sexta-feira, 23 de março de 2012

Emigrem vocês!




Saltam os números a vermelho na primeira página do jornal: 150 000 emigraram no ano passado! Já são números que se aproximam dos registados nos anos 60 do século passado. Nesse tempo, os que se aventuravam a dar o “salto” chegavam aos países da Europa – coisa que o nosso não era – e, famintos de comer, de dinheiro, de civilização e de tudo o mais, aceitavam os trabalhos “sujos” e difíceis que os cidadãos desses países já não queriam realizar. Não é o caso atualmente. Felizmente. Não somos já um povo faminto de educação, de cultura, de civilização. As condições alteraram-se diametralmente. E mandam-nos emigrar! Mas será que há lugares disponíveis para todos esses novos emigrantes desenvolverem as funções para que se prepararam? 

O senhor primeiro-ministro acha que este país não é “para novos”. Mas “para velhos” também não será já que se vão deixando desgastar-se e morrer dados os retrocessos sociais a que se tem vindo a assistir.

Mas muito melhor do que eu, disse-o o escritor, poeta e cronista Manuel António Pina na angustiante mas excelente crónica que aqui deixo hoje.

 
Este país não é para jovens nem para velhos

«O primeiro-ministro instiga os jovens a emigrar, dizendo adeus ao país e àquilo que ele tem hoje para lhes oferecer: desemprego, precariedade, humilhação quotidiana, ao que o secretário de Estado da Juventude, um jovem da leva de boys que emigraram para o governo dotado de particular sentido de humor negro, chama a sua (dos jovens) «zona de conforto». Muitos dos que seguiram o conselho dormem agora, dizem jornais e TVs, nas estações de caminho-de-ferro da Suíça ou são pedintes e sem-abrigo em Inglaterra, e os mais felizardos arranjaram trabalho escravo na Alemanha e em França. De qualquer modo, o problema já não é do governo português. 

Os velhos são mais difíceis de exportar; é, principalmente, mais difícil convencê-los a deixarem-se exportar. A solução, para o país e o governo se verem livres também dos velhos, que só dão despesa, tinha necessariamente que ser mais imaginativa. 

Se o Governo fosse de comunistas, dar-lhes-ia a famosa injecção atrás da orelha. A solução final neoliberal é mais «humana»: deixá-los morrer (aos velhos pobres, porque os ricos podem comprar a vida) de morte por assim dizer natural, como a Dra. Manuela Ferreira Leite defendeu na TV que morressem os insuficientes renais com mais de 70 anos precisados de hemodiálise e sem meios para a pagar, já que a hemodiálise custa um dinheirão e ocupa médicos e enfermeiros pagos a peso de oiro com os descontos feitos à Dra. Ferreira Leite e ao Dr. Eduardo Catroga. 

Em duas semanas, 6100 pessoas, na sua maioria, segundo o Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, idosos com mais de 75 anos, morreram em Portugal de frio e de gripe. O pneumologista Agostinho Marques, director da Faculdade de Medicina do Porto, tem poucas dúvidas quanto às razões do morticínio. Em declarações à Antena 1, apontou o facto de não só muitos idosos pobres não se terem vacinado como, por falta de meios (sobretudo atendendo aos brutais aumentos da electricidade e do gás), «não ligarem os aquecedores», acabando assim por sucumbir de frio. 

De facto, muitas das «poupanças» que o Dr. Paulo Macedo tem feito na saúde, do fecho de postos e unidades hospitalares aos aumentos das taxas moderadoras e aos obstáculos financeiros colocados ao transporte de doentes crónicos, atingem sobretudo doentes idosos sem recursos ou com pensões de miséria, muito em particular os que residem em regiões do interior do país onde os políticos só vão de quatro em quatro anos quando abre a caça ao voto. Tudo junto com as «poupanças» nas prestações sociais, não era difícil prever o destino que uma política de austeridade dirigida quase exclusivamente aos sectores mais vulneráveis da população reservaria aos idosos pobres. 

