Dois dias depois de sair da
escola – e já lá vão quatro anos e meio – abri este espaço e, imbuída ainda do muito
trabalho da direção, da luta pelo bem-estar da população que ali dentro se
movia e da ligação afectiva que me ligava àquela instituição que se criou ao
longo dos trinta e seis anos que lá labutei, transportei para aqui muita da
preocupação que diariamente me envolvia enquanto ainda trabalhava.
As amigas que por aqui passavam iam
dizendo que eu ainda não me tinha desligado da escola e, de facto, não tinha,
por muitas e variadas razões que não vêm agora ao caso. A questão é que passado
todo este tempo, continuo a sentir aqui dentro e de quando em vez, muitas das
ansiedades, dos desejos, dos receios daqueles tempos.
Os últimos dias de Agosto e os
primeiros de Setembro trazem-me sempre à memória e ao coração as emoções por
vezes contraditórias do regresso à escola para a abertura do novo ano lectivo:
o torvelinho da reunião geral, do reencontro com os colegas, das brincadeiras,
da feira de vaidades, da chegada e receção aos colegas novos; as fúrias e o
ranger de dentes da entrega dos horários; as catadupas de pais que reclamavam
por isto e por mais aquilo; os cuidados a ter com os novos alunos e com os alunos
deficientes; a escolha dos técnicos de apoio – um sem número de novidades que
anualmente se repetiam…
Aí por finais de Agosto começava
eu a sonhar que não encontrava a sala de aulas onde os alunos me esperavam; ou
que tinha de ir dar aulas de Físico-Química (de que nunca percebi nada); ou que
chegava à aula e a única palavra que conseguia dizer em inglês era «yes». Já
não tenho esses sonhos, mas ainda me toca a quase vontade de ter a reunião geral
de abertura do ano…
Quid pro quo… essa espécie de encantamento só pode estar, porém, a
esbater-se de ano para ano da órbita de atuação dos colegas no ativo:
- horários com 26 horas de componente lectiva (até no tempo de Salazar eram de 22 horas) para encolher o número de professores por escola…professores com oito e nove turmas (com 28 alunos, ou mais) que dificilmente chegarão a conhecer as reais necessidades de cada um dos alunos e muito menos conseguirão aplicar a tão apregoada diferenciação pedagógica…
- grelhas e mais grelhas de avaliação dos alunos, dos colegas, da instituição para preencher para depois «fazer bonitinhos» para a bendita Inspeção Geral atribuir «Muito Bom» à escola de modo a que esta possa contratar mais um professor…
- unidades de ensino especializado para alunos deficientes sem professores de apoio e muito menos com técnicos especializados…
- auxiliares de ação educativa em número insuficiente e largamente substituídos por «tarefeiros» contratados para quatro horas por dia e pagos a menos de três euros a hora…
- direções mais passistas que o Passos e mais cratinas que o (C)rato…
Palpita-me que por altura do
Natal, os profissionais de educação estarão tão exaustos como em tempos nos
sentíamos em finais de Maio!
Duas ou três ilações:
- O “governo” poupará umas boas massas para tapar os buracos criados pelos BPN(s) e quejandos e contratar mais uns assessores muito bem pagos;
- O público em geral ficará contente porque finalmente houve quem pusesse os professores – esses grandes preguiçosos que tinham três meses de férias – a trabalhar a sério;
- E o Mário Fenprof continuará a não querer repetir aquelas imensas manifestações de professores descontentes com as medidas inumanas da ministra de há cinco anos atrás.
: ))))
ResponderEliminarProfessores esses grandes preguiçosos que ganham salários fabulosos sem muito trabalho... e como todas essas férias! O público em geral não é muito diferente, afinal, de país para país...
~ ~ Lamento muito o que se está a passar no ensino.
ResponderEliminar~ Sempre que me encontro com colegas ainda no ativo, são profissionais amargurados,
desmotivados que contam pelos dedos os anos que faltam para a reforma antecipada.
~ A grande "rentrée" escolar perdeu o brilho, a jovialidade e o entusiasmo de outrora.
~ - - Abraço. ~ ~ ~
Curioso como o professor, na cultura oriental é tão mais respeitado que no Ocidente, Graça.
ResponderEliminarRespeito que devia sempre merecer.
Enfim...
Beijinhos e votos de bfds
Bom dia Graça
ResponderEliminarAs nossas características profissionais estarão sempre no nosso subconsciente.
Não é crime nem defeito.
Foi um jeito que apanhamos e desenvolvemos e que não vamos nunca esquecer nem aqueles que conviveram connosco.
Nunca deixará de ser a Prof.Graça...
Obrigada, Amigo Luís, pela sua compreensão...
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ResponderEliminarO que acontece é que a perseguição a estes profissionais "privilegiados" começou, de facto, antes deste governo, quando os professores ainda podiam protestar, fazer greve, ir à capital gastar algum... Hoje os professores estão vencidos pela exaustão, pelo desânimo, pelos cortes dos salários, pelo parco rendimento mensal que, quantas vezes, não paga a despesa com deslocações e alojamento.
De mal a pior, tem ido a vida dos professores, neste país dos tristes. E não se julgue que isto não tem impacto ao nível do desempenho dos professores, profissionais humilhados e desrespeitados, a quem cabe a "simples" tarefa de formar os cidadãos do futuro.
Hão de querê-los e não os hão de ter. Irão buscá-los a Cuba, talvez...
Bom fim-de-semana
Lídia
Claro que tem e vai ter ainda mais impacto no seu desempenho! Quem o vai "pagar" são os alunos, coitados...
ResponderEliminarMuito deplorável, Lídia!
Beijinhos
ResponderEliminarQuem pagará será sempre o país, pois nos alunos, crianças e jovens de hoje, reside a esperança do amanhã.
Um beijo
~
ResponderEliminar~ ~ Poucos ousaram intervir...
~ ~ Poucos entendem o desgaste despendido a controlar uma turma dando uma aula falando alto.
~ ~ Ninguém consegue imaginar o esforço inteletual exigido a um professor desde a planificação ao encerramento da avaliação, a par da sua formação contínua.
~ ~ Bem diz a Lídia Borges. A continuar assim, chegará o dia em que no nosso país, haverá saudades dos professores portugueses.
A educação é um daqueles problemas... os professores são-no por necessidade e não necessariamente por vocação, e as normas absurdas que há muito descredibilizam os professores tornando-os psicólogos, pais, confidentes e vítimas, sem poderem usar um correcto exercício de (aqui sim, educação) quando necessário, sem falar nos problemas inerentes à carreira, classificações inter pares etc etc etc, devem, de facto, fazê-la pensar que se desligará mais do que supunha, com tanta injustiça num papel que se quereria exemplar...
ResponderEliminar~
ResponderEliminar~ Que espécie de falta de vocação, Lobinho?
~ No trabalho docente ou burocrático?
~ Normalmente, estas vocações não são compatíveis num indivíduo,
mas ambas são exigidas aos professores.
~ Não há regra sem exceção, mas é muito pouco provável que alguém
faça carreira no ensino, sem gostar seriamente do desempenho docente.
~ ~ ~ Grata pela simpatia. ~ ~ ~
Eu, que disto nada sei, atrevo-me a perguntar se o problema das escolas e dos professores não estará na mercatilização do ensino.
ResponderEliminarPercebo perfeitamente a Graça. Depois de um vida inteira de preocupações, ansiedades, pesadelos, mas também alegrias.