.


(daqui)


ORAÇÃO

SENHOR PROTEGEI-NOS
SENHOR SOMOS PORTUGAL
SENHOR SOMOS FÁTIMA
SENHOR, TERRA DE VOSSA MÃE
.......................................................
PAI NOSSO
AVÉ MARIA
.......................................................
Senhor livrai-nos deste terrível vírus
........................................................
Senhor perdoai-nos os nossos pecados
......................................................................
PAI NOSSO
AVÉ MARIA
ATO DE CONTRIÇÃO
....................................................................
Senhor protegei o futebol
Senhor protegei as telenovelas
Senhor protegei a Fátima Lopes
Senhor protegei as Cristinas e as Cristas
Senhor ponha a mão por baixo ao Goucha
Senhor não esqueça o Castelo Branco
Senhor protegei a Lili Caneças
....................................................................
PAI NOSSO
AVÉ MARIA
ATO DE CONTRIÇÃO
...................................................................
SENHOR, peço-vos pelos banqueiros
Senhor, peço-vos pelos offshores
Senhor, peço-vos por todos os ladrões
Senhor, peço-vos pela justiça que não há
Senhor, peço-vos por todos os corruptos
Senhor, peço-vos pelos seus homens de mão
...............................................................
PAI NOSSO
AVÉ MARIA
......... ....................................................
SENHOR,
Que será de nós sem o Benfica
Ou o Porto ou mesmo o Sporting
SENHOR,
Sem o Correio da Manhã ou a CMTV
Os comentadores de futebol
Os flash interview ou as conferências
Um Ventura ou um Serrão.
..................................................................
SENHOR,
Por último protegei-nos do Nuno Melo,
de um tal de Ventura ... já chega ...
e, acima de tudo, do Marques Mendes, porque há quem o leve a sério.

SENHOR, QUE NÃO NOS FALTE O VINHO DAS BODAS DE CÁNAN ....
SENHOR, TENDE PIEDADE DE NÓS
QUE ESTE VÍRUS SIRVA PARA NOS LIVRAR DO MAL ...ÁMEN

(Autor anónimo; surripiado do facebook)

segunda-feira, 23 de março de 2020

A gripe asiática

A propósito da pandemia que tem vindo a alastrar pelo mundo inteiro, a do Corona Vírus, tenho ouvido e lido por aí que uma coisa assim apenas se viu há 100 anos, quando por 1918 a Pneumónica, também conhecida por Gripe Espanhola (apesar de não ter nascido em Espanha, mas talvez na China) matou muitos milhões de pessoas pelo mundo fora. 

Lembrei-me logo do surto de Gripe Asiática que apareceu por Lisboa em 1957 e que encerrou famílias inteiras doentes em casa. O mais estranho é que quando falava disso a pessoas da minha faixa etária, nada! ninguém se lembrava de nada!

Garanto que cheguei a duvidar de mim... E fui investigar. Abençoado Google! Abençoado mundo novo!... E tem lá tudo.

«No dia 9 de Agosto de 1957, o navio Moçambique, proveniente de África, entra na barra do Tejo para atracar no porto de Lisboa. Traz a bordo passageiros doentes.

Naquele dia, a epidemia de gripe acabara de ser importada. Provocada por um novo vírus que anteriormente não tinha circulado em Portugal, encontrou a população de Lisboa e do País inteiramente desprotegida. A rapidez da sua propagação até atingir o acme [auge], na segunda semana de Outubro, foi semelhante à duração do tempo até ao seu final. (...)

A partir do final de Setembro, a gripe assume expressão epidémica.

Meses antes, em Fevereiro desse ano, no Norte da China, tinha tido início a pandemia de gripe “Asiática” no seguimento da emergência de novo subtipo A H2N2 que passou a infectar seres humanos. 

Lisboa em plena epidemia de gripe “asiática” era, seguramente, uma cidade diferente, sobretudo na primeira e segunda semanas de Outubro. Absentismo nas empresas, fábricas paralisadas, transportes públicos com problemas de funcionamento, escolas fechadas, postos dos serviços médico-sociais da Federação das Caixas de Previdência com um aumento extraordinário de procura, hospitais sobrelotados, visitas suspensas à Maternidade Dr. Alfredo da Costa, e, logo depois, medida idêntica adoptada nos Hospitais Civis de Lisboa.

As zonas populares de Lisboa foram as mais afectadas, entre elas, o Bairro da Liberdade, Charneca, Socorro, Escolas Gerais, Campo Grande, Moscavide, Quinta da Curraleira e Alcântara, para além dos arredores, como foi o caso do Montijo e Almada.

Apesar da evolução benigna da pandemia, comparada com a “pneumónica” de 1918, no plano individual, a gripe provocou grande número de doentes e 288 óbitos só na cidade de Lisboa (taxa de mortalidade de 37,0 por 100 000 habitantes).»

