domingo, 7 de maio de 2017

Texto politicamente pouco correto

É como do dia da mãe e o dia do pai e da tia e do sobrinho – nesses dias são palavras bonitas, flores, bolos e chocolates; são poemas, fotos antigas, lágrimas de amor e de saudade e outras hipocrisias (eu avisei que ia ser pouco correto!)

Os livros e as leituras e a poesia e ler em geral são também conceitos e artefactos que apenas são heroicizados nos dias de. Depois … oblivion!

A Livraria Arquivo (que eu não me canso de aqui mencionar) bem como a Biblioteca Municipal fazem de tudo para trazerem à cidade escritores de nome e de renome. Desde Mário de Carvalho até Eduardo Lourenço, de Maria Teresa Horta até Mega Ferreira e a Teolinda Gersão, de Lobo Antunes a Mário Cláudio e a Teresa Rita Lopes e outros muitos. Os últimos que fui ouvir foram mesmo Pedro Mexia e, ontem, Gonçalo M. Tavares. As salas, quer da Arquivo, quer da Biblioteca são de mediana dimensão e, mais ou menos, enchem. Os que vamos assistir – e eu não sou por de mais assídua! – somos quase sempre os mesmos: já nos conhecemos, ou já nos conhecíamos, sei lá!

Mas, o que mais me espanta e dói é ver que, de três grandes escolas secundárias e mais quatro grandes EB2/3 que agregam uma miríade de escolas do 1º ciclo e do pré-escolar – isto sem falar nos colégios religiosos que são dois e grandes – não se encontra um professor(a)! Os que lá vão estão já aposentados e somos quase sempre os mesmos. Nem imaginam como lamento! E não me venham com a desculpa da falta de tempo, dos muitos trabalhos burocráticos e outros porque eu sei do que falo. Preguiça? Indiferença? Arrogância ou simplesmente medo?

Os professores – e que me desculpem as exceções, que as há e boas, mas poucas – sentem-se muito senhores da sua sabedoria; fizeram o seu cursinho, entraram na(s) sua(s) escolinha(s) e pronto! não precisam de mais nada! Nem de ler (mais), nem de estudar (mais), nem de se informar (mais), nem de ir ouvir quem sabe mais do que eles! Pequeninos na sua pretensa grandeza. Naquela grandeza que lhes vem dos manuais com as perguntas todas, com as respostas todas, com as planificações todas das quais não arredam pé nem por decreto! Por isso recusaram ser avaliados.

Hoje, assisti a mais um espetáculo deplorável. Numa destas efemérides de Março/Abril centradas no livro, a Livraria Arquivo homenageou largamente a escritora de literatura juvenil Ana Pessoa, especialmente pela sua última obra Mary John, e convidou-a a vir a Leiria. Ora a jovem escritora mora e trabalha como tradutora em Bruxelas pelo que teve de pôr férias para cá vir e calhou ser hoje o dia da sua presença por cá.

A apresentação e entrevista estiveram a cargo de uma professora bibliotecária de um dos Agrupamentos de Escolas da cidade que se fez acompanhar de quatro alunos de uma turma do 9º ano, curiosamente três rapazes e apenas uma rapariga, que leram e exploraram o livro e prepararam uma excelente entrevista. Tudo bem, não vos parece?

Pois pasmem, meus amigos! Dos pais dos alunos, apenas os de um estiveram presentes. Para se deslocarem à livraria que está situada no centro da cidade, vivendo eles nos arredores, teve a professora bibliotecária de os ir buscar e levar. Dos professores dos alunos, apenas a professora da opção esteve presente; nem a Diretora de Turma, nem mais nenhum dos professores da turma. Da direção da escola, ninguém. Do Departamento de Línguas – ai as leituras, ai os livros, ai os alunos não leem! – ninguém! Das outras escolas todas, ainda menos. Não é verdadeiramente arrepiante?

Ah, porque era domingo! Porque estava um dia de verão! Porque havia a Feira de Maio! Ah, porque veio a TVI e transmitiu em direto! Ah! Que bons somos em desculpas!!

