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quarta-feira, 1 de maio de 2019

Nós voltaremos sempre em Maio


Amanhã não estaremos já neste lugar
amanhã a cidade já não terá o teu rosto
e a canção não virá cheia de ti
escrever em cada árvore o teu nome verde.

Amanhã outros passarão onde passámos
farão os mesmos gestos dirão as mesmas palavras
dirão um nome baixo um nome loucamente
como quem sobre a morte é por instantes eterno.

Amanhã a cidade terá outro rosto.
Nós não estaremos cá. Mas a cidade
já não será contra o amor amanhã quando
os amantes passarem na cidade livre.

Nós não estaremos cá. Voltaremos em Maio
quando a cidade se vestir de namorados
e a liberdade for o rosto da cidade nós
que também fomos jovens e por ela e por eles

amámos e lutámos e morremos
nós voltaremos meu amor nós voltaremos sempre
no mês de Maio que é o mês da liberdade
no mês de Maio que é o mês dos namorados.


Manuel Alegre
In Praça da Canção, 1965


(daqui)

Viva o 1º de Maio!!!

quinta-feira, 25 de abril de 2019

O poeta é um vate

Tive um professor de Teoria da Literatura nos idos de 60, o poeta Tomaz Kim, que nos dizia e repetia: «o Poeta é um vate.»

E tinha razão. Senão, como se explica que o poeta Manuel Alegre tenha escrito em O Canto e as Armas (1967)

«Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.»

(do Poemarma)

Ou ainda, no poema Lisboa perto e longe, igualmente dos anos 60, tenha previsto:

«Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que Abril desabotoa
mas em Maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguém verá de joelhos.»

Não posso deixar de citar o último parágrafo da nota de edição da antologia País de Abril:

«Não deixa de ser intrigante que, tantos anos antes, o autor tenha escrito sobre o País de Abril, Maio e os cravos vermelhos. Como se explica? Mistérios da poesia.» 



Viva o 25 de Abril!

terça-feira, 1 de maio de 2018

Um poema para o 1º de Maio

"O poeta
declina de toda a responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suaves palavras, intuições, símbolos e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme."

(Carlos Drummond de Andrade - "Antologia Poética" (2007), pág.158.)

Entretanto deixo aqui uma lembrança do primeiro 1º de Maio (1974) em Leiria.
Eu ainda estava em Lisboa.



(foto de I. Soares)

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Uma História Renascida

Uma excelente reflexão de Guilherme de Oliveira Martins sobre o 25 de Abril, um pouco/muito de História que não resisti a trazer aqui.

«Não é possível entender o 25 de abril de 1974 sem o inserir no longo prazo da história. Quando lemos Fernão Lopes a descrever os acontecimentos de Lisboa de 1383, percebemos que há, na distância do tempo, elementos comuns de determinação e rebeldia, que nos levam a pensar noutros momentos cruciais de mudança política. (…)

Como disse Jaime Cortesão: «a Nação só atingiu a maioridade política e a plena expressão nacional com a revolução democrática do século XIV, conforme lhe chamou Oliveira Martins, e o triunfo e incorporação das classes populares na vida pública.» (…)

Pensar no 25 de abril é, assim, referir um acontecimento que se insere numa longa continuidade histórica, que Francisco Sousa Tavares bem compreendeu no Largo do Carmo, em cima de uma guarita, como o primeiro civil, invocando o paralelismo com o Primeiro de Dezembro de 1640. Ao fazê-lo, afirmou que era um sinal inequívoco de independência histórica que ali estava a ser dado. De facto, 1974 situou-se num encadear de acontecimentos que vêm da independência do Estado no século XII. Daí se parte para o misterioso desenlace da crise de 1383-85, continuando na afirmação dos tempos de coruja e de falcão do Príncipe Perfeito, na chegada à Índia com D. Manuel e no movimento pendular que envolve o desastre de Alcácer-Quibir e o renascimento da Restauração da independência – e desde o século XVIII: a glória do ouro, a maldição do terramoto, e reconstrução e a reforma de Pombal, a guerra peninsular de libertação nacional; bem como a difícil afirmação do liberalismo constitucional – 1820, guerra civil, vitória liberal, revolução de setembro de 1836, nova guerra civil, estabilidade da regeneração, ultimatum, bancarrota, I República, Estado Novo. Eduardo Lourenço [diz]: «As Nações, com a responsabilidade histórica da gente portuguesa, não podem imobilizar-se estaticamente, nem devem iludir-se infantilmente; têm de desentranhar sucessivamente da massa das suas tradições e aspirações, um ideal coerente com a conjuntura histórica, que exprima e defina o seu estar em concordância com o seu ser permanente.» a pertinência da consideração não oferece dúvidas. Daí que falar do 25 de abril de 1974 seja superara comemoração de quatro décadas, para atingirmos o cerne da afirmação da liberdade, da democracia e da emancipação cívica.» (…)


(Guilherme de Oliveira Martins, in “Ao Encontro da História” Gradiva, 2018 – com supressões)


