quarta-feira, 30 de novembro de 2011

No aniversário da morte de Fernando Pessoa




Todos sabemos que o grande poeta Fernando Pessoa (13 de Junho de 1888 - 30 de Novembro de 1935) foi, de entre todos os nossos poetas, o mais multi-facetado, tendo escrito sobre tudo, em todos os estilos e pela boca de vários outros poetas, para além dele próprio, que ele criou como se de verdadeiras pessoas se tratasse.

Hoje, dia em que passam 76 anos da sua morte, para lembrar este portento da nossa literatura, vou deixar aqui a parte inicial do poema EPITHALAMIUM que, além de ser pouco divulgado, penso, usa uma temática diferente daquelas a que estamos habituados, a do erotismo.


As persianas todas abre e o dia deixa entrar
como um ruído ou um mar.
Que da inútil sombra nenhum recanto
os pensamentos da noite constranja
ou o confronto traga
de algumas coisas serem tristes.
Porque hoje é o dia de todos se alegrarem.
É manhã! É a plena manhã! Inteiro
o sol nasce do abismo onde
por trás da oculta orla da sombra do horizonte
ontem à noite mergulhou.
É o despertar da noiva. Vede! Já percebe
que chegado é o dia
cuja noite demasiadamente contígua
fará bater dois corações estranhos
tão próximos quanto a carne o permite.
Tanto no temido passo se exalta
que nem  os olhos abre com receio
de temer no seu júbilo.
É a penosa chegada de todas as esperanças.
Semi-desperta apenas se apercebe
do jogo que a aguarda.
Oh deixa-a deixa-a esperar um instante ou um dia
e à refrega da carne afeiçoar
seus pensamentos para a lide imaturos.
A aparição real do dia a exaspera.
Ansiosa do que quer porém detém-se
seus sonhos ainda submersos
na lenta margem do sono
que preguiçosamente faz
a exacta esperança das coisas
uma remota mancha.

 […]

A noiva acorda. Vede! O estremecer do coração
seu acordar excede. Com o frio do medo
agarrados por dentro os seios cada vez mais
no despertar do corpo sentem
que por outra mãos serão tocados
e lábio acharão
sugando as florescidas coroas.
Já o pensamento da mão do noivo a apalpa
vede! mesmo onde se intimida a sua mão.

[…]

Fernando Pessoa, 1913 
“English Poems III, «Epithalamium» 
Tradução de Natália Correia


terça-feira, 29 de novembro de 2011

O Ministro e a Vespa






Aquele menino ministro – um trintinha apenas um ano mais velho que a minha filha mais velha – que apareceu de Vespa para a tomada de posse como ministro da Solidariedade e da Segurança Social e que agora anda montado num carro de luxo – ao que parece, já veio o aparelho do seu ministério esclarecer que se trata de um carro alugado por quatro anos cujo contrato terá sido preparado pelo anterior governo (não esquecer que tudo o que se passa de mau na política portuguesa, europeia e quiçá mundial é seguramente da responsabilidade do anterior governo!) fez-me logo lembrar (nem sei bem porquê...) uma anedota que corria por cá nos inícios do anos 60 aquando do aparecimento da Vespa no nosso país.

Ouvi-a em casa, contada pelo meu pai, aquele minhoto alegre que se assumia como “do reviralho”, e dizia assim:

«Um domingo, estava o general Santos Costa, oficial do exército muito próximo de Salazar, a assistir à Missa na Igreja de São Domingos, quando ouviu a voz do Senhor que lhe murmurava repetidamente ao ouvido: “Costa, no próximo domingo vem de Vespa! Vem de Vespa! Vem de Vespa!”

Surpreendido e, de algum modo, incrédulo, o general saiu da Igreja e foi, de imediato, contar a Salazar o que ouvira durante a Missa. Este, pensando que o seu amigo e colaborador estivesse a ressentir-se de cansaço, tranquilizou-o prometendo acompanhá-lo à Missa no domingo seguinte.

E assim foi: no domingo, ao meio-dia, lá se apresentou para a Missa em São Domingos Santos Costa acompanhado do Presidente do Conselho. Mas ao entrarem ambos, a mesma voz murmurada vinda do altar dizia algo irada: “Costa, eu disse-te para vires de Vespa! Não te disse para trazeres uma besta!”»





segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Enjoados


 
(carapau enjoado na Praia da Nazaré)

 Parece-me que já estamos todos como o carapau enjoado com este governo. Já nem me refiro aos constantes queixumes e protestos das pessoas comuns que vemos nas ruas ou nas reportagens diárias das televisões. Nem sequer me refiro às declarações de hoje de Jerónimo de Sousa quando acusou o governo de fazer "letra morta" da Constituição, afirmando que o que está a fazer é um verdadeiro «golpe institucional» em Portugal. Isto já para não lembrar as palavras (não assim tão) loucas de Otelo ao admitir um golpe militar. 

