Fui ouvi-lo ontem ao fim da tarde
à Biblioteca Municipal aonde se deslocou para fazer a apresentação do seu
último livro «Viagem pela Literatura
Europeia» que decorre de uma série de palestras que El Corte Inglês o
convidou a fazer no passado inverno. (Já vai fazer a terceira série de palestras…)
Essa viagem é feita a partir de
dez (porque, explicou, tudo para ele tem a ver com o número dez) obras de
referência da literatura europeia e por si escolhidas. A primeira jornada e a da
Odisseia, aurora da civilização e a
última é a do Livro do Desassossego,
o grande poema de Lisboa, no seu entender, passando pelo D. Quixote, o Werther de
Goethe, as Ligações Perigosas de
Laclos, século XVIII, Ilusões Perdidas
de Balzac, Guerra e Paz,
naturalmente, A Ilha do Tesouro, Em busca do tempo perdido, Proust,
claro, e A Montanha Mágica, a
maravilha de Thomas Mann.
A escolha recaiu sobre estas
narrativas – Mega Ferreira escolheu a narrativa, deixando de fora a poesia e o
teatro – mas poderia ter recaído sobre outras. Lamentou não ter incluído A
Divina Comédia, mas não teve condições para a reler atentamente e estudar
profundamente para isso, como lamentou não ter incluído Shakespeare – The Tempest – mas, disse, para estudar
Shakespeare precisa-se de anos de estudo…
Conhecia, como conhecemos muitos
de nós, o seu mirabolante percurso de vida com todas as coisas que foi e que já
fez. Conhecia alguns dos seus livros de ensaios, romances, antologias, estudo
sobre Pessoa, o seu gosto pelo erotismo na literatura, etc. mas nunca o tinha
ouvido ao vivo. Um espanto!
De facto, o meu conhecimento de
Mega Ferreira remonta ao nosso tempo de Faculdade. Posso dizer, como aliás lhe
disse ontem, que éramos companheiros de comboio. Apanhávamos o comboio das 7.04 para Lisboa para podermos estar na Faculdade, eu em Letras e ele em Direito, a tempo das aulas das nove. Eu apanhava o comboio em Sintra e sentava-me sempre no compartimento
do fundo para poder ler e estudar sossegada e ele entrava no Algueirão e
sentava-se na minha frente, sempre muito sério, muito contido – como éramos
quase todos naquele tempo dos idos de 60 – e lia e estudava também. Nunca
trocámos uma palavra, mas eu conhecia alguns segredos do seu coração… Foi
também mais por isso que eu teimei em ir vê-lo ontem.
Mas o homem – como eu, aliás, com
as devidas distâncias, naturalmente – nada tem a ver com o que era nesses tempos de
juventude. Falou todo o tempo com uma jovialidade, um à vontade e um
conhecimento das coisas da literatura que foi de uma pessoa sair de queixo
caído! É uma daquelas pessoas que parece que leu os livros todos e conhece
alguns de que quase ninguém ouviu falar – passe o exagero… e depois com uma
facilidade comunicativa extraordinária da forma mais simples que é a grande
qualidade dos grandes sabedores.
Das muitas coisas que disse e que
gostei de ouvir, vou deixar aqui apenas algumas frases soltas:
«Sou um humanista: gosto da
Natureza descrita pelo poeta [e aqui, naturalmente, referiu Alberto Caeiro]
pelo romancista, pelo pintor, pelo músico…»
«Desejo e prazer é a minha
relação com a leitura.»
«A leitura literária é uma
leitura de fôlego e não de corrida.»
«Não vale a pena obrigar os
miúdos a ler – isso pode ter o efeito contrário. Se eles tiverem de gostar de
ler, a seu tempo isso acontecerá. Ler, como muitas outras coisas na vida, é uma
inclinação. Não vale a pena forçar.»
«Fiz o liceu no Pedro Nunes, um
liceu de referência. Quando entrei, em 1959, havia em Portugal 14 mil alunos
inscritos nos liceus. Em 40 anos conseguimos chegar aos 170 mil! Claro que o
nível teve de baixar. Mas se me perguntarem se eu prefiro o tempo em que andei
no liceu ou o actual, claro que prefiro o actual!»
E muitas, muitas outras coisas
deliciosas que pode ser que transcreva para aqui noutra oportunidade….
Gracinhamiga
ResponderEliminarO António foi meu camarada (de trabalho) no "Jornal Novo"; ficámos amigos, o que não é difícil com ele e com...eu.
Uma vez a Raquel e eu fomos jantar em sua casa onde estava a Io Apoloni. Foi um anfitrião magnífico. Falámos de muitas coisas e pessoas, a começar, naturalmente pelo Artur Portela que tinha sido o nosso director.
Ouvi-lo, em tom ameno e descontraído é um privilégio. Muitos parabéns por lá teres estado.
Qjs
Quando vi há umas semanas o anúncio desta apresentação disse para comigo: não falho!
ResponderEliminarFalhei, não anotei e esqueci-me por completo.
Uma boa semana, Graça.
Há homens assim...
ResponderEliminarUm Senhor, Graça.
ResponderEliminarE está tudo dito.
Beijinhos e votos de boa semana
é um sabedor o Mega, pelo que leu e pelo que viveu.
ResponderEliminare claro um óptimo comunicador.
abraço Graça
Foi uma óptima iniciativa muito bem aproveitada e descrita por ti!
ResponderEliminarVá lá, não te queixes de Leiria! :)
Livros de referência...li alguns deles!
Abraço
Fez uma boa descrição do que viu e ouviu.Só lhe digo , quanto adorava ter como amigos pessoas com a cultura de Mega Ferreira...
ResponderEliminarM.A.A.
Um grande Senhor.
ResponderEliminarQue bom teres estado presente.
Li "A Expressão dos Afetos"
Beijinho e uma flor
Seria bom se também se realizassem essas palestras no El Corte Inglês de Vila Nova de Gaia.
ResponderEliminarUma sessão enriquecedora. Sem dúvida.
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