F. Sousa Tavares a discursar no Largo do Carmo no 25 de abril de 74
(daqui)


terça-feira, 24 de abril de 2018

E depois do adeus

Otelo Saraiva de Carvalho revelou-se um estratega capaz dirigindo as operações militares que resultaram na revolução de 25 de Abril de 1974, mas não se pode dizer que a estratégia musical empregue na escolha das senhas da revolução tenha sido delineada de forma igualmente brilhante pelo militar. Quarenta anos depois da revolução dos cravos, Paulo de Carvalho explica à BLITZ que "E Depois do Adeus", o tema com que venceu o Festival RTP da Canção realizado a 7 de março de 1974, esteve para não ser a primeira senha do 25 de Abril: "sei hoje que houve uma reunião no Apolo 70 entre o Otelo, o Costa Martins, que foi Ministro do Trabalho no tempo de Vasco Gonçalves, e o [radialista] João Paulo Diniz [que à altura trabalhava nos Emissores Associados de Lisboa e no Rádio Clube Português]. A ideia do Otelo era que a primeira senha fosse o "Venham Mais Cinco", do José Afonso, mas foi o João Paulo Diniz que o convenceu de que essa canção, de um autor proibido pelo regime, poderia levantar suspeitas. E foi ele também que sugeriu o "E Depois do Adeus", que poderia ser tocado sem fazer soar nenhum tipo de alarme".

Num documento secreto onde se explicava aos comandantes operacionais a estratégia para a madrugada de 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho indicava as duas senhas de transmissão radiofónica que espoletariam as operações militares da revolução que se seguiria: "Às vinte e duas horas e cinquenta e cinco minutos (22H55) do dia 24 Abr 74 será transmitida pelos "Emissores Associados de Lisboa" uma frase indicando que faltam cinco minutos para as vinte e três horas (23H00) e anunciado o disco de Paulo de Carvalho, "E Depois do Adeus"". O tema de José Afonso deveria ouvir-se mais tarde: "entre as zero horas (00H00) e a uma hora (01H00) do dia 25 Abr 74, através do programa da Rádio Renascença, será transmitida a seguinte sequência: Leitura da estrofe do poema "Grândola Vila Morena" "Grândola Vila Morena / Terra de fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti ó cidade"; Transmissão da canção do mesmo nome interpretada por José Afonso".



´


segunda-feira, 24 de abril de 2017

Devemos cantar!

Levantam canções no ar
os grilos sem terem voz

Com as asas é que nós
também devemos cantar

(David Mourão-Ferreira)




quinta-feira, 20 de abril de 2017

«O Tesouro»



Este livro foi escrito pelo poeta/escritor Manuel António Pina por encomenda da Associação 25 de Abril para a celebração do 20º aniversário da Revolução.

Sobre o livro, o autor disse o seguinte numa entrevista que deu numa escola: «E um dia, a comissão que estava a organizar os 20 anos do 25 de Abril… Já havia jovens da vossa idade que não sabiam o que era o 25 de Abril e a comissão convidou-me para fazer isso, numa sexta-feira. Não sei se sou capaz, disse, mas vou tentar explicar aos mais jovens o que foi o 25 de Abril, que foi um dia memorável, foi uma experiência… Valeu a pena viver só para viver aquele dia. Disseram-me que era para segunda-feira e era sexta… E o que saiu foi aquilo.  A minha ideia e a minha preocupação a fazer esse livro era explicar a jovens que nasceram em liberdade o que era a falta de liberdade… No livro, diz lá assim: “A liberdade é como o ar que respiramos”… Nós nem nos damos conta de que respiramos, respiramos e pronto, mas quando nos falta o ar é um sufoco. E a liberdade é uma coisa parecida… vocês nem se dão conta de que são livres, mas quando perdemos a liberdade é um sufoco enorme. E depois queria tentar, através de histórias verdadeiras e de pequenos pormenores, explicar como não haver liberdade é completamente absurdo, não é natural. A razão não consegue alcançar como eram proibidas coisas como, para jovens como vocês, as raparigas não poderem andar nas mesmas escolas do que os rapazes, tinham de estar separadas. A minha mulher foi impedida de ir às aulas e uma colega dela expulsa porque foi de calças para a escola. E a amiga dela foi expulsa porque persistiu…» (daqui)

Foi este livro que hoje comprei para oferecer aos meus netos no próximo dia 25.

Oxalá gostem!


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Nunca é de mais recordar


Estas memórias fui buscá-las ao Expresso. 25 de Novembro de 1975. Nunca é de mais recordar. E repisar...


«O 25 de Novembro de 1975 foi reduzido por quase todos os comentadores ao confronto entre democracia ocidental e totalitarismo soviético. Duas semanas antes, Mário Soares e Álvaro Cunhal tinham protagonizado o famoso debate na RTP do «Olhe que não, doutor...». Henry Kissinger, secretário de Estado de Nixon, tinha visto em Soares e em Cunhal émulos de Kerenski e de Lenine e previsto para Portugal o mesmo desfecho de 1917, na Rússia. Mas era, de facto, isso que estava em causa?


