domingo, 14 de novembro de 2010

Fernando Pessoa


Fernando Pessoa morreu em 1935. Eu saí do Liceu em 1965, onde tive Literatura Portuguesa nos 6º e 7º anos e nunca me falaram de Pessoa. Falaram-me do Dantas, mas não me falaram de Pessoa ou de Almada.

Pessoa foi-me “apresentado” pelo Professor Vitorino Nemésio no 2º ano da Faculdade na disciplina de História da Cultura Portuguesa e pelo seu jovem assistente António Machado Pires, que mais tarde foi Reitor da Universidade dos Açores, e a quem nós, completas “teenagers inconssientes” chamávamos “carapau pr’ó gato” dada a sua simplicidade e a sua quase subserviência face ao Mestre. Sabia imenso, porém! Quem acredita que só actualmente os alunos são irreverentes para com os professores, desengane-se porque indisciplina e irreverência sempre aconteceram nas aulas...

Fernando Pessoa foi-nos introduzido como poeta nacionalista, sebastianista, autor dos elevados poemas da Mensagem, criador do Quinto Império. A propósito falaram-nos dos heterónimos que, acto contínuo, me fascinaram pelo mistério dessa criação.

Corri à Sá da Costa onde vi a poesia dos três heterónimos na Colecção Poesia das Edições Ática. Apaixonei-me pelo Álvaro de Campos. Nesse ano de 67, o meu “conversado” (como lhe chamava por influência da minha querida amiga vinda do Alentejo), que viria a ser o meu marido, ofereceu-me as “Poesias de Álvaro de Campos” que eu li e reli com avidez e encantamento.

E, no Prefácio, aquele excerto da extraordinária carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro sobre a criação dos heterónimos: “Álvaro de Campo nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 ... Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow) mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora
realmente frágil (morreu tuberculosos), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campo é alto (1, 75 m., mais 2 cm do que eu) magro e um pouco tendente a curvar-se. (...) Como escrevo em nome desses três?... Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que sùbitamente [sic] se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever não sei o quê. O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muita coisas se parece com Álvaro de Campo, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de «ténue» à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual...”

De Bernardo Soares, nessa época, conheci apenas uns pequenos fragmentos que me deixaram mesmo em “desassossego”. Só em 82 aparece a primeira edição do Livro do Desassossego e, por essa altura, andava eu por de mais ocupada com as filhas pequenas e com as aulas e os Conselhos Directivos em que me envolvi para me aperceber da saída desse “anti-livro” cheio de teses e antíteses, de indiferença, de “des-sentimento”.

E em boa hora! Que já Campos me revirou a alma e os sentidos ao dizer tão bem muito do que eu sentia sem ser capaz de o dizer ou sequer de o pensar.

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