É que até quem apostou na «mudança» acreditando na governação da «verdade e da transparência» e se permitiu propagandear essa sua vontade,essa sua determinação, está já muito enjoado com este governo.




É o caso de Pedro Marques Lopes, gestor assumidamente de direita, que assina uma crónica semanal no DN e também se apresenta como comentador no Eixo do Mal da SIC que, ontem, escreveu assim naquele jornal: 


       A minha greve
«Até quinta-feira nunca tinha feito greve, desta vez fiz. Trabalhei, mas fiz a minha greve. Envergonhada talvez. Não porque pense que a greve ajudará a resolver substancialmente qualquer dos graves problemas que enfrentamos como comunidade, não porque me sinta próximo de quem a convocou, mas porque é a única maneira, neste momento, de manifestar o meu profundo desagrado pelo caminho escolhido por este Governo.
Há momentos assim na vida de todos nós. Em que circunstancialmente nos vemos junto a gente com quem não partilhamos valores, ideias, visões da comunidade, princípios políticos. Que provavelmente somos utilizados para objectivos que não são os nossos, isso nunca me preocupou. 

As minhas preocupações são outras. São as que advêm de me sentir governado por pessoas que aparentemente ignoram que estão a destruir um modo de vida, uma economia, as poucas boas empresas, em troca duma quimera; que são os maiores aliados da estratégia suicida da Sra. Merkel; que pensam que atirando para a miséria e o desemprego milhares e milhares dos seus concidadãos alcançarão o que quer que seja; que falam de taxas de juro, de eficiência e de mercados como se fossem fins em si mesmos, esquecendo que estes dados têm de ser apenas meios ao serviço da comunidade; que trocam os princípios reformadores por revoluções inconsequentes. 

Falam-nos, sem que lhes trema a voz, de que temos vivido acima das nossas possibilidades sem se recordarem, uma vez que seja, dos dois milhões de pobres, das muitas centenas de milhares de desempregados, dos que sobrevivem com menos de 750 euros por mês. E fazem-no sem que se dêem sequer ao trabalho de nos mostrar uma luz ao fundo do túnel, de nos mostrarem uma esperança, uma visão. Põem um ar compungido e falam-nos de desempregados, de salários de fome, de pensionista sem dinheiro para medicamentos, como se fossem apenas vítimas colaterais dum plano que, no fundo, desconhecem. 

Não poucas vezes os nossos governantes parecem ser gente deslumbrada com meia dúzia de livros revolucionários lidos à pressa. Aprendizes de feiticeiro a quem só foi ensinada metade do truque: sabem fazer desaparecer as coisas, mas não conhecem a forma de as fazer aparecer. 

Há quem confunda esta governação com um qualquer programa de direita. Pura ilusão. Não a minha, pelo menos. A minha direita é a que acredita num Estado mais pequeno mas mais forte. A que recusa transformar todos os funcionários públicos em bodes expiatórios. A que não ignora que as reformas podem levar tempo, mas são sempre mais rápidas e mais justas que as revoluções que tudo destroem. A que acredita que quando são precisos sacrifícios, eles devem ser equitativamente distribuídos. A que crê que o capital nunca deve estar acima do trabalho e, muito menos, se deve sobrepor às pessoas. A que nunca se esquece que os direitos sociais foram, em larga medida e por essa Europa fora, uma conquista de governantes de direita. A que está ciente de que baixando salários não só se empobrecem as pessoas como se recua décadas no modelo de desenvolvimento. A que sabe serem as empresas privadas o motor da economia, as acarinha e não as afoga em impostos. A que não desconhece que austeridade sem crescimento apenas conduz a um buraco sem saída. A que defende a liberdade como valor acima de todas as coisas, mas que sabe que sem o mínimo de igualdade a liberdade é apenas uma ilusão. A que acredita que na essência das políticas tem de estar sempre o cidadão e que ninguém deve ser deixado para trás.


Pois é, fiz greve, lado a lado com quem não queria, consciente de que as minhas razões são diferentes, muito diferentes, das de outros que também a fizeram, mas com a esperança de que quem partilha as minhas convicções também fez ou, pelo menos, teve vontade de fazer. Estou convencido de que o meu acto de pouco serviu, mas sinto-me muito mais aliviado.(...)


domingo, 27 de novembro de 2011

Parabéns, Fado!

 ("O Fado" de José Malhoa)


Estou especialmente feliz pelo grande acontecimento que foi o Fado ter sido reconhecido pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade. Não é que seja grande amante ou sequer grande apreciadora do Fado. É como com o Jazz: gosto de algumas obras, de algumas canções, de alguns intérpretes, mas não gosto incondicionalmente. 

Porém, fico particularmente feliz
pelos mentores e obreiros da candidatura que se excederam em qualidade, 
pelos realizadores dos programas de promoção e divulgação do desejo de ganhar esta distinção, 
pelos fadistas em geral,
pelo povo de Lisboa (que me desculpem todos, mas lisboeta que sou por nascimento e coração, sempre senti que o Fado é de Lisboa)
e por todos nós que precisávamos  mesmo deste ânimo de alma (passe o quase pleonasmo) para esquecer as trevas plúmbeas que se têm adensado sobre as  nossas cabeças.

E, já que não se trata da minha música de eleição, dedico este prémio à memória da minha mãe que realmente gostava de ouvir fados, evocando aqui o seu fado favorito: "Por morrer uma andorinha", interpretado em 1968 por Carlos do Carmo (com letra de Frederico de Brito e música de Alfredo Marceneiro) que, curiosamente, foi, juntamente com Raul Vieira Nery, um dos grandes promotores da Candidatura.

 Deixo-o em duas versões algo diferentes, se bem que na mesma voz, que poderão apreciar escolhendo a que vos diz mais.




 


sábado, 26 de novembro de 2011

Inúteis os nossos protestos!




Our communication: wireless
 Our phones: cordless
 Our cooking: fireless
 Our food: fatless
 Our sweets: sugarless
 Our labour: effortless
 Our relations: fruitless
 Our attitude: careless
 Our feelings: heartless
 Our politics: shameless
 Our education: worthless
 Our mistakes: countless
 Our arguments: baseless
 Our youth: jobless
 Our ladies: topless
 Our boss: brainless
 Our jobs: thankless
 Our needs: endless
 Our situation: hopeless
 Our salaries: less & less
 Our protests: useless!





sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A todas as mulheres que sofrem

No Dia Internacional da Luta pela Não Violência contra as Mulheres, deixo o belo poema de Gedeão, Calçada de Carriche, cantado por Carlos Mendes numa composição de José Niza (1972).                                                  


Luísa sobe, sobe a calçada,
sobe e não pode que vai cansada.

Sobe, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.

Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.

Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa, larga que larga,
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa, larga que larga,

Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada,

Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.




quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O milagre das ... camélias




 
Hoje fui surpreendida pelos primeiros botões na cameleira do jardim!
Sinal de um outono primaveril ou os primeiros sinais de primavera?
Ou será apenas o milagre das... camélias?

 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Um Novo Rumo





Na véspera do dia da primeira greve geral convocada no tempo do atual governo e ao fim de apenas cinco meses da sua governação, Mário Soares assina, juntamente com outros oito figuras de esquerda, um manifesto a que deram o título de Um Novo Rumo, escrito nestes termos:

«Este é o momento de mobilizar os cidadãos de esquerda que se revêem na justiça social e no aprofundamento democrático como forma de combater a crise.

Não podemos assistir impávidos à escalada da anarquia financeira internacional e ao desmantelamento dos estados que colocam em causa a sobrevivência da União Europeia.

A UE acordou tarde para a resolução da crise monetária, financeira e política em que está mergulhada. Porém, sem a resolução política dos problemas europeus, dificilmente Portugal e os outros Estados retomarão o caminho de progresso e coesão social. É preciso encontrar um novo paradigma para a UE.

As correntes trabalhistas, socialistas e sociais-democratas adeptas da 3ª via, bem como a democracia cristã, foram colonizadas na viragem do século pelo situacionismo neo-liberal.

Num momento tão grave como este, é decisivo promover a reconciliação dos cidadãos com a política, clarificar o papel dos poderes públicos e do Estado que deverá estar ao serviço exclusivo do interesse geral.

Os obscuros jogos do capital podem fazer desaparecer a própria democracia, como reconheceu a Igreja. Com efeito, a destruição e o caos que os mercados financeiros mundiais têm produzido nos últimos tempos são inquietantes para a liberdade e a democracia. O recente recurso a governos tecnocratas na Grécia e na Itália exemplifica os perigos que alguns regimes democráticos podem correr na actual emergência. Ora a UE só se pode fazer e refazer assente na legitimidade e na força da soberania popular e do regular funcionamento das instituições democráticas.

Não podemos saudar democraticamente a chamada “rua árabe” e temer as nossas próprias ruas e praças. Até porque há muita gente aflita entre nós: os desempregados desamparados, a velhice digna ameaçada, os trabalhadores cada vez mais precários, a juventude sem perspectivas e empurrada para emigrar. Toda essa multidão de aflitos e de indignados espera uma alternativa inovadora que só a esquerda democrática pode oferecer.

Em termos mais concretos, temos de denunciar a imposição da política de privatizações a efectuar num calendário adverso e que não percebe que certas empresas públicas têm uma importância estratégica fundamental para a soberania. Da mesma maneira, o recuo civilizacional na prestação de serviços públicos essenciais, em particular na saúde, educação, protecção social e dignidade no trabalho é inaceitável. Pugnamos ainda pela defesa do ambiente que tanto tem sido descurado.

Os signatários opõem-se a políticas de austeridade que acrescentem desemprego e recessão, sufocando a recuperação da economia. Nesse sentido, apelamos à participação política e cívica dos cidadãos que se revêem nestes ideais, e à sua mobilização na construção de um novo paradigma.

Mário Soares
Isabel Moreira
Joana Amaral Dias
José Medeiros Ferreira
Mário Ruivo
Pedro Adão e Silva
Pedro Delgado Alves
Vasco Vieira de Almeida
Vítor Ramalho

Lisboa, 23 de Novembro de 2011»


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ainda Lisboa




«Depois disso voltei por algum tempo a Lisboa, onde cheguei no verão de 2008.
Achei Lisboa uma cidade triste. Para onde quer que olhasse era incaracterística, cheia de grandes construções banais. A parte mais recente não valia uma visita. Tinha um ar de subúrbio mal alinhavado, provinciano, crescendo em volta de centros comerciais gigantescos.

Por todo o lado a recolha do lixo era um desastre, havia bueiros por limpar, esgotos deficientes, calçadas de pedra esburacadas, pavimentos de alcatrão em péssimo estado, jardins públicos decrépitos, edifícios degradados, património histórico ao abandono.

A nível social e económico uma crise imensa instalara-se, embora o governo todos os dias negasse essa evidência.

Mas estava lá, visivelmente, e não era apenas resultado da crise da Europa e do mundo. Vinha da incompetência, da corrupção e dos maus governos, que não tinham vontade política de emendar os erros estruturais, que por isso se repetiam sempre.

Procurei a Lisboa das gaivotas, do céu claro, do rio, mas vinha ao meu encontro a outra, a sopa dos pobres no Intendente, dos sem abrigo, dos drogados, dos desempregados, dos mendigos em que tropeçava a cada passo, um rapaz de tronco nu e de cabeça baixa com uma lata na mão, ajoelhado na rua como se estivesse à espera de que o flagelassem, cegos percorrendo o metro, um deles a debitar uma ladainha, batucando com as mãos numa caixa de lata, um compasso descontrolado e nervoso: olhem que eu agradeço a quem tiver a bondade ou a possibilidade de me auxiliar, olhem que eu agradeço a quem tiver a bondade ou a possibilidade de me auxiliar, olhem que eu (e entretanto seguia para a carruagem seguinte, a sua voz ia ficando mais longe até que deixava de ouvir-se).

O desalento, a tristeza no rosto de quem passava. Não era genética nem endógena, vinha da constatação de que os poderosos nos traíam, e pagávamos sempre a factura. O país dava aparentemente um passo em frente, mas em vez de avançar retrocedia. (…)

O desemprego crescia de forma alarmante, a dívida externa era insustentável, havia falta de transparência nas contas públicas, o Banco de Portugal e a CMVM não fiscalizavam, a justiça não funcionava, a economia estagnara, havia falta de competitividade (os ministros diziam competividade), o governo pretendia lançar grandes obras públicas desnecessárias ou inoportunas, que iriam agravar exponencialmente a dívida e os juros durante gerações, o poder económico estava ligado ao poder político, multiplicavam-se as empresas público-privadas que faziam negócios ruinosos para o erário público, o aparelho de estado crescia em parar, a lógica do sistema era irracional e estava fora de controlo e a única solução era sempre cortar nos salários e sobrecarregar os contribuintes. Os pequenos contribuintes, porque os grandes escapavam entre as malhas do fisco. Todos os dias havia mais pessoas da classe média a descerem ao limiar da pobreza, ou mesmo abaixo dele.»

“A Cidade de Ulisses” Teolinda Gersão, ( Março/2011)


A professora Teolinda Gersão era, juntamente com as professoras Yvette Centeno e Leonor Teles, assistente da disciplina de Teoria da Literatura quando entrei na Faculdade de Letras em 1966. Tinha um ar antipático como quase todos os professores do meu curso naquele tempo. Quando o catedrático da cadeira, o Professor Monteiro Grilo – poeta sob o pseudónimo Thomas Kim – morreu de ataque de coração em pleno Rossio, em Fevereiro desse ano letivo, e depois de o Professor e poeta David Mourão-Ferreira arrogantemente declarar que não dava aulas a alunos do 1º ano, ficámos como que órfãos e tivemos de recorrer às professoras assistentes para que nos “adoptassem” nas suas aulas. Lembro-me de andarmos, nós alunas de Germânicas, feitas baratas tontas a correr de turma em turma a ver quem quereria ficar connosco. Lembro-me, por acaso, que as professoras Teolinda e Yvette foram por de mais altivas negando-se a deixar-nos matricular nas suas aulas. 

Depois de terminar o curso, “enfronhei-me” de tal modo no trabalho com os alunos e embrulhei-me de tal modo nos meandros da vida familiar que nem dei conta da trajeto docente em Berlim, nem do início da carreira de escritora da antiga professora Teolinda Gersão aí pelos anos 80. Teria passado o milénio quando tive tempo para ouvir falar nas suas obras e só este ano me deu para comprar um dos seus livros, este, A Cidade de Ulisses, por se tratar de Lisboa. 

É um livro bonito, com realidade histórica e com uma bela história de amor, além de que está muito bem escrito. Porém quando a breves 20 ou 30 páginas do final me dou com esta descrição (e outras) altamente tendenciosa e consentânea com uma forçada vontade de destituir o governo por parte do presidente da República e do seu séquito de direita, confesso que me desgostou. Pela altura em que o livro saiu para as bancas, a autora deu uma ou outra entrevistas que ouvi por curiosidade de ver a antiga professora de há quarenta e tal anos, e lá veio ela com as palavras de motivação e apelo à mudança de cor no governo dados os motivos que deixou registados no romance. 

A propósito li um qualquer artigo que punha a questão de se deveria um escritor influenciar deliberada e abertamente as decisões políticas dos seus leitores. De facto, isso para mim não é importante nem decisivo. Só gostava, se pudesse, de perguntar à escritora Teolinda Gersão se acha que as pessoas de Lisboa e do resto do país, que agora têm aquele governo que ela tanto quis promover, se sentirão menos tristes, menos desalentadas e menos traídas pelos poderosos.


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Natureza-viva na Gulbenkian



... e cá fora a Natureza viva e bem viva. No coração da cidade as imagens mais bucólicas e mais poéticas. E não é em Londres!


















domingo, 20 de novembro de 2011

Natureza-morta na Gulbenkian


Ontem, aproveitando uma reunião do meu marido em Lisboa, lá consegui escapar-me também para a terra de todos os prodígios deste nosso beatífico país à beira-mar plantado e fomos ver a belíssima exposição sobre o tema Natureza-Morta na Europa, séculos XIX-XX, que está disponível na Gulbenkian para ser visita até 8 de Janeiro próximo. Conta com a presença de pintores de enorme referência internacional como Cézanne, Braque, Juan Gris, Manet, Monet, Gaugin, Latour, Renoir, Van Gogh, Charles Aubrey, Ardengo, Picasso, Matisse, não podendo esquecer portugueses como Vieira da Silva, Amadeo Souza-Cardoso, Eduardo Viana, Mário Eloy.
Foi realmente uma manhã de grande deleite a deixar entrar os encantos destes e de outros artistas nos olhos e no coração.
Eram todos tão belos que apetecia transpo-los todos para aqui, só que eram tantos, além de que não se podiam fotografar, naturalmente! Deixo aqui apenas  alguns que consegui copiar da net.


 Picasso


 Van Gogh


Monet


Renoir


Cézanne


Manet

(ainda) Cézanne
 
 
 Matisse
  

 Gauguin
 
 
 Juan Gris

 
(O muito nosso) Amadeo Souza-Cardoso 
 
 
 Eduardo Viana
 
 
Mário Eloy (meu conterrâneo...)


Maria Keil


E a grande Vieira da Silva


 Ah! E o telefone afrodisíaco de Salvador Dali...