sábado, 12 de setembro de 2020

Uma enorme lição de humildade



Não é dos meus autores preferidos - até só li um ou dois dos seus romances - mas não podia deixar de trazer aqui esta lição de humildade, atitude, qualidade que nós, portugueses, muito pouco cultivamos...

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O grande fogo na Serra de Sinta

Nunca vou esquecer o dia e a noite de pânico que vivemos na Vila, em Sintra, e lá em casa no dia 6 de setembro de 66. Fez há dias 54 anos  (os mesmos que fez no passado 6 de agosto que conheci o meu marido).

Tínhamos a festa de aniversário de uma amiga muito próxima – e que próximo de nós morava – e lá estávamos a ajudar e a divertir. Eis senão quando o chão da cozinha abate com grande estrondo e, em frações de segundos, tudo cai numa cave deserta: a mobília, a comida, a dona da casa e a minha mãe. Grande susto! Grande pânico! Acabou-se a festa, como se pode tiraram-se as senhoras lá de baixo amassadas e com grandes arranhadelas. A dona da casa em choque. Hospital. Havia Hospital na Vila.

Atribulado regresso (especialmente da minha mãe ferida e fortemente assustada) a nossa casa, ali no sopé da Serra. E, de repente, a sirene dos Bombeiros da Vila (atual Museu das Notícias e ex-Museu do Brinquedo), ali mesmo por baixo de nós, escancara a enorme bocarra em desespero a chamar todos os bombeiros. Grande fogo na Serra. Não dá para esquecer o sufoco do fumo – que se sentiu durante muitos dias a seguir – e a sirene, que toda a noite gritou desesperada. Três enormes apitadelas furiosas de cada vez, toda a noite ali mesmo por baixo de nós.

Nessa noite morreram, cercados e encurralados pelo fogo, 21 jovens soldados do Regimento de Artilharia de Queluz.

Durante mais alguns dias o fogo continuou a abocanhar a bela vegetação de mais de metade da serra. O fumo e o cheiro na Vila eram insuportáveis.

Nesse tempo não havia batalhões de bombeiros, mas apenas voluntários, não havia grandes carros cisterna e muito menos meios aéreos de combate...











Homenagem aos soldados mortos



Homenagem na Serra


        Antigo quartel dos Bombeiros Voluntários da Vila       


domingo, 30 de agosto de 2020

As Cigarras - um texto de J. Tolentino de Mendonça

Deixamo-nos / deixo-me encantar pelos textos do poeta-cardeal. Alguns mais filosóficos, outros mais poéticos, mas sempre belos e justos.

A este não resisti: tive de o trazer para aqui de tão belo, de tão culto, de simples, de tão franciscano…

Chama-se As Cigarras

«Em Portugal, que eu saiba, o melhor lugar para ouvir as cigarras é a poesia de Eugénio de Andrade. Ao menos para mim representou o sítio onde verdadeiramente as escutei pela primeira vez. Mas nesta época em qualquer recanto, por onde quer que se vá, elas tornam audível o verão. Basta um jardim, um matagal humilde, um esconso ao aberto, um atalho mesmo que urbano, umas traseiras, um metro quadrado de calor e silêncio. Ou basta simplesmente um ouvido disponível. Coisa que depois, percebemos, não é afinal tão simples. Já Alberto Caeiro recordava:

“Não basta abrir a janela/

Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego

Para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.

Há só cada um de nós, como uma cave.

Há só uma janela fechada...”

Ideias, caves e janelas fechadas são um arsenal mais comum do que pensamos. E é fácil deslocarmo-nos para um sítio distante do nosso mundo habitual, chegarmos a uma estação diferente e continuar aprisionados às mesmas visões ou dentro do mesmo campo acústico. Para ouvir temos, de facto, de arriscar abrir a janela, praticando uma hospitalidade para com a vida que nos surpreende com novos vozeios, nos obriga a contactar com múltiplas linguagens e a acolher outras formas de conhecimento. O verão, por exemplo, como se conhece? Num dos seus poemas, Eugénio escreve:

“Conhecias o verão pelo cheiro,

o silêncio antiquíssimo

do muro, o furor das cigarras”.

O verão tem cheiros, tem cores, come-se à mesa, espera que o escutemos. Na verdade, o mundo torna-se para nós cada vez mais desconhecido se apenas giramos com a nossa portátil filosofia e deixamos de aplicar à realidade os nossos sentidos, indispensáveis para construir aquilo que significa uma experiência.