Entre 1974 e 1975 viveu-se um dos períodos mais ricos e agitados da História portuguesa recente. Um regime que parecia eterno caiu num só dia. Sem censura, sem polícia política e sem guerra colonial, o mundo parecia ao alcance da mão. (...)


 Cercado no Quartel do Carmo, a 25 de Abril de 1974, Marcello Caetano chamara Spínola «para o poder não cair na rua». 

 Um ano depois, os partidos não se entendiam. O Presidente da República, não eleito, era um polo de conspiração. Estava assinado um pacto entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos. O Conselho da Revolução tutelava a produção legislativa. Nos círculos militares vivia-se um delicado equilíbrio. A Igreja virava à direita e amotinava o campo contra o comunismo. Até porque a hiperpolitizada vida de Lisboa aparecia como um universo estranho às populações rurais, cujo quotidiano pouco mudara com o 25 de Abril. (...)

No final do Verão Quente de 1975, os sectores básicos da economia estavam nacionalizados. Lisboa tinha, semana sim, semana não, grandes manifestações de moradores, trabalhadores, estudantes e soldados, às quais delegações da extrema-esquerda europeia davam um toque cosmopolita. No Norte havia bombas e arruaças contra as sedes do PCP e partidos mais à esquerda. Lá se dizia que Portugal só começava de Rio Maior para norte e que para baixo «era Moscovo». (...) 

Já Mário Soares tinha a apoiá-lo na famosa manifestação da Fonte Luminosa radicais da extrema-direita com quem não se sentaria à mesa. Os diversos poderes político-militares viviam um equilíbrio instável que não iria durar sempre. E a tentação totalitária não estava só do lado da esquerda. O revanchismo dos derrotados do 25 de Abril sonhava com um Pinochet português e o Estádio da Luz cheio de «comunas» para fuzilar...

Ao fim do dia 25 de Novembro de 1975, quando as forças afectas ao VI Governo Provisório neutralizaram as unidades militares contestatárias, houve choro e ranger de dentes dos dois lados. Mais à esquerda acusava-se o PCP de traição por não ter apoiado a resistência nas ruas. No extremo oposto do espectro amaldiçoava-se o major Melo Antunes quando este apareceu na TV a vincar que o PCP era indispensável à construção da democracia.

A 30 de Novembro, escrevia-se em «Le Monde»: «A revolução romântica, à 'Couraçado Potemkine', que há um ano incomodava a Europa e inquietava Washington, dissipou-se em 48 horas como uma nuvem de fumo. Alguma vez teria sido outra coisa?»




segunda-feira, 25 de abril de 2016

Só de Punho Erguido

A minha homenagem aos homens de Abril.
Com força e determinação
E aos de agora e aos que hão de vir 
Para que Abril se cumpra.




Pela terra que nos deixam
Pela noite que se arrasta
Pelo chão que se conquista
Pelo preço que se paga
Pelo canto que se arrisca
Pela vida que se estraga.

(Refrão: só de punho erguido a canção terá sentido x 5)

Pelo corpo que se aperta contra os muros e contra as pedras
Pela voz que se levanta nas horas mais incertas
Pela boca que se espanta nas tarde encobertas.

(Refrão)

Pelas grades que se quebram
pelas armas que se apontam
pelos meses que se perdem se as palavras já não contam
pela calma do teu rosto
pelas fadigas que o afrontam.

(Refrão)

Pelo sangue e pela chuva que dos lares se derrama
pelo riso dos que chegam, dos que dormem nesta cama
pela sangue e pela luta e por tudo que se ama.

(Refrão)

Pela paz deste lugar
pelo vermelho destes dias
pela força de avançar
pela esperança que anuncias
pelo braço que te estendo
pelas nossas alegrias .

(Refrão)

Pela raiva dos que partem o gelo nas muralhas
Pelo grito dos que vencem ciladas e mortalhas
Por aqueles que resistem
Pelos golpes que não falhas.

(Refrão)

25 de Abril Sempre!

domingo, 24 de abril de 2016

Abril de sim Abril de não


Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.

Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.

Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.

Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.



Manuel Alegre




domingo, 3 de abril de 2016

Constituição da República - 40 anos

A nossa ainda jovem democracia - ultimamente tão mal tratada - permitiu  (sabe Deus a que custo) que se elaborasse, com o contributo de representantes democraticamente eleitos, uma carta de princípios que servisse de base a toda à vida deste velho/jovem país depois da queda do regime ditatorial: a Constituição da República, aprovada no dia 2 de Abril de 1976. Fez ontem 40 anos.


A nossa gratidão aos constituintes!


De entre os textos de homenagem que o Jornal de Letras publicou - e porque não posso copiar todos - escolho o texto do poeta Manuel Alegre que passo a transcrever.



Constituinte e revolução

«Havia diferentes opções sobre a via a seguir, conflitos políticos e ideológicos, manifestações e contra manifestações, confrontos entre partidos e entre militares. Apesar disso, os constituintes iam fazendo o seu trabalho, constitucionalizando as principais transformações políticas e sociais que todos os dias estavam a ocorrer.

