sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sexta-feira Santa

Sexta-feira Santa, dia de não comer carne. E assim foi hoje, uma vez mais: nada de carne! Um hábito, uma tradição que herdámos de outros tempos, que já disse aqui que pouco ou nada tenho a ver com as regras e dogmas da Igreja. Deve ser o único sinal que resta – e não para todos – daquilo que era a Sexta-feira Santa no tempo da minha juventude. Era o dia mais cinzento, mais bisonho, mais enfadonho do ano. E tudo decorrente de uma forma de infundir a superstição, o medo, o terror por parte de um regime clerical e ditatorial a que tínhamos todos de curvar a cerviz.

Toda a gente se vestia de luto carregado: os homens punham gravata preta e até um fumo preto na manga e até as crianças se vestiam de escuro. Todo o comércio estava fechado, os cinemas encerravam, as estações de rádio transmitiam música de câmara todo o dia e, quanto à RTP, o único canal de televisão, só neste dia do ano é que não tinha programação. Um exagero, um verdadeiro fundamentalismo. E, por ironia ou sei lá por que força física ou metafísica, normalmente chovia todo o dia.

O dia em que fiz 18 anos coincidiu com uma Sexta-feira Santa e, como o meu pai nessa altura trabalhava em Sevilha, levou-nos, à minha mãe e a mim, a passar lá uns dias. Sabe quem já assistiu que a Semana Santa em Sevilha é dose e, por isso, o meu pai que não era homem de se meter em apertos, resolveu que iríamos passar o dia dos meus anos que, como já disse, calhou na sexta-feira santa, a Ayamonte, atravessando o Guadiana para o lado português, o que para mim foi uma grande novidade porque nunca antes tinha posto os pés no Algarve.

Tudo bem! O problema é que a minha mãe, ao contrário do meu pai, dava tudo para se meter no meio da multidão e queria muito assistir às procissões. De modo que, regressados a Sevilha e deixado o meu pai descansadinho no apartamento, lá fui atrás da minha mãe meter-me no meio das procissões. Nem quero que me lembrem o de gente nas ruas, a confusão, o movimento, o luxo dos trajes e dos penteados das sevilhanas, o brilho e até uma certa alegria que desconhecia das sextas-feiras santas do nosso país. Agora o que mais me assustou – sério, assustou-me mesmo! – foram as confrarias dos nazarenos (a que sempre chamei de “bicudos”) com as caras e as cabeças tapadas por aqueles carapuços altos e bicudos do tipo Klu-Klux-Klan que se amontoavam na Catedral  para saírem pelas ruas atrás dos andores. Horrível!

(Mas o caricato foi ver alguns deles, certamente atacados pelo calor e pelo cansaço, sentados nos bancos da entrada da igreja, com a cabeça descoberta, o carapuço posto de lado e a fumarem um cigarro…)









(imagens retiradas da net)

16 comentários:

  1. Em Sevilha nunca assisti a procissões da Semana Santa.

    E por cá, nesta Páscoa, estou pouco cumpridora das tradições. Mas também não comi carne.

    Boa Páscoa!

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  2. Não me lembro dos sinais de luto na roupa mas lembro-me que só se ouvia música sacra e os santos nos altares estavam tapados com cortinas roxas...
    Nunca estive em Sevilha por esta ocasião mas sei como nuestros hermanos são excessivos em tudo! :)

    Abraço

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  3. Para dispensa de abstinências havia o sacrificado comércio das bulas.

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  4. Memórias? Lembranças?

    Claro que em criança o que conta são as férias, a festa em família o ver primos e primas, avós e tios, e correr no campo. Isso, a minha