O fascínio pelas cigarras tem raízes antigas. Em “Fedro”, de Platão, cabe a Sócrates recuperar o seu mito de origem, explicando que elas, antes de terem sido cigarras, eram homens, com uma existência em tudo igual à nossa. E que isso vigorou até ao nascimento das musas. Depois aconteceu que o obsidiante canto das musas provocou neles tal transtorno que aqueles homens não voltaram a comer ou a beber, acabando por se transformar naquilo que escutavam. Nem o estômago vazio nem a secura da garganta interromperam mais neles a dedicação à arte de cantar.

É verdade que a fábula da cigarra e da formiga arrasa com o prestígio das cigarras. Enquanto a primeira canta despreocupada, a incansável formiga acumula provisões. Quando avança o inverno, a cigarra desprovida bate à porta da formiga a mendigar um pouco de grão, mas nada obtém. Pobre cigarra que tem então de compreender, através da penúria, o preço de viver só a cantar. A fábula narra obviamente o triunfo de uma visão utilitarista do mundo, que rapidamente se disseminou por todas as dimensões da vida. O século XVII de La Fontaine afastou-se (e afastou-nos) daquela sabedoria que o medieval Francisco de Assis recomendava aos seus frades. Francisco pedia que reservassem na horta um espaço livre, não cultivado, para que pudessem brotar flores, e, desse modo, o zelo pelo útil não excluísse o perfume que lhe acrescenta o inútil. São Francisco de Assis não podia, por isso, criticar as cigarras. Pelo contrário dizia-lhes: “Vem cá, minha irmã cigarra... canta minha irmã cigarra o Deus que te criou.” A tradição monástica vai pegar nesta imagem e os monges serão chamados cigarras, pois a sua vida contemplativa não procura outra função que o louvor. Ensinam-nos tanto as cigarras. Boa escuta. 

[In Expresso - 4/7/20]



terça-feira, 25 de agosto de 2020

Uma data que nunca esqueço...

 25 de Agosto de 1988 - uma data que nunca esqueço. Do grande incêndio do Chiado, a zona de referência da minha infância, adolescência e juventude.

A minha zona das compras com a minha mãe; a Rua do Carmo, a Rua Garrett, as lojas onde nos conheciam: o Eduardo Martins, os Tecidos do Carmo, a Sapataria Hélio, o Ramiro Leão, o Último Figurino, o Aguiar, os Davids - a loja de fazendas escocês para fazermos os kilts, as Livrarias, a saudosa Sá da Costa, a velha Bertrand; as discotecas: a Melodia, a Sassetti, a Valentim de Carvalho.






Anos depois - poucos - as compras com a minha mãe, enquanto o marido ficava a ler o jornal e a entreter as filhas na rua.... 

Mais ou menos assim...



E,depois, num final de Agosto, de fim de férias em São Pedro de Moel, entra-me casa dentro uma outra amiga lisboeta de alma e coração a chorar porque soubera que o seu, o nosso Chiado estava em chamas...

Ligámos a televisão e todo o dia chorámos ela, eu e a minha mãe por aquele pedaço de Lisboa tão nosso, tão carismático, tão vivido.  E não deu mais para esquecer...





Não por isso (mas também) posso afirmar sem sombra de dúvida que esse ano de 1988 foi o pior ano da minha vida: passado pouco mais de um mês, morreu-me a minha (ainda jovem) mãe, meu amparo, minha força e, pouco antes vimos ruir a empresa de família por obstinado capricho de um gerente de banco (não só por isso, mas também...)

Não dá para esquecer...

(As imagens foram retiradas do google; algumas do excelente blog Restos de Colecção)

domingo, 16 de agosto de 2020

Poema roubado a um amigo

 Desengane-se quem pensa que o facebook é só maledicência e vouyeurismo... 

Tudo depende dos amigos (facefriends, chamo-lhes eu...) que escolhemos e que, escolhendo-nos, aceitamos.

Este lindo poema foi mesmo roubado a um facefriend... 

Vejam se não é belo!






quarta-feira, 12 de agosto de 2020

No aniversário de Miguel Torga

Miguel Torga, poeta da força, da fúria, da rebeldia transmontana, da natureza, da vida, do Homem e do seu poder criador, o Orfeu Rebelde, nasceu em 12 de Agosto de 1907 em São Martinho da Anta, Trás-os-Montes. 