Havia uma espécie de interação entre o que acontecia no país e os artigos que iam sendo redigidos na Assembleia Constituinte. Legalidade revolucionária na rua, legalidade democrática na Assembleia, integrando as mudanças operadas pela revolução. Houve uma quase milagrosa capacidade de transformar o confronto em diálogo e um inesperado consenso em torno dos valores que foram sendo consagrados na Constituição. Não só as liberdades e os direitos políticos fundamentais. Mas também os direitos sociais inseparáveis dos direitos políticos. A democracia política, económica e social. A rejeição do colonialismo e a consagração dos direitos dos povos à autodeterminação e à independência, o que, naquelas circunstâncias, teve um significado da maior relevância, já que plasmou na Lei Fundamental o fim da guerra e o reconhecimento dos novos países africanos de língua oficial portuguesa. Foi uma revolução na revolução. A da rua passou. Ficou a revolução democrática feita pelos constituintes.

Tive o privilégio de ser o redator principal do Preâmbulo. Participei na elaboração de outros artigos, nomeadamente no primeiro, suponho que conjuntamente com Vital Moreira e José Luís Nunes, se a memória não me falha. Recordo um episódio injustamente esquecido. Como apareceu o nome de Assembleia da República? Houve diversas sugestões de deputados de todas as bancadas, algumas um tanto estapafúrdias. Estava difícil chegar-se a uma conclusão. De repente, Mota Pinto levantou-se e disse: “Assembleia da República”. A sala ouviu e ficou uns segundos em silêncio, para logo a seguir se levantar e aplaudir. Acho que nem foi preciso votar, foi por aclamação. Assembleia da República. Assim ficou a chamar-se o Parlamento, cujo padrinho foi Carlos Mota Pinto.

Há uma tendência para simplificar e para dizer que o pai da Constituição foi este ou aquele. Foram todos. Mesmo Adelino Amaro da Costa que votou contra. Ou Carlos Brito, que foi dos primeiros a compreender a urgência de constitucionalizar as transformações resultantes do 25 de Abril sob pena de estas se esfumarem. Sem esquecer o combate de Mário Soares e Salgado Zenha pela realização das eleições para a Assembleia Constituinte.

Construindo o Estado de Direito Democrático e o Estado Social os constituintes concretizaram a esperança e os horizontes abertos pelo 25 de Abril. Sem o trabalho que fizeram, pouco ou nada restaria da revolução dos cravos. Os militares cumpriram a sua palavra, restituindo o poder ao povo através de eleições livres e democráticas. Os deputados constituintes de certo modo salvaram o essencial do 25 de Abril. Deixaram-nos a Constituição da República, que é a garantia das nossas liberdades e dos nossos direitos.»

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Portugal, não percas a rosa

Nunca tinha lido nada da Natália Correia a não ser uns tantos poemas dispersos naturalmente muito bons.

Lembro-me da sua força de Mátria, da sua voz sonora, poderosa, varonil, a lembrar o Ary, da sua eloquência, da sua mística açoriana, da sua sabedoria, da sua infindável cultura portuguesa, mundial, poética, filosófica histórica e simbólica –e porque não dizer (?) maçónica.

Lá no seu Botequim, onde a poesia acontecia noite após noite, reuniram-se nomes incontornáveis das Letras e da política. (Sobre este organismo vivo que era o Botequim é obrigatório ler o excelente livro do Fernando Dacosta O Botequim da Liberdade.)


Num destes dias de verão, encontrei naquelas vendas baratas de escoamento de stocks, o seu livro não percas e rosa – diário e algo mais (25 de abril  de 1974 – 20 de dezembro de 1975. Considero que se aprende muito sobre a história das épocas nos diários e nas biografias e, como me interesso muito todo pelo tempo antes e depois do 25 de Abril, trouxe-o com a vantagem acrescida de custar apenas cinco euros.

É um documento fascinante por ter sido escrito «em cima dos acontecimentos». Fascinante pelo pedaço de boa literatura que nos é dado ler. Fascinante pelo que aprendemos nível da História, da Filosofia, da Política enquanto ciência. Fascinante pela excelência na utilização da Língua Portuguesa – se bem que de muito difícil leitura.

No que toca ao conteúdo, parece-me que há que ser lido tendo em conta o facto de ter sido escrito dia após dia em cima dos acontecimentos (e que acontecimentos!) e por tal com um enorme excesso de emotividade, de pressão e de tendência pessoal – até porque se trata de um diário.

De qualquer modo, se conseguirmos embrenhar-nos pela floresta de imagens, metáforas e da linguagem algo barroca – própria de quem sabe muito da sua Língua – e nos mantivermos dentro da possível equidistância política partidária da época, tomamos contacto com muitos acontecimentos e com os seus contornos políticos e sociais. Um documento que ajudará a escrever a História.

