Tive umas tantas cadeiras com ele
– ele em Românicas e eu em Germânicas (entrámos na Faculdade no mesmo ano, 1966)
a primeira das quais, «Introdução aos Estudos Linguísticos», regida pelo pai, o
saudoso Professor Lindley Cintra. Nesse tempo, ninguém falava nas aulas, pelo
que quase nem me lembro de lhe ouvir a voz ou notar a atitude (ao contrário do
Júdice, o poeta, que por vezes era solicitado pelo professor.)
Como não sou pessoa de teatro
(desculpe-se-me a insensibilidade ou a incultura) nem apreciadora das fitas de
Manoel de Oliveira, não lhe segui a carreira, sabendo de longe que era gente de
vulto na “alta cultura”, contracenando com os grandes lá de fora – a linda e
sensual Deneuve, o Malkovich, o da voz de veludo – e pouco mais.
Soube que vinha aqui ao Mosteiro
da Batalha numa noite de Outubro fazer a leitura do Livro Eclesiastes na
tradução do nosso infeliz humanista do século XVI Damião de Góis e lá nos
abalámos para o ouvir.
Muito bem lido, muito bem
representado, mas devo dizer que não gostei da atitude, da distância que
manteve do muito público que ali se deslocou – como se tivesse provido de uma
máscara. Grega. Vim algo desiludida.
Hoje li por alto – não gosto de
ler entrevistas – uma longa entrevista que deu ao Jornal de Leiria e continuei
e ficar com um sentimento de não simpatia pelo que afirma, ou melhor, pela
forma como afirma, como transmite as suas ideias, as suas opiniões. Sempre de
cima para baixo – parece-me – sempre com uma ponta de sobranceria, um pouco
pedante até.
«Acho o livro Eclesiastes
particularmente adequado a um recinto sobre a vaidade, um mosteiro erguido em
honra de um rei para festejar uma vitória militar sobre outras pessoas.»
«Não voto porque acho evidente
que o sistema político e eleitoral é uma farsa. As próprias pessoas que votam
neles não lhes reconhecem autoridade como representante. Pessoas da minha
geração que sonharam que o sistema político corresponderia a uma mudança
sentem-se tristes, desconsoladas. No meu caso, fiquei sempre de fora, recusei tudo.
Como sou artista, acho que faz mais sentido colaborar intervindo
individualmente (…)»
E diz que voltou a ser católico –
agora que foi envelhecendo e ficando doente – «com uma espécie de raiva por não
ter entendido que era uma estupidez afastar-me da igreja.» E que se revê no
Papa Francisco «pela simpatia, pela simplicidade, pela negação de tudo o que
são acrescentos moralistas à verdade essencial.»
Pois eu fico com a sensação que o
Luís Miguel Cintra é – ou pelo menos aparenta ser – tudo o que o Papa Francisco
não é.
O pai dele, esse sim, terá sido
bem mais parecido com o atual Papa. Pela sua simpatia, pela sua simplicidade,
pela generosidade das suas atitudes, das suas crenças, dos seus valores, dos seus
comportamentos.