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quinta-feira, 16 de abril de 2020

O novo naufrágio de Sepúlveda, com gato e gaivota

Morreu, vítima desta maldita peste, o escritor chileno Luís Sepúlveda, (1949-2020) autor de vários livros, mais conhecido por cá como o autor de «História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar» que é de leitura obrigatória para os alunos do 7º ou do 8º ano.

Poderia dizer aqui muitas coisas sobre o infeliz escritor, mas vou transcrever parte de um lindo e ternurento texto que o meu amigo Amadeu Homem, também escritor e professor universitário deixou no facebook(informei-o do roubo...)

Numa espécie de inter-texto que faz com o naufrágio do Sepúlveda da nossa «História Trágico-Marítima» de Bernardo Gomes de Brito, do século XVIII, tem por título «O novo naufrágio de Sepúlveda, com gato e gaivota» e insere-se num conjunto de textos que ele vai escrevendo quase diariamente subordinados ao tema «Crónicas da Peste Mansa».

E diz assim:


«A peste mansa requisitou o Sepúlveda e levou-o. Não lhe consentiu, sequer, mais uma pequena narrativa sobre bichos, beirais, voos rasantes e de médio porte, madrugadas vermelhas, planuras, cheiros de mar alto. Limitou-se a colocá-lo no rol dos finados e talvez lhe tenha dito, com voz de sargento-ajudante: - Embora, já à minha frente. Ala, que se faz tarde.

A minha apresentação ao Sepúlveda fez-se no dia em que me foi dado conhecer o gatarrão compassivo, no momento em que fui apresentado a uma gaivota menina e desajeitada que nascera sem saber voar. O resto da história é conhecida, pelo que seria uma tautologia voltar a resumi-la aqui. (…)

Mas esse tal Sepúlveda tinha descoberto uma gaivota-bébé, uma implume ave desvalida, que ainda não tinha feito a aprendizagem de voar. Seguidamente, Sepúlveda tinha topado dentro de si com um gatarrão opinioso, que iria ensinar a pequena gaivota a voar. Ficava entre uma coisa e outra a chama da cumplicidade. Depois viria o tempo de uma gaivota de curiosa asa dizer um "até breve" ao tal gato, agora comovido, e convicto de que não estava a escutar um "até breve" mas antes um definitivo "adeus".

Bem vistas as coisas, são sempre estas as balizas de todas as aprendizagens, mesmo as afetivas. Ficamos no tempo curto do "até breve" e despedimos a alma e o coração desenganado quando nos vemos forçados a dizer "adeus".

A verdade é que este Sepúlveda, escritor de bom quilate e andarilho de melhor músculo, calcorreou o vasto mundo que o foi aplaudindo no tempo em que eu fui assentando as sapatilhas por areias de desvairadas praias interiores. Numa dessas últimas praias aprendi eu a gostar de gatos, a ronronar por pitanças enlatadas e a roçar a pelagem por permissivas notas de crédito alimentar.

Quando chegou a peste mansa, foi noticiado que Sepúlveda andara pelas "Correntes de Escrita" , na Póvoa do Varzim. Nessa altura já eu lera a história do gato pomposo e da gaivota frágil. (…)

"Olha" , pensei para comigo " o Sepúlveda está por terras do Eça, o tal que dissera ter sido 'um pobre homem da Póvoa de Varzim" . (…)

A informação televisiva  veio tornar-me ciente de que Sepúlveda talvez já estivesse infetado quando andarilhou por terras de Eça. Pensei : "O tipo não é propriamente um Matusalém. Irá safar-se " e deixei de pensar nele.

Um dia, inesperadamente, vieram dizer-me que Sepúlveda falecera num hospital de Oviedo. A peste mansa liquidara-o mansamente, como quem não quer a coisa. Relembrei ter pensado, para me pacificar, que tal tipo iria escapar, por não ter exatamente a idade de Matusalém. (…)

"Lá se foi, lá se foi" e debrucei-me no meu pequeno varandim, onde, suponho, declarei uma vez mais "olha, lá se foi o Sepúlveda". 

Julguei ter avistado uma gaivota tresmalhada, vinda do "mar da palha", que fica ali mesmo à mão. Mas não o poderei dizer ajuramentadamente. Digo, isso sim, que não vislumbrei na calçada nem um só gato, nem um.»





Adeus, Luís Sepúlveda, até um dia!

sábado, 5 de maio de 2018

Dia da Língua Portuguesa

O jornal lembrou-me que era hoje o seu dia: Dia da Língua Portuguesa.

Eu sei que este dia existe e que foi criado em 2009 pela CPLP e até tinha já pensado num texto bem antigo para o celebrar. Agora o que me pareceu sempre improvável era encontrar um texto de homenagem à nossa bela e vetusta língua numa secção de economia do jornal…

Para mim a disciplina de economia é intragável, por isso raramente – para não dizer nunca – leio artigos sobre essa matéria. Mas… ao desfolhar a secção Mais Artes, deparei-me com este título:

Língua portuguesa, hoje é o teu dia!

Aí tive de “travar” e ler. Começa assim:

«Foi com as ondas do mar que a Língua Portuguesa aprendeu os seus requebros, a sua plasticidade. Foi pelas ondas do mar que viajou, marcando cada lugar que tocava; misturando-se, transformando-se, multiplicando-se. Há 600 anos, atirou-se ao mar para ser do mundo. Musical, suave e sonora, foi a primeira língua franca falada em todos os continentes. Desse legado há palavras Portuguesas usadas em mais de 60 línguas, só no japonês são 90. Falada no Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Guiné-Bissau, a Língua Portuguesa é o mais valioso recurso endógeno de uma comunidade de 280 milhões de pessoas. A 5ª língua mais falada no planeta, a 3ª no hemisfério ocidental, e a 1ª no hemisfério sul.

Se o objetivo de uma marca plural é agregar diferenças culturais, a nossa língua é a marca mais global da nossa identidade. Este tesouro multinacional, como qualquer fortuna, tem de ser acautelado, potenciado, alimentado. Temos de promover, divulgar, cuidar nas escolas, no espaço mediático, nos documentos oficiais, nas falas públicas; utilizando-a como pilar e fator de desenvolvimento transnacional. (…)

Valorizar este património é defender a nossa posição cultural e económica. É defender os interesses estratégicos comuns a todos os países de língua oficial Portuguesa. É assegurar que a nossa presença planetária não se resume a uma memória, mas um fator de continuidade e de futuro lusófono. (…)

… e termina desta forma quase épica:

(…) «Nada nos une mais que a língua de Camões; o herói que escreveu o nosso futuro e nos deixou um apelo a uma nova partida, a uma nova esperança, a uma nova lusofonia. Importa que não nos esqueçamos que os Lusíadas somos nós e que a língua Portuguesa é a nossa alma, a nossa moeda, a nossa marca. Parabéns, vives em mim, vemo-nos todos os dias, mas hoje, é o teu dia!»

(Carlos Coelho, Gestão das Marcas de Portugal, DN)