Da análise da minha leitura, destaco alguns aspetos (nem sempre ”simpáticos”):

  • A ascendência do mundo sócio-familiar-cultural em que a autora foi criada e educada (açoriana, classe média alta, tinha cerca de 50 anos à data do 25 de Abril de 74) sobre a mundividência que imprime ao seu escrito;

  • A sua tendência para desvalorizar a forma como a Revolução aconteceu;

  • A sua antipatia «pecêpista» culpabilizando este partido [e cheia de razão] por tudo o que de pior pôde fazer para substituir a ditadura fascista que subjugou o país por mais de 40 anos por uma outra ditadura marxista-leninista;

  • O extremo simbolismo poético, sebastianista, pessoano que está incluído no título que deu ao Diário «não percas a rosa» que é também o registo com que termina o livro: «Desvenda-se o esfíngico desse olhar português e fatal com que a Europa fixa obstinadamente o Coração da Rosa. Completa-se a tua Mensagem, Fernanda Pessoa. Portugal, Portugal, não percas a Rosa.»


[A Rosa enquanto símbolo da Vida, da Beleza, do Amor, do Bem Supremo.]

A propósito transcrevo para aqui o poema O Encoberto, de Fernando Pessoa, referido por Natália na sua mensagem final.

Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.

Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa que é o Cristo.

Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.

(in Mensagem, Fernando Pessoa)

sábado, 2 de maio de 2015

Nunca pensei!

O tempo que dista entre estas datas revolucionárias de nossa boa memória que são o 25 de Abril (para sempre com letra maiúscula por muitas ortografias novas que venham a acontecer) e o 1º de Maio cria sempre em mim um lampejo, um enorme arrepio que me eriça os nervos num tremor que mexe entre a alegria e a exaltação.

Nestes últimos anos de triste declínio da vida das pessoas, de desaparecimento de instituições e de ardilosos tramas por parte de quem jurou governar a bem do povo, essa agitação interior tem vindo a esmorecer e este ano, perante os trapaceiros espetáculos circenses a que temos assistido no âmbito da Justiça, da Educação, da Saúde e hoje mesmo da Economia com o carrocel da venda da TAP – até o senhor presidente que jurou uma Constituição popular, plural e laica veio dizer: «Deus queira que não aconteça nada de mal à TAP…» (tenho a certeza que o presidente Thomaz não diria melhor…) aquela minha excitação algo saborosa passou a uma inquietação tumultuosa e perturbadora.

Tenho dado comigo a dizer tantas vezes: «Nunca pensei que chegássemos a este ponto, a este estado a esta situação!»

E pior, mas mesmo muito pior: nunca pensei chegar a ver um ex primeiro-ministro (em Portugal as pessoas de visão não são bem-quistas e normalmente são afastados e bem arrastadas na lama) encarcerado há cinco longos meses, bem longe de Lisboa, sem saber – nem ele nem nós – por que razão ao certo, com “culpas” diárias diferentes desferidas nos jornais sem que se saiba com que fundamento ou fonte. E não me venham a falácia de que temos de «deixar a Justiça trabalhar» porque esta bem se tem de esquecido de «trabalhar» com tantos outros «suspeitos» com «indícios» de terem graves  culpas muito mais fundadas e andam por aí a viver regaladamente por esse mundo fora e ainda são elogiados nos discursos deste atual primeiro-ministro.

Li hoje no jornal que o homem que anteontem matou a ex-mulher, os sogros e um enteado ficou em prisão preventiva por perigo de fuga e outras razões muito parecidas com as que levaram à prisão preventiva do ex pm.


Esta fotografia foi das imagens que mais perturbou aquela minha habitual exultação em memória destes dias de lembrança revolucionária – garanto! E lamento...




sábado, 25 de abril de 2015

País de Abril

(Daqui)

São tristes as cidades sob a chuva
e as canções que se atiram contra as grades
- minha pátria vestida de viúva
entre as grades e a chuva das cidades.

É triste o cão que ladra no canil
quando é março ou abril e lhe prendem as pernas
é triste a primavera no País de Abril
- minha pátria perfil de mágoas e tabernas.

É triste: uns vestem-se de Abril outros de trapos.
Tu ó estrangeiro é só por fora que nos olhas
- minha pátria bordada de farrapos
capa de trapos remendada a verdes folhas.

Abril tão triste no País de Abril. Por fora
é tudo verde. (Abril com máscaras de festa).
Por dentro - minha pátria a rir como quem chora
(A festa da tristeza é tudo o que lhe resta).

Abril tão triste no País de Abril. Aqui
a noite. Aqui a dor. Meninos velhos
- minha pátria a chorar como quem ri
em surdina em silêncio. E de joelhos.

(Manuel Alegre; in País de Abril; 2014)


Poema dedicado a Ernesto Melo Antunes, escrito na década de 60, mas que infelizmente se sente, de novo, infelizmente tão atual!

sexta-feira, 24 de abril de 2015

O primeiro 24 de Abril

(Do DN 150 anos)
Lembro-me sempre muito do primeiro 24 de Abril depois daquele 25 de Abril que para sempre haveria de mudar as nossas vidas.

