Fez anos que partiu no dia 19 de outubro;
faria anos (74) no passado dia 18 e eu nada disse, nada escrevi, nada aqui
recordei. Mas é daquelas personalidades, daqueles escritores que deixa tanta
saudade. Fazem-me falta as finas observações que fazia nas suas crónicas que
publicava no JN e no DN. Os seus poemas ficaram e falarão por si e por ele, mas
nem sempre são fáceis de lhes apreender o justo sentido.
Por isso hoje, que não faz anos
de nada, mas apenas porque me lembrei dele, e sempre com saudade, deixo aqui
uma das suas crónicas retirada da coletânea que a Assírio e Alvim publicou, depois da sua morte, com o título Crónica, Saudade da Literatura. Sintam-lhe
e ironia.
Eterno retorno
"Começam a perceber-se as
misteriosas razões que terão levado 2 159 742 portugueses a votar em
Passos Coelho.
O eleitorado português tem sido
repetidamente elogiado pela prudência e sensatez. Tirando a parte, humana,
demasiado humana, da lisonja, resta o que é talvez fundamental, que os
portugueses não gostam de surpresas e votam no que conhecem. E há que admirar a
sua intuição: votando em Passos Coelho, o jovem desconhecido vindo do nada, que
é como quem diz da JSD e de uns arrufos com a Dra. Ferreira Leite, votaram no
mesmo de sempre, na incomensurável distância que, em política, vai do que se
diz ao que se faz.
E, pedindo ajuda a O’Neill, o
eleitorado «tinh’ rrazão»: disse Passos Coelho que era um disparate afirmar-se
que que tributaria o subsídio de Natal e foi a primeira coisa que fez mal
chegou ao Governo; que não mexeria nos impostos sobre o rendimento e idem
aspas; que iria pôr o Estado em cura de emagrecimento e o «seu» Estado só tem
engordado adjuntos, assessores, «especialistas» (e até «superadjuntos» e
«superespecialistas»); agora foi de férias «para recuperar algum tempo do [seu]
papel enquanto marido e pai» depois de ter anunciado que «o Governo não gozará
férias» dada a necessidade de , «com rapidez», «traduzir os objectivos (…) que
estão fixados em políticas concretas».
Estou em crer que o eleitor
português típico, se tal coisa existe, nunca votaria num político imprevisível."
JN, 10/08/2011
(… enganou-se o nosso bom poeta e
cronista. Esse “eleitor português típico” cuja existência ele até pôs em dúvida
e que, de facto, não deve existir, voltou a votar no tal “político imprevisível”
quatro anos mais tarde e depois de todas as “tarrafias” por que fez o tal
eleitor típico - e os outros todos - passar… Mas a essa inexplicável incongruência do eleitor já o poeta foi
poupado por um trágico revés da vida.)