Por isso não vamos votar, por isso não intervimos, por isso embiocamos em nós próprios … porque estava a chover, porque havia o Sporting-Benfica, porque era dia de praia, porque os políticos são todos iguais, porque, porque, porque…

O filósofo José Gil, que sabe muito disto e não politicamente incorreto como eu, chama-nos «o país da não-inscrição» e acrescenta e bem que isso «é possível porque as consciências vivem no nevoeiro.» (O Medo de Existir, 2005,p. 18)

Na montra da Arquivo

26 comentários:

  1. Li com muito interesse o que escreveste, concordo em absoluto.
    Não sei se é preguiça, desinteresse, ou ainda pior: não é por nada...
    Muitas pessoas não se apercebem da quantidade de coisas boas estão à sua disposição e perdem oportunidades que podem não voltar a ter.
    Gosto muito deste ditado que repito sem me cansar:
    "Sorri enquanto tens dentes" :))
    bjs

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    1. Gosto desse ditado!!! Vou passar a utilizar também... :)))

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  2. Eu, incorretamente falando/escrevendo, não poderia estar mais de acordo, Graça! É lamentável. Quando fui a duas apresentações de livros de escritores portugueses de fama em Portugal (e não só) aqui em Toronto – Mia Couto e José Rodrigo dos Santos – os presentes eram os mesmos de sempre, aqueles que vão às exposições e às celebrações do Dia de Portugal no Consulado. Aqueles que eu via há muitos anos nos simpósios da Associação Democrática que creio já não existe. Mas estamos a falar de uma comunidade, relativamente pequena... Quando Donna Leon aqui veio a sala da Biblioteca na baixa de Toronto encheu – 400 pessoas. Claro que não podemos comparar.
    Os professores (a maioria) percebem do seu “ofício”, mas, de uma maneira geral não são detentores de grandes conhecimentos para além da sua área de trabalho (os que conheço). Recordo-me de referir-me ao Principezinho a um professor do quarto ano (Grade 4, como aqui chamamos). Ele nunca tinha ouvido falar no livro ou no autor. Este não é um caso isolado. Outros exemplos me levaram à mesma conclusão no decorrer dos anos.
    Os pais portugueses imigrantes – tb de uma maneira geral - reagem da mesma forma onde quer que vivam. Is it part of their DNA? : )) Não tenho a intenção de me distanciar deste grupo de pais!! Não tenho a mania... : ))

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    1. Claro que não, Catarina! Temos de aceitar as pessoas como são e, se possível, passar-lhes algumas ideias, alguns modos...

      Também não tenho a mania. Por quem me haveria de tomar?!

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  3. Ah, Graça, nunca li um texto tão 'politicamente correcto', como este teu! Constatar e denunciar esta indiferença quase colectiva sobre os acontecimentos culturais, mormente aqueles onde os próprios filhos participam, não é incorrecto, pelo contrário, é um direito e um dever que te assiste.
    A autora do livro veio de Bruxelas e os pais do menino interveniente, que vivem em Leiria foi preciso irem buscar a casa? Aberrante, simplesmente, aberrante e deveras lamentável!
    Não te cales, Graça, quem cala consente!! :))

    Beijinhos, boa semana.

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    1. Eu cá sou como a Manuel Alegre: «Cá a mim ninguém me cala!»

      Obrigada pelas tuas palavras, Janita.

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  4. Graça vais desculpar-me mas o domingo é o dia reservado a família. Os professores têm a semana toda para estar com alunos deixen o domingo para levar os filhos à praia, ao Sporting- Benfica ou somente estar em casa sem fazer nada. Deixem o domingo para descansar...
    Eu tb não iria.
    Kis :=}

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    1. Nem que fosse apenas por 50 minutos para apoiares os teus alunos?!

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  5. Somos assim. E quando vamos assistir a uma apresentação de poesia por exemplo, e as pessoas que assistem conversam e riem sem respeito por que está no palco e por quem quer ouvir?
    Um abraço

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    1. Ou então estão a ver o facebook e a mandar mensagens... uma tristeza!

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  6. Incorrecto? Nem pouco mais ou menos. A verdade é para se dizer.