A excitação vinha do facto de irmos participar, pela primeira vez, numas eleições livres! Pacoviamente habituados que estávamos a comprar uma roupinha nova para os eventos especiais – exames no liceu, idas a espetáculos de algum nível, visitas ou passeios distintos – lá fui comprar uma camisa nova (adoro comprar camisas para os homens! Influências de meu pai que era o que noutros tempos se chamava «chefe de escritório» e mudava de camisa, especialmente no verão, duas vezes por dia) para o meu jovem marido. Comprei-lhe uma camisa de cambraia azul escura com raminhos castanho-dourado, com aqueles colarinhos de tamanho exagerado dos anos 70, de boa qualidade e melhor preço, na melhor loja de Leiria – nessa época vivíamos melhor que hoje, se bem que ainda não «acima das nossas possibilidades» - e, chegada a casa, avisei com o meu melhor tom de ironia, que tinha sido aquela daquela qualidade porque, se no dia seguinte as eleições fossem ganhas pelo PC, poderíamos ter de usar farda à MAO…

No dia das eleições (para a Constituinte), as pessoas postaram-se nos locais de voto manhã cedo e formaram bicha para votarem. Foi lindo de se ver o entusiasmo, a alegria, a excitação ali na Junta de Freguesia de Marrazes onde votamos.

As filas serpenteavam pelo adro da escola e eu, grávida da minha filha mais velha, de blusa vermelha como convinha debaixo da túnica larga amarelo sol, alegremente negava a quem me convidava a passar à frente na bicha para não ter de esperar de pé. Aos 27 anos, era o meu primeiro voto e tinha de o aproveitar, de o fruir bem. É por isso que quase se me arreganham as unhas dos pés quando me dizem «Votar, eu? Para eles se irem encher para lá?!» e outros impropérios revoltantes.

Sabem lá eles – ou apenas não querem saber – o que custou ganharmos o direito a votar! E outros de igual e até maior importância!!

Por isso – e apesar de tudo – 25 de Abril SEMPRE!!


quarta-feira, 8 de abril de 2015

Charlie 8



Alguém teve a ideia de recordar no facebook (abençoado facebook que é bem mais vivo e real que os jornais!) a efeméride da morte de Salgueiro Maia (há 23 anos em 4 de Abril) e aí lembrei-me do extraordinário capítulo XIV do excelente romance de Lídia Jorge «Os Memoráveis» que trata exatamente da brilhante intervenção de Charlie 8 – nome de combate de Salgueiro Maia – na epopeia do 25 de Abril.

Não fosse tão longo e tão completo, aqui estaria eu a transcrevê-lo completamente. Mas como isso não seria recomendável num espaço como é o de um blog, vou tentar limitar-me a passar para aqui parte da tentativa de explicação para o facto de lhe não ter sido atribuída (pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva) uma pensão “por serviços excepcionais e relevantes”.

«Quer dizer que o seu marido morreu de desgosto?» (…)«De modo nenhum, toda a gente sabe que ele morreu de doença prolongada.» (…) «Quer dizer que durante nove anos os militares não promoveram o seu marido, que o desterraram para lugares e ilhas onde nada tinha que fazer, que o nomearam carcereiro dos serviços prisionais, e ele, aquele que foi o rosto mais visível de todos quantos deram a liberdade ao pais, não morreu de desgosto?» Perguntou Margarida à viúva e foi lembrando episódios de que tinha tido conhecimento nos dias anteriores e que muito a tinham chocado. (…) A anémona quis, então, saber se o facto de, no mesmo dia em que tinham sido atribuídas pensões por serviços distintos a antigos membros da polícia política, e ao marido ter-lhe sido negada, se não era uma prova de que não havia sido obra do acaso. (…) A viúva tinha o micro na mão e assim o manteve. Olhou para a câmara. Disse - «Também não foi assim, nunca chegaram a negar a pensão ao meu marido. E é preciso dizer que, pela lei, os pides poderiam ser contemplados (…) Havia um enquadramento legal para a bravura dos pides, não havia artigo nenhum no qual coubesse a bravura do meu marido. (…)

«Ficámos a saber que tudo tinha começado quando o juiz do Tribunal Militar devolvera o requerimento feito por Charlie com uma grande cruz preta, sob o pretexto de que os seus actos de abnegação e coragem cívica não cabiam no artigo quatrocentos e quatro, barra, oitenta e dois, mas os actos dos torcionários ocorridos antes, segundo a lei, cabiam. (…) tendo sido chamado a intervir, o conselheiro tinha dito que se acaso fosse adiada, indefinidamente, a obtenção do parecer, não haveria como ter objecção. (…) Que se dissesse, pois, que a decisão seria breve, e seria nunca, porque seria amanhã. O conselheiro era um crente. Ora pro nobis. (…) «Pode Vossa Excelência decidir, descansado, o provimento dos primeiros, pois em relação a esses a lei não oferece dúvida alguma. Cumpriram o seu dever para com o Império, quando a nação era um Império. Já o rapaz dos tanques e das chaimites, não pode Vossa Excelência conceder a sua assinatura, uma vez que não pode confundir este com os primeiros. (…) É que os primeiros defenderam o Império, enquanto o rapaz desfez o Império. (…) Deste modo, houve o provimento dos pides e não o do rapaz dos tanques, autor daquelas conversações prolongadas no Largo do Carmo. Assim, Charlie 8 teve o seu requerimento adiado. O seu papel foi colocado no fundo de todos os papéis a que ia sendo colocada a data sine die.»