Para recordá-lo, deixo aqui este belo poema. Triste, mas belo.



quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Da felicidade

Por vezes penso que verdadeiramente a felicidade não existe. Mesmo quando todos aspiram ao estado de felicidade e quando tudo se escreve sobre os preceitos para o alcançar, a felicidade não existe. (Já a infelicidade - mesmo correndo o risco de que considerem um contrassenso – existe, perdura, derrama-se, pode levar-nos ao desespero.)

Acontecem(-me), por vezes e sem que se esperem, momentos breves de felicidade quando o nosso espírito quase flutua para fora do invólucro que somos nós deixando-nos de tudo esquecidos e entregues apenas à sensação que provocou o momento, a sós com a nossa imanência (se fosse crente diria a sós com Deus).

Como quando nadamos para longe e nos deixamos boiar livremente sobre a água verde, transparente e plana e deixamos que o sol nos envolve numa carícia. Nada de pensamentos – apenas a sensação.

O mesmo perante o inesperado aparecimento do arco-íris ou da compassiva revelação de um simples botão de rosa.

São os verdadeiros momentos de espanto (de que nos fala Raul Brandão) que nos fazem sentir que vale a pena viver.




segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Pinta amores

Especialmente dedicado à amiga Luísa do blog esquina da tecla para a sua coleção de pinta amores. 



sexta-feira, 31 de julho de 2020

E agora o oposto: «o que importa é não ter medo»


Afinal o que importa não é a literatura nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que

importa não é bem o negócio

nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que

importa não é ser novo e galante

- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que

importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício

e cair verticalmente no vício

Não

é verdade rapaz? E amanhã há bola

antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal

o que importa não é haver gente com fome

porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal

o que importa é não ter medo

de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:

Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal

o que importa é pôr ao alto a gola do peludo

à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora!

– rir de tudo

No riso admirável

de quem sabe e gosta

ter lavados e muitos dentes brancos à mostra


Mário Cesariny


(De uma tremenda ironia!!! Mas muito bom!)


                                                                 (daqui)
 

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas


Carlos Drummond de Andrade




(Da próxima vez, trarei um outro poema de um outro excelente poeta que diz completamente o contrário...

É que, como costumava dizer aos meus alunos, em poesia (e na linguagem poética) tudo é possível, tudo se aceita...)

domingo, 26 de julho de 2020

Ídolos do "nosso tempo"...

Ídolos do século assado para animar o domingo (mais um...) do nosso confinamento...

Espero que gostem.




quinta-feira, 23 de julho de 2020

terça-feira, 7 de julho de 2020

A maldição da formiga e da cigarra




Que fique desde já muito claro que eu sempre fui pela cigarra e que a sonsa da formiga sempre me enervou... 

Trouxe a ideia do blog do Centro Nacional de Cultura que tem sempre textos muito bons e depois lembrei-me que o poema do nosso excelente surrealista Alexandre O'Neill foi cantado pela Amália, cujo centenário de nascimento está a celebrar-se.

Por isso, aí vai:


MINUCIOSAS FORMIGAS, CIGARRAS GAITEIRAS

«Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.

Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.

Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.

Assim devera eu ser
se não fora não querer».


E agora a Amália  (sem fado...)




O poema de Alexandre O’Neill merece atenção especial, sobretudo neste momento em que o debate lusitano sobre a pandemia Covid-19 se torna uma grande encenação de passa-culpas. Como é hábito antigo, passamos rapidamente dos melhores do mundo para os piores. Do milagre para a maldição… Ora formigas, ora cigarras – e esquecemo-nos que somos, sempre fomos, as duas realidades como toda a gente. Felizmente! E razão tem o Alexandre O’Neill – “Assim devera eu ser / se não fora não querer”. (...)

Temos de cuidar dos exemplos das minuciosas formigas e das gaiteiras cigarras. Ou seja, temos de saber ser formigas gaiteiras e cigarras minuciosas. Que é a arte senão o sentimento e o cuidado?  (...)

Esopo ensina-nos sim que a vida não pode esquecer o outro lado das coisas. Daí as representações pedagógicas do mundo às avessas. Poderia a formiga viver sem a música das cigarras? Poderia a cigarra viver sem o trabalho das formigas? Claro que não. Uma fábula é um paradoxo ilustrado. Temos sempre de a ver o direito e o avesso… (...)

[com o Covid] Tudo pode ser mais simples – se redobrarmos as cautelas e se soubermos ser boas formigas e melhores cigarras…



quarta-feira, 1 de julho de 2020

Máscaras!

Agora é só escolher...



domingo, 28 de junho de 2020

Recado aos amigos distantes


Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.

