Sexta-feira Santa, dia de não
comer carne. E assim foi hoje, uma vez mais: nada de carne! Um hábito, uma
tradição que herdámos de outros tempos, que já disse aqui que pouco ou nada
tenho a ver com as regras e dogmas da Igreja. Deve ser o único sinal que resta –
e não para todos – daquilo que era a Sexta-feira Santa no tempo da minha
juventude. Era o dia mais cinzento, mais bisonho, mais enfadonho do ano. E tudo
decorrente de uma forma de infundir a superstição, o medo, o terror por parte
de um regime clerical e ditatorial a que tínhamos todos de curvar a cerviz.
Toda a gente se vestia de luto
carregado: os homens punham gravata preta e até um fumo preto na manga e até as
crianças se vestiam de escuro. Todo o comércio estava fechado, os cinemas
encerravam, as estações de rádio transmitiam música de câmara todo o dia e,
quanto à RTP, o único canal de televisão, só neste dia do ano é que não tinha
programação. Um exagero, um verdadeiro fundamentalismo. E, por ironia ou sei lá
por que força física ou metafísica, normalmente chovia todo o dia.
O dia em que fiz 18 anos
coincidiu com uma Sexta-feira Santa e, como o meu pai nessa altura trabalhava
em Sevilha, levou-nos, à minha mãe e a mim, a passar lá uns dias. Sabe quem já assistiu
que a Semana Santa em Sevilha é dose e, por isso, o meu pai que não era homem
de se meter em apertos, resolveu que iríamos passar o dia dos meus anos que,
como já disse, calhou na sexta-feira santa, a Ayamonte, atravessando o Guadiana
para o lado português, o que para mim foi uma grande novidade porque nunca antes
tinha posto os pés no Algarve.
Tudo bem! O problema é que a minha
mãe, ao contrário do meu pai, dava tudo para se meter no meio da multidão e
queria muito assistir às procissões. De modo que, regressados a Sevilha e
deixado o meu pai descansadinho no apartamento, lá fui atrás da minha mãe
meter-me no meio das procissões. Nem quero que me lembrem o de gente nas ruas, a
confusão, o movimento, o luxo dos trajes e dos penteados das sevilhanas, o
brilho e até uma certa alegria que desconhecia das sextas-feiras santas do
nosso país. Agora o que mais me assustou – sério, assustou-me mesmo! – foram as
confrarias dos nazarenos (a que sempre chamei de “bicudos”) com as caras e as
cabeças tapadas por aqueles carapuços altos e bicudos do tipo Klu-Klux-Klan que
se amontoavam na Catedral para saírem
pelas ruas atrás dos andores. Horrível!
(Mas o caricato foi ver alguns
deles, certamente atacados pelo calor e pelo cansaço, sentados nos bancos da
entrada da igreja, com a cabeça descoberta, o carapuço posto de lado e a fumarem
um cigarro…)
(imagens retiradas da net)