O vale das hortas verdes no centro rural de S. Pedro de Muel por trás do belo Largo fronteiro ao areal, de que ainda me lembro nos anos 70 cheio de hortinhas de verduras das que agora se chamam biológicas, tinha uma lavadouro daqueles com pedras para bater a roupa e água corrente.
Mercê da modernização dos espaços, o vale das hortas deu lugar a uma belo parque para passear, ler, descansar, apanhar o fresco, com um espaço para as crianças esticarem os braços e as pernas e, ao fundo, lá está o lavadouro para lembrar o tempo das lavadeiras.
O lavadouro foi revestido no seu interior com painéis de azulejos com pequenos trechos de poemas de Afonso Lopes Vieira, o eterno apaixonado de S. Pedro.
A propósito das lavadeiras, Fernando Pessoa escreveu assim:
«Lavadeira a bater
roupa
Na pedra que está
na água,
Achas a minha
mágoa pouca?
É muito tudo o
que é mágoa.»
E assim:
«A lavadeira no
tanque
Bate roupa em
pedra bem.
Canta porque
canta e é triste
Porque canta
porque existe;
Por isso é alegre
também.
Ora se eu alguma
vez
Pudesse fazer nos
versos
O que a essa
roupa ela fez,
Eu perderia
talvez
Os meus destinos
diversos.
Há uma grande
unidade
Em, sem pensar
nem razão,
E até cantando a
metade,
Bater roupa em
realidade. . .
Quem me lava o
coração?»
Mas como calar aqui a poesia de Vieira se ela se respira no ar de S. Pedro?
NO TRONCO DUM PINHEIRO DA FLORESTA
A infinita frase
dos pinhaes
cantou embaladora
à minha infância,
e ficou em minha
alma a ressonância
destas religiosas
catedraes…
Em cada inverno
as árvores doridas
fogem do mundo,
deixam-no sozinho;
só estas, sempre
fielmente erguidas,
mantêm no mesmo
gesto igual carinho.
Verdes amigos
certos para a gente,
têm a constância
na adversidade,
dão a saude e
ensinam a bondade,
— a Bondade:
justiça sorridente.
(in O Pão e as
Rosas,)
Porém, com poesia ou apesar dela, os miúdos divertiram-se por ali.