(Ler mais em  
https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/gripe-em-lisboa-1957-e-2008-pdf.aspx 



À época, vivíamos em Algés, em casa dos meus avós e lembro-me bem de eles ambos e a minha mãe terem caído à cama onde ficaram muitos dias com febre altíssimas. O meu pai, que, sem saber, era um imunodeprimido (como se diz agora) já que tinha uma deficiência congénita no coração, foi quem se aguentou aquele tempo todo sem ter sido contagiado e tendo de servir de enfermeiro, cozinheiro, faxineiro e sei lá o que mais... eu também me livrei... mas pouco sabia ajudar. Tínhamos a sorte de ter um médico que habitualmente tratava a minha mãe - que era muito frágil - e que assistiu ao meu nascimento, que ia lá a casa - pagando, já se vê! - ou consultava pelo telefone. É que nesses tempos (que infelizmente alguns recordam com tanta saudade ...) não havia muitos hospitais, nem médicos da Caixa, porque não havia Caixa, nem Centros de Saúde, nem coisa nenhuma. Os médicos, que eram poucos, tinham os seus consultórios aonde só ia quem podia pagar e para irem a casa ver doentes faziam-se pagar muito bem!

É natural que as pessoas que não passaram por essa experiência não se lembrem desta epidemia. Vivia-se em plena ditadura fechada: as notícias eram poucas e censuradas; não havia televisão; eram poucas as famílias que tinham telefone; a rádio só passava aquilo que a Censura permitia - por isso a informação não se difundiu nem pouco mais ou menos!








(daqui)





sábado, 21 de março de 2020

Dia da Poesia

Porque há que celebrar a Poesia, a Primavera e o nosso Portugal - nestes estranhos tempos de confusão e dor -  aqui fica um poema  (algo inquieto, como é o momento) de Ruy Belo (1933-1938).


PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA

Meu único país é sempre onde estou bem
é onde pago o bem com sofrimento
é onde num momento tudo tenho
O meu país agora são os mesmos campos verdes
que no outono vi tristes e desolados
e onde nem me pedem passaporte
pois neles nasci e morro a cada instante
que a paz não é palavra para mim
O malmequer a erva o pessegueiro em flor
asseguram o mínimo de dor indispensável
a quem na felicidade que tivesse
veria uma reforma e um insulto
A vida recomeça e o sol brilha
a tudo isto chamam primavera
mas nada disto cabe numa só palavra
abstrata quando tudo é tão concreto e vário
O meu país são todos os amigos
que conquisto e que perco a cada instante
Os meus amigos são os mais recentes
os dos demais países os que mal conheço e
tenho de abandonar porque me vou embora
pois eu nunca estou bem aonde estou
nem mesmo estou sequer aonde estou
Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
mas o país que tinha já de si pequeno
fizeram-no pequeno para mim
os donos das pessoas e das terras
os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português
por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez

"Transporte no Tempo" (1973)





sexta-feira, 20 de março de 2020

Le Printemps - Le temps de l'amour

Deu-se hoje, dia 20, pelas 3.50, o equinócio que dá início à Primavera aqui no Hemisfério Norte.

A Primavera que é o tempo da Natureza (re)florescer; o tempo das árvores vestidinhas com folhas, do cantar dos pássaros, das flores, dos amores.

Deve ser por isso que sempre me vem à memória esta canção mágica na voz aveludada de Françoise Hardy - Le temps de l'amour.

(não me digam que não estavam já com saudades das minhas escolhas musicais... ah, ah, ah!)




quinta-feira, 19 de março de 2020

Retorno


Abri este blog no dia 2 de abril de 2010, exatamente dois dias depois de receber a confirmação da minha entrada na reforma. Habituada a uma atividade intensa, mal me via em casa dias e dias sem ocupação.

Vai fazer dez anos. E seria muito injusto da minha parte que não viesse aqui celebrar esses dez anos de publicações quase diárias.

Digo-vos que foi uma experiência maravilhosa: um encantador grupo de amigos bloggers, encontros memoráveis com esses amigos em várias partes do país, a aprendizagem da fotografia, os passeios variados por esse país fora à procura de especificidades e características de locais, de recantos, de paisagem.

Muitas coisas aconteceram nestes dez anos, boas e más, coisas da vida que os meus amigos foram perscrutando nas entrelinhas dos textos que por aqui fui deixando.

Agora que as nossas vidas – as de todos os portugueses e europeus e outros – mudaram radicalmente perante a ameaça de um inimigo invisível que nem se sabe por onde pode atacar, volto a sentir-me como há dez anos: fechada em casa, sem poder exercer as muitas atividades em que me fui envolvendo, sem ocupação. Só que agora mais só.

E, tal filho pródigo que, cabisbaixo, retorna a casa do pai que abandonou, aqui estou eu de novo, se calhar de forma egoísta, à procura de companhia e de atividade. Agora, porém, sem textos intimistas – porque esses correm ainda o risco de serem tristes e dolorosos – sem reportagens de passeios por aí porque esses, infelizmente,  terminaram há muito.

Há muita literatura e muita crítica literária para (re)visitar e, naturalmente, brincadeiras e anedotas – porque rir é preciso e eu não imagino, nem nunca imaginei, a vida sem sorrisos e gargalhadas…

Bem hajam, se me estiverem a ler.

....

Entretanto, aqui fica um poema de força do homem, do poeta de força que foi Miguel Torga, que me parece muito adequado ao momento que estamos a viver.