Vistas as coisas friamente e do ponto de vista da «economia de mercado» neoliberal dominante, para a qual a saúde é, como diz a Dra. Ferreira Leite, um direito de quem pode pagá-la, menos 6100 reformas ou rendimentos sociais de inserção são uma boa notícia para o défice do Dr. Vítor Gaspar. E, se o vírus da gripe continuar por aí ainda durante uns meses, a boa notícia será decerto substancialmente melhor.
Entretanto, para os de saúde mais resiliente, o Ministério da Segurança Social anunciou o milagre da multiplicação: mais dez mil camas em lares da terceira idade sem gastar um tostão com a construção de mais lares nem com mais quartos nos lares existentes, mas... mandando pôr outra cama nos quartos onde hoje já se amontoam três ou quatro idosos. 

Se este país não é para jovens nem para velhos, para quem é, afinal, este país?»




12 comentários:

  1. Li, e li também o texto de Gonçalo M. Tavares... essa revista do DN salva o jornal, que está mal... muito mal... Mas quanto ao seu post, se não se põe a pau fica cá sozinha... a palavra de ordem é pirar daqui para fora. Mas... não desespere, terá a minha companhia.

    ResponderEliminar
  2. Até me comovi com o artigo, por ser tão verdadeiro e dizer a verdade sem papas na língua! Este país é só para esta cambada que nos governa se encher de massa e preparar o terreno para empregos de pouco trabalho e de ordenado milionário no futuro! Por causas destas a Maria Antonieta perdeu a cabeça. Às vezes tenho pena de hoje sermos tão "civilizados"...

    Beijocas!

    ps - gostei muito das fontes do post anterior - bonitas fotografias!

    ResponderEliminar
  3. Eu até me oferecia voluntariamente para lhes ir fazer a mala lol

    Bjos

    ResponderEliminar
  4. Pus essa malfadada notícia no FB! :-((
    Querem que emigrem os novos e que morram os velhos!
    Subscrevo!
    Emigrem eles ou voltem de onde vieram!

    Abraço

    ResponderEliminar
  5. As fontes são bonitas e este teu texto uma maravilha!!

    Abraço-te

    ResponderEliminar
  6. Com bilhete só de ida.
    Bom fim de semana Carol

    Beijinho e uma flor

    ResponderEliminar
  7. Hoje nem encontro um pouco de ironia para comentar,como é meu hábito.Só dor,raiva,ranger de dentes.
    Sempre atenta a despertar a atenção,Carol.Bem hajas.Kinkas

    ResponderEliminar
  8. Quando todas as forças de trabalho emigrarem terão que negociar novas tranches do empréstimo para pagar as pensões aos reformados e os ordenados dos políticos que não sabem fazer mais nada senão viver "à conta".

    Ando com pouca vontade de falar de política. Este Governo não merece que falemos deles nem da "sua política".

    Bom fds

    ResponderEliminar
  9. E eu, já descrente nos homens, ponho-me a olhar pelo jardim/quintal cá de casa, a ver se as couves crescem mesmo sem água, tenho uns repolhos que são um regalo, que remédio, aproveito a água do lava-louças, e mais alguma por aqui e por ali, a ver se consigo fazer a minha parte e poupar no precioso líquido...

    E estes gandulos lá andam todos entretidos com o seu congressito, convencidos que os estamos a ouvir, tolos que eles são, que se preparem para perder estrondosamente as próximas eleições, se houvesse um Presidente da República com os coisos no sítio, se calhar até teríamos eleições antecipadas, mesmo com polícia a "defender" a democracia do snr alberto joão, etc etc

    Estou zangado, isto está mesmo mal, assim não vamos a lado nenhum, lá voltamos a ouvir o disco de sempre, deve estar riscadíssimo de certeza,
    - aqueles malandros do governo anterior, tão incompetentes que eles foram, nós cá andamos a tapar buracos para depois começarmos então a pôr a economia a funcionar, para se poder voltar a remunerar o trabalho com ganhos de produtividade, bla bla bla

    Balelas...
    Entretanto
    o dinheiro continua
    a circular
    em sentido
    único...

    ResponderEliminar
  10. Obrigada, Kinkas e todos! Tanta gente para lhes fazer as malas... Era bom, era!

    ResponderEliminar