(Jorge, Lídia. «Os Memoráveis», D. Quixote, Lisboa, 2014 – pp 247 – 255)

segunda-feira, 16 de março de 2015

A «Intentona das Caldas»

16 de Março de 1974

«Já tinha acabado tudo. Sabia-se que a coluna fizera meia volta e regressara às Caldas a poucos quilómetros da chegada a Lisboa.

- Mas que raio de barracada foi esta? – interpelava [Ruben Rodrigues].

Expliquei-lhe o que podia no momento. A perplexidade persistia.

- Mas como pôde a malta alinhar nisso? Tava-se mesmo a ver que dava raia!» (…)

«São dez horas quando a coluna motorizada, regressada às Caldas, entra os portões do RI 5, que logo se fecham. Com o comandante, o 2º comandante e os três majores da unidade neutralizados, Monge e Casanova tomam conta da situação, assumindo até final, com extraordinária dignidade, pesadas responsabilidades.

Cerca das onze horas, o brigadeiro Pedro Serrano, 2º comandante da Região Militar de Tomar, ordena o corte da luz, da água e dos telefones à unidade. Pelas doze horas, forças do RI 7 e do RAL 4, de Leiria, do RI 15 de Tomar, da EPC de Santarém (em Chaimites) e da brigada móvel da PSP (então estacionada na Marinha Grande para repressão de uma greve de operários da indústria vidreira) sitiam o quartel. Monge e Casanova ordenam que não se faça um único disparo. Aquela é uma guerra de ideias e não de armas, que irmãos não lutem contra irmãos. Perto das catorze horas, com o quartel cercado, Pedro Serrano, em pé dentro do jipe, ordena à porta das armas da unidade rendição, concedendo para tal um prazo de quinze minutos. Monge e Casanova respondem que só entregam o RI 5 e o portão a Costa Gomes e Spínola. Mas é uma bravata final. Reconhecem que não há qualquer hipótese. Reunindo os oficiais da unidade decidem-se pela rendição. Sabem que a intentona e a sua missão de sacrifício não serão vãs. À opinião pública nacional e internacional chegará uma vez mais a informação de que em Portugal o Exército se agita e que os jovens oficiais causticados pela guerra colonial não partilham da fidelidade canina dos generais jarretas e corruptos ao Governo.»


(A coluna das Caldas - foto daqui)


À noite, no telejornal foi lida uma nota do Governo:

(…) «O Governo tinha conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.

Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas, foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR.

Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por unidades da Região Militar de Tomar.

Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo.

Reina a ordem em todo o País.» (in «Alvorada em Abril» O. S. Carvalho, 1977)





(Não sabiam que esta ordem reinaria em todo o País apenas por mais quarenta dias.)


quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Vítor Crespo (1932 - 2014)

«Quanto à Armada, fechou-se completamente em copas até ao último momento. Pelo menos no que a mim próprio diz respeito, pois nem sequer no posto de comando, em pleno desenrolar da acção, Vítor Crespo acedeu a responder-me à pergunta que lhe fiz nesse sentido. E a minha surpresa (e satisfação) seria grande ao ver, na noite de 25 de Abril, no quartel da Pontinha, um capitão-de-mar-e-guerra de aspecto façanhudo e resoluto e um sorridente e calvo capitão-de-fragata prepararem-se para a assumpção das pesadas responsabilidades que a Junta de Salvação Nacional lhes ia carregar em cima dos ombros. Ao menos, a Armada, sabidona, não se tinha deixado enlear na habitual conversa mole da preservação da hierarquia apesar de tudo, jogando forte na personalidade dos seus dois representantes! (…)

Perante a recusa do comodoro [Ferraz de Carvalho a pretexto da idade e do cansaço] e mantendo o nome de Pinheiro de Azevedo, só a caminho do posto de comando, onde se me foi juntar pelas dez horas e trinta da noite do dia 24, é que Vítor Crespo, com base no consenso anterior, se decide a passar por casa do Rosa Coutinho. Este, de nada sabe. Crespo passa-lhe para as mãos os três documentos que leva na pasta – a proclamação do MFA, o protocolo secreto entre o MFA e a Junta e o programa político – que o comandante lê atentamente. Quando termina, sacode os papéis e diz a Vítor Crespo:

 - Com isto, ponho o meu navio à vossa disposição!
 - Muito obrigado, senhor comandante, mas isso não é preciso porque já está – desconcerta-o Vítor Crespo. – O que eu lhe venho propor é que faça parte da Junta.

Rosa Coutinho abre a boca de espanto. Estava-se a uma hora apenas do primeiro sinal rádio através dos Emissores Associados! Vítor Crespo põe-no ao corrente. O comandante aceita o cargo a que o destinam.»

In memoriam do Almirante Vítor Crespo que faleceu ontem, aos 82 anos de idade.



"É com profundo pesar que vos comunico o falecimento do militar de Abril, ocorrido hoje, almirante Vítor Manuel Trigueiros Crespo. Nascido em Porto de Mós, em 21 de Março de 1932, Vítor Crespo foi um Militar de Abril de todas as horas, um dos principais dirigentes da Marinha no Movimento das Forças Armadas, integrando a equipa do Posto de Comando da Pontinha, nas operações militares do 25 de Abril", pode ler-se no comunicado da Associação 25 de Abril, da qual o Almirante era sócio fundador nº 2.