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  7. Felizmente aqui em Macau, pelo menos nas escolas que as minhas filhas frequentaram (a Mariana ainda frequenta) é o oposto.
    Temo os contactos dos professores, somos constantemente contactados para tudo e mais alguma coisa, estão sempre disponíveis para nós.
    Pagamos muito mas vale a pena.
    Beijinhos, boa semana

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    1. Aqui, mesmo sem terem de pagar, os pais também são sempre bem recebidos e contactados para tudo. A minha mágoa é não darem mais para além do seu trabalhinho previsto...

      Boa semana!

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  8. Não tenho a mania que sou mais ou melhor que os outros, mas uma boa parte da gente do meu país, envergonha-me. Quando aparecem é para serem notados e para mastigar o croquete da ordem.

    E ainda sentia mais isso na cidade onde cresci, Caldas da Rainha, que nesta onde vivo, Almada...

    abraço Graça

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    1. Não tem comparação a "mentalidade" que já alcançaram os almadenses e os caldenses...

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  9. A tua introdução é, no mínimo, ''mazinha'', o que não tem nada a haver com política...
    Cada um tem o direito de celebrar os ''Dias'', de acordo com a sua sensibilidade - como é hábito fazeres no teu blogue - sem que isso implique qualquer resquício de hipocrisia, ou mereça qualquer tipo de ironia ou censura.
    Também é muito fácil criticares os professores no ativo, quando tu, depois de uma vida de diretoria, esqueceste a vida de docente assoberbada de trabalho de preparação, planificação e avaliação de aulas; além da vida privada que os professores não devem, absolutamente, descurar.
    Tenho amigas - mesmo a nível blogosférico - que se vão lamentando de sentirem a vida passar sem darem por isso, completamente devotadas à formação dos seus educandos.
    Por vezes, estão meses sem publicar...
    Tens bons sentimentos, mas há dias que acordas ''levada da breca''...
    Desculpa se fui ''politicamente incorreta''
    Beijo
    ~~~

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    1. Como estás enganada, Majo!! Fui presidente do conselho muitos anos mas fui sempre alternando com horários só de aulas. E mesmo quando era presidente, minha querida, escolhi, enquanto me deixaram, ter uma turma. Para mim é fácil criticar alguns/muitos professores até porque há e sempre houve muitos na família e porque, na escola, ao longo dos meus 40 anos de serviço, servi em todas as frentes e conheci centenas de colegas - bons e maus! Desculpa, mas sobre professores e escola deves ter pouco para me ensinar. (desculpe-se-me a "soberba")
      Quanto à minha introdução, volto a assumir a hipocrisia e o consumismo que se apoderam de muitos dos dias de. Agora se as pessoas querem celebrá-los - ou até eu própria - nada contra! Considero-me uma pessoa aberta e tolerante. E algumas/muitas vezes "mazinha" ou politicamente incorreta.

      Beijinhos (in)corretos...

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    2. Não pretendi ensinar-te nada Graça, mas sei bem a diferença que há em ter uma ou algumas turmas e um horário completo de turmas enormes, como as de agora...
      Ainda há pouco tempo lamentaste em ter que estudar para ensinar pormenores que foram alterados em sistematização e nomenclatura... Mais do que nunca as aulas exigem uma preparação muito cuidada, além de planificada.
      Beijinhos corretíssimos.

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  10. Quando fui professora em belas iniciativas e projetos senti isso mesmo ... ausência de pais e até de professores!!!
    De lamentar claro mas estiveram os interessados e isso é o que importa!!!bj

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  11. Politica ou não politicamente, é um texto correctíssimo, na minha opinião! Creio que já não há geração como a nossa: comprometida, curiosa, desejosa de aprender, humilde!
    Gostei muito de te ler, Graça

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    1. De facto MJ, os professores antigamente não tinham tantas obrigações burocráticas e mais tempo para o seu desenvolvimento social e cultural, o que era ótimo, porém os factos citados referem-se à atualidade...

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    2. Obrigada, Justine. Sei que há muita gente que compreendeu o que escrevi.

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  12. E lembrou-se de avisar?
    Podia tê-lo feito
    Anunciar o que vai acontecer
    dá noticia
    e dinamiza

    Quando vou, digo que vou
    E muita gente vai (ou manda abraço)

    Para a próxima, faça como eu faço

    Boa?

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