(Cecília Meireles)




sábado, 20 de junho de 2020

É Verão

Celebremos o Verão 

  • Com a bela imagem do solstício no monumento megalítico




  • Com Sophia
Primeiro vem Janeiro
Suas longínquas metas
São Julho e são Agosto
Luz de sal e de setas

A praia onde o vento
Desfralda as barracas
E vira os guarda-sóis
Ficou na infância antiga
Cuja memória passa
Pela rua à tarde
Como uma cantiga

O verão onde hoje moro
É mais duro e mais quente
Perdeu-se a frescura
Do verão adolescente

Aqui onde estou
Entre cal e sal
Sob o peso do sol
Nenhuma folha bole
Na manhã parada
E o mar é de metal
Como um peixe-espada.

In O nome das Coisas, 1977

***

PRINCÍPIO DE VERÃO

Largos longos doces horizontes
A desdobrada luz ao fim da tarde
Um ar de praia nas ruas da cidade
Secreto sabor a rosa e nardo arde

 in| "Ilhas",1989


  • Com música
 A clássica...




... e a louca...






Nem sei o que vão preferir...
                                    ... talvez isto...





segunda-feira, 15 de junho de 2020

Sobre a pandemia

[O artigo é todo muito bom, mas um pouco longo. Por isso trago aqui os parágrafos que me pareceram mais fortes. – É que gosto mesmo muito do sociólogo Boaventura Sousa Santos!]

 (…)

A sociedade global não está em guerra defensiva ante o vírus. (…)  não penso que a metáfora da guerra nos ajude a compreender a condição do nosso tempo. Mas se há guerra, então faz mais sentido imaginar que quem se está a defender é a natureza. O novo coronavírus é um emissário que só insidiosa e violentamente impõe a sua missão de ser recebido pelos poderes do mundo. E a sua mensagem é clara: um “Basta!” dito na única linguagem em que aprendemos a temer a natureza, a linguagem dos perigos que não podem transformar-se em riscos seguráveis.

É hoje consensual que a recorrência das pandemias está ligada aos modelos de economia que dominaram nos últimos séculos. Estes modelos provocaram a desestabilização fatal dos ciclos vitais de regeneração da natureza, e, portanto, de toda a vida que compõe o planeta e de que a vida humana é uma ínfima fração.

A poluição atmosférica, o aquecimento global, os acontecimentos meteorológicos extremos e a iminente catástrofe ecológica são as manifestações mais evidentes dessa desestabilização. O Basta! é um grito cujos decibéis se medem pelo número de mortos. (…)

A natureza e a humanidade são contemporâneas e complementares. A natureza somos nós vistos do outro lado da dicotomia. E, dessa perspetiva, considerar a natureza como totalmente disponível e consumível e empenhar-se na exploração sem limite dos recursos naturais foi um processo histórico de autodestruição. (…)

(Palavras do sociólogo Boaventura Sousa Santos, in Jornal de Letras, 3 de junho de 2020)




domingo, 14 de junho de 2020

Há gente que consegue ser muito desagradável!

Das piores coisas que nos podem acontecer – pelo menos a mim! – é, por algum motivo estar a queixar-me de qualquer coisa ouvida ou sentida e haver logo quem venha triunfalmente dizer «Ah, comigo não!!!»

Tem presente quem é professor e por aqui passar aquelas reuniões de conselho de turma em que se está a analisar o comportamento e o aproveitamento dos alunos e alguém, com a maior sinceridade, se queixa do aluno tal que se comporta mal nas suas aulas, ou que não tem interesse pelas matérias ou por qualquer outra razão e vem outro professor, todo prazenteiro, armado em bom, elogiar o mesmo aluno que até se porta muito bem nas suas aulas e que até é muito interessado e muito querido... Até pode ser verdade, mas constatá-lo de imediato e em determinado tom é muito desagradável para quem apresenta o problema.

Na vida do dia-a-dia frequentemente acontece o mesmo. Por vezes, até em tom de desabafo, uma pessoa tem a fraqueza de se lamentar seja lá pelo que for e logo o interlocutor se gaba exatamente do contrário ou – o que também sucede muito – arranca com uma lição moralizante para cima de quem já está em baixo. Muito mau! Para se ouvir uma reprimenda ou arrostar com a grande felicidade do outro, quando se vai à espera de algum consolo, mais vale ficar calado e sofrer sozinho.

Há gente que consegue ser muito desagradável!