O texto que acima transcrevi foi retirado do extraordinariamente empolgante livro «Alvorada em Abril» (pp 367-8) da autoria de Otelo Saraiva de Carvalho que, em cerca de 600 páginas, faz, em 1ª pessoa, o relato pormenorizado das causas e de toda a preparação do 25 de Abril, começando pelo início da Guerra Colonial até à noite do dia 25 de Abril de 1974.

Um livro extraordinário, de leitura obrigatória para quem reverencia o 25 de Abril. Comprei a edição limitada a 1974 exemplares que saiu em Abril deste ano e li-o quase de rajada depois de ter terminado os Memoráveis de Lídia Jorge.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Os Memoráveis



É sabido que me agrada muito ler Lídia Jorge. Desde que tomei conhecimento do seu nome pela «Conta Corrente» do admirável Vergílio Ferreira. Li vários dos seus romances todos atinentes a temas marcantes da vida e da história do país. Todos muito bons. Todos muito bem arquitetados, todos muito bem escritos. Não posso dizer qual o que achei melhor no seu todo, mas aquele de que mais gostei foi «O Vale da Paixão» que pinta a saga de uma família no Algarve rural.

Nestas últimas semanas detive-me a ler «Os Memoráveis» e adorei! É, de longe, o mais conseguido dos seus romances – talvez depois de «A Costa dos Murmúrios», mas mais maduro que este em termos da arquitetura do romance e, mais importante ainda (pelo menos na minha ótica) na maestria da palavra.

Não adianta deixar aqui apontamento sobre a trama do romance porque isso encontra-se facilmente na mais básica pesquisa na net ou lendo a contracapa do livro. Além de que é sabido que se trata de uma revisitação ao que aconteceu na noite de 24 para 25 de Abril de 74 contada por uns tantos dos responsáveis pelo golpe e por dois poeta, passados trinta anos. E aí é que está a ficção, a originalidade e a perfeição de um romance de qualidade.

Dois aspectos de grande interesse e novidade no plano da narrativa – na minha simples opinião: primeiro, as alcunhas escolhidas para cada um dos «memoráveis» que a narradora decide entrevistar para dar o seu testemunho sobre as circunstâncias do golpe e que, tirando duas ou três exceções, dificilmente serão identificadas pelo leitor; e depois as máscaras de anti-herói (com as suas decepções, as suas fragilidades, os seus dilemas) com que cada um dos «memoráveis» nos é apresentado trinta anos depois daquele feito heróico por eles perpetrado naquela noite de Abril de 74.

No plano da abordagem à realidade, de notar a quase colagem à sequência dos acontecimentos hora a hora que levaram à realização cabal do golpe, embora em modalidade de puzzle que se ia completando à medida que a narrativa avança e, por outro lado, a impressão digital da autora no desenvolvimento da entrevista à viúva de Charlie 8 e a forma quase violenta e sarcástica como é tratado o facto de lhe ter sido negada uma pensão por serviços distintos enquanto uma idêntica foi atribuída, nesse mesmo prazo, a dois pides. Outro aspeto bem repisado ao longo da obra é a noção de que, quer na preparação, quer na operacionalização do golpe, nenhum dos intervenientes queria ser reconhecido acima dos outros, que «todos somos capitães» - dizia Charlie 8 e que cada um mais não era do que um entre os cinco mil que estiveram envolvidos no «milagre», no dizer do “Oficial de Bronze”- «porque havia cinco mil efectivos dispersos no terreno, mas unidos pela amizade».

A trama, que entrecruza o plano histórico com o plano familiar da narradora, está por de mais bem urdida mas há episódios tão fortes, tão intensos, tão complexos apesar de nos serem apresentados simplesmente, que senti, por vezes necessidade de voltar atrás e reler alguns trechos para sentir o pulsar dos acontecimentos e ligar o puzzle da teia.

Muito, muito mais haveria a dizer sobre esta obra tão emblemática mas escrita com o coração, mas não quero nem devo alongar-me. E, apenas para deixar a marca de esperança que este livro pretende deixar no ar e para os vindouros, transcrevo o poema “Um Dia” que o poeta Francisco Pontais – que, curiosamente, tem uma perspetiva bem crítica do que realmente foi aquele dia de Abril – sobre o mesmo compôs:

«Um dia os rapazes serão louvados
Hão-de passar entre multidões floridas.
Levarão riso na boca e os braços levantados.

Um dia os rapazes hão-de ser punidos
Pelos males que hão-de vir dos quatros pontos cardeais.
Terão latrinas derramadas nos portais.

Um dia esses heróis serão esquecidos
Os seus nomes alinhados entre conchas e espinhas.
Hão-de constar de uns livros nunca lidos.

Mas um dia, esse dia será o dia do idílio.
Os rapazes ainda não desistiram de soltar os braços dos escravos.
E os escravos ainda não renegaram a cor dos cravos.

Ainda estamos no princípio desse dia.»