No tempo em que por cá pouco ou nada havia, o Festival da Canção era um
acontecimento. Havia que, depois do jantar, tratar da cozinha o mais
rapidamente que se podia, porque tínhamos de nos postar em frente do aparelho
de televisão para não se perder pitada. Isto desde 1964, que foi a primeira vez
que Portugal se apresentou na competição musical europeia. Toda a gente via
atentamente e discutia-se o assunto dias a fio.
Nesses anos de 60 e 70, concorremos com boas canções, bons poemas, boas orquestrações,
boas vozes, mas limitávamo-nos a receber os pontos que a Espanha, simpática e
quase obrigatoriamente, nos dava. Isto porque estávamos ainda – e estivemos – mergulhados
naquele cinzentismo fascista que a Europa derrotara anos e anos atrás.
Começámos por apresentar a música própria da nossa “austera, apagada e vil tristeza”.
Depois tentámos seguir uns ritmos mais ao gosto festivaleiro e, na chamada “primavera
marcelista” [a triste ironia com que se
chama “primavera” aos ventos de pretensa mudança! A desconsolada lembrança da
das “primaveras árabes”!] lá avançámos com a frescura das canções do Tordo,
do Carlos Mendes, do Ary.
Lembro com especial carinho as prestações de Carlos Mendes – “Verão” e “A
Festa da Vida” – do Fernando Tordo, com a Tourada, das Doce, do simpático mas
infeliz Carlos Paião, da Dora, da Maria Guinot…
Nesse tempo, eu gostava de dizer que mesmo que concorrêssemos com uma
canção dos Beatles, nem assim conseguiríamos ganhar!
Depois da Revolução, continuámos a levar algumas boas canções, mas continuávamos
a ser tão pequeninos!
Os festivais foram alterando as regras de participação e de votação,
tornando-se, na minha modesta opinião, mais circenses e de qualidade musical
cada vez mais fraca. Por lá e por cá.
Há anos que me desinteressei completamente de os ver pelo aborrecimento das
suas longuíssimas apresentações.
Este ano não foi para mim diferente. Francamente depositei tantas
esperanças no nosso representante como nos anos anteriores. De modo que foi com
enorme espanto mas com muita alegria, diga-se, que soube, esta manhã, que a
canção portuguesa, cantada em português, fora a vencedora por larga margem!
Finalmente, deu-se! Ainda custa a crer!
O poema é muito bonito. O rapaz tem à vontade no palco. É simpático, de uma
simplicidade algo afetada e exprime-se muito bem num inglês corrido e lindo!
A canção não faz o meu género, não senhores. Mas gostei que a Europa
tivesse gostado tanto dela!