Razão tinha o nosso Fernando Pessoa quando dizia: «Fazer o menor número de confidências possível. É melhor não fazeres nenhuma, mas se fizeres algumas, fá-las falsas ou imprecisas.»





quarta-feira, 3 de junho de 2020

Rancho das Flores

Ando tão vazia de ideias - e de vontade e de tudo, enfim! - que hoje trago aqui imagens do meu nano-mini-micro-jardim que, esse sim, está bem cheio de beleza!

E assim ajudo a embelezar este pedacinho de blogosfera...
























E, a propósito, deixo-vos com um poema de Vinicius sobre as flores.

Rancho das Flores

Entre as prendas com que a natureza
Alegrou este mundo onde há tanta tristeza
A beleza das flores realça em primeiro lugar
É um milagre do aroma florido
Mais lindo que todas as graças do céu
E até mesmo do mar
Olhem bem para a rosa
Não há mais formosa
É flor dos amantes
É rosa-mulher
Que em perfume e em nobreza
Vem antes do cravo
E do lírio e da Hortência
E da dália e do bom crisântemo
E até mesmo do puro e gentil malmequer
E reparem no cravo o escravo da rosa
Que é flor mais cheirosa
De enfeite sutil
E no lírio que causa o delírio da rosa
O martírio da alma da rosa
Que é a flor mais vaidosa e mais prosa
Entre as flores do nosso Brasil
Abram alas p'ra dália garbosa
Da cor mais vistosa
Do grande jardim da existência das flores
Tão cheias de cores gentis
E também para a Hortência inocente
A flor mais contente
No azul do seu corpo macio e feliz

Satisfeita da vida
Vem a margarida
Que é a flor preferida dos que têm paixão
E agora é a vez da papoula vermelha
A que dá tanto mel p'ras abelhas
E alegra este mundo tão triste
No amor que é o meu coração
E agora que temos o bom crisântemo
Seu nome cantemos em verso e em prosa

Porém que não tem a beleza da rosa
Que uma rosa não é só uma flor
Uma rosa é uma rosa, é uma rosa
É a mulher rescendendo de amor

Vinicius de Moraes


segunda-feira, 1 de junho de 2020

Obituário


Há 130 anos, em 1 de junho de 1890, Camilo suicida-se com um tiro na cabeça, ao perceber que está cego e sem cura.





(Surripiado do facebook do meu amigo Alfredo Barroso)

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Histórias da minha rua (16)


Que nem sempre é fácil viver em família já todos sabemos há muito até por experiência(s) própria(s), mas que esta pandemia louca que nos caiu em cima de forma inesperada e de um dia para o outro veio adensar muitos dos problemas que já se viviam em família, disso não há a menor dúvida.

A vizinha mora aqui quase ao lado, muito alegre, sempre bem-disposta e sempre acelerada…. Conheço-a há muitos anos, desde muito nova, antiga empregada do meu marido. Não obstante, o nosso relacionamento há muito que não passa do “bom dia, boa tarde”.

Um dia desta semana cruzámo-nos no supermercado ali em cima. Para além do bom dia, saíram-lhe não sei quantas queixas, não sei quantas angústias e quase algumas lágrimas.

A mãe morreu-lhe há cinco anos debaixo do comboio – também ela andava sempre acelerada… O pai, já velho, esteve doentíssimo – pneumonia e mais não sei o quê que o manteve algum tempo no hospital. Depois, ainda mal refeito da doença que quase o levara, veio para casa, sozinho, e aí os filhos, ora um, ora outra, foram tomando conta dele. Mas fazia dó ver aquele homem, que tinha sido um forte e entroncado chefe de serração, sempre pronto para toda a espécie de trabalho lá na fábrica, por ali, sentado à porta de casa, muito magro, muito só, muito triste.

Acabaram por inscrevê-lo num bom centro de dia de onde o vinham buscar, onde o alimentavam, o entretinham e o passeavam, vindo trazê-lo a casa ao fim do dia. Muito bem. Muito bom.

Quando em meados de março o país fechou, o centro de dia também fechou, como fecharam todos os outros. E a vida do pai da vizinha voltou a ser o que já fora: confinamento, solidão, apoiado pelos filhos, ora um, ora outro. Ela acabou por levá-lo para sua casa. Só que o ancião já baralha tudo; se sai, perde-se, em casa pergunta sem parar pela mulher e porque não está ela ali para tratar dele. Completamente alienado.

Tentaram o lar do tal centro de dia, que não, que não têm vagas – agora também não lhes convém estar a levar gente “nova” lá para dentro.

