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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Parabéns, António!

(Se assim me é permitido dizer – eu que não passo de uma paramécia…)

Fiquei a saber – abençoado facebook! – que o escritor António Lobo Antunes, que considero o nosso  melhor escritor vivo, faz hoje anos. 74 para que conste. Por isso digo: Parabéns, António!

Corri lá acima para ver se encontrava no seu livro de Cartas de Guerra (que diariamente escreveu, no ano de 1971, a sua mulher Maria José Fonseca e Costa, quando esteve na guerra do ultramar em Angola) uma carta datada do seu dia de anos. E encontrei. Passo a transcrevê-la.

«Gago Coutinho
  1.9.71

Querido amor

Faltam já só vinte e tal dias para te ver, e, à medida que a data se aproxima, o tempo parece tornar-se mais lento… Fui hoje ao Ninda, e suponho não ter de voar mais até à próxima quarta-feira: sete dias de existência terrena, de platitude.

Espero que mantenhas esses 55 kilos! A mim, magníficas rotundidades! Quanto ao cafeco [a filha bebé que ainda não conhecia] começo a perder as esperanças de ver retratos dela… Os rolos estragam-se uns após os outros… Diabo de sorte!

Começam a andar no ar boatos acerca de uma possível rotação do batalhão para uma zona melhor, mas tudo, ao que penso, sem consistência. A verdade é que temos já 5 mortos – fora o resto. O batalhão anterior teve só 1 morto em combate durante quinze meses, e por esta comparação podes ver o recrudescimento da guerra por estar bandas. Mas não falemos mais nestes tristes assuntos.

Já me esquecia de que faço anos hoje. Ninguém aqui me deu os parabéns porque ninguém sabe. E eu próprio não me sinto como dantes me sentia nesta data. Tenho a impressão de que o dia 1 não representa nada para mim. a velhice, a usura. E este melancólico desencantamento…

Há que tempos que não escrevo aos meus pais. Nem aos teus. O teu velho faz anos no dia 7, mais ou menos, não é? Teve a lata, coitado, de me mandar um livro chamado «Saber ser pai». Eu sinto-me mais teu amante do que teu marido: cada vez que penso em ti relambo os beiços. E, a propósito, gosto tudo de ti, facto notabilíssimo.

Milhões de beijos do
António

Saudades à criancinha, fruto dos nossos ardentemente ilegítimos amores.
GTS»


(O último livro de Lobo Antunes que lei foi «As Naus» publicado em 1988 - um portento! Hei de falar desse livro, um dia destes.)


(no colo de sua mãe)

(com a sua mulher Maria José)


(em Angola)


(capa do livro Cartas de Guerra)


(O Ninda, Angola)