E o pior é que a vizinha vai voltar ao trabalho na próxima segunda-feira e não sabe como há de deixar o pai, nem com quem. Está desesperada.

Raço(1) de vida! Raço de pandemia!

(1)    Expressão tipicamente leiriense – digo eu…)


(daqui)


terça-feira, 26 de maio de 2020

Faz cem anos que nasceu Rúben A.

(daqui)


Faz hoje 100 anos que nasceu Ruben A., o mais “secreto” dos grandes autores portugueses. Ruben Alfredo Andresen Leitão nasceu em Lisboa (1920) e morreu em Londres (1975), cidade onde viveu entre 1947 e 1952. (Era primo direito de Sophia de Mello Breyner.)

Aos 7 anos mudou-se de Lisboa para o Porto, ali tendo ficado até aos 19 anos. Quem leu «Os Meninos de Ouro» de Agustina Bessa-Luís reconhece-o numa das personagens da quinta do Campo Alegre. Esse intervalo fora de Lisboa coincide com a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, na Universidade de Coimbra.

Em Novembro de 1950, já com obra publicada — contos, monografias históricas, uma bibliografia sobre os Arquivos de Windsor, dois volumes do diário, uma peça de teatro e a biografia de D. Pedro V, rei de quem disse ter sido «o primeiro homem moderno que existiu em Portugal» —, e sendo leitor de português do King’s College de Londres, Salazar foi peremptório: «O Autor não pode representar Portugal nem ensinar português.» Não obstante, «o maluco...» (assim lhe chamava o ditador) manteve-se no lugar, que dependia do Instituto de Alta Cultura. Durante esses anos, Ruben A. divulgou na Universidade de Londres autores como Gil Vicente, os modernistas portugueses e Miguel Torga, ao mesmo tempo que fazia conferências em Oxford e Cambridge. Data dessa época a sua relação com T.S. Eliot, de quem viria a traduzir «The Cocktail Party» (1949, teatro).

De regresso a Lisboa, casou com Rosemary Bach (mãe dos seus quatro filhos) e fez uma passagem fugaz pelo ensino secundário. Entretanto, torna-se funcionário da embaixada do Brasil, onde permanecerá entre 1954 e 1972, ano em que foi para a administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Antes de morrer ainda ocupará o cargo de director-geral dos Assuntos Culturais do ministério da Educação e Cultura.

Embora publicasse desde 1949, ano em que deu à estampa o primeiro dos seis volumes do seu diário — «Páginas» —, o essencial da obra literária arranca com a edição de «Garanguejo» (1954), atingindo o cume com «A Torre de Barbela» (1964) e «Silêncio para 4» (1973). Os três volumes da autobiografia — «O Mundo à Minha Procura» — serão publicados entre 1964 e 1968. Depois da sua morte chegou às livrarias o romance «Kaos» (1981), posfaciado por José Palla e Carmo. A obra de historiador é muito extensa, terminando em 1975: «A Acção Diplomática do Conde de Lavradio em Londres 1851-1855». Além dos títulos aqui citados, Ruben A. publicou outros romances, livros de contos, narrativas de viagem, peças de teatro, volumes de correspondência de D. Pedro V e ensaios de investigação histórica.

A 26 de Setembro de 1975, um ataque de coração fulminante impede-o de ocupar o cargo de Senior Fellow no St Antony’s College, de Oxford. Tinha 55 anos e vivia então com Maria Luísa Távora. Está sepultado em campa rasa no cemitério de Carreço, perto de Viana do Castelo.


(Texto de Eduardo Pitta)

Deixo aqui  um texto deste (des)conhecido autor.

O Amor é Inevitável


(O Amor) É inevitável, faz parte da combustão da natureza, é força, mar, elemento, água, fogo, destruição, é atmosfera, respira-se, quando se morre abandona-se, o amor deixa, fica isolado, é um elemento, come-se, bebe-se, sustenta pão, pão diário para rico e pobre, pão que ilumina o forno do amassador, aparece nas condições mais estranhas, bicho que nasce, copula dentro de si mesmo, paira, espermatozóide e óvulo, as duas coisas ao mesmo tempo, amor é assim outro elemento fundamental da natureza, as pessoas vivem tanto com o amor, ou tão alheias do amor, que nem notam, raro percebem que o amor existe, raro percebem que respiram, que a água está, é indispensável, ninguém pode viver alheio aos elementos, ao amor.

Ruben A., in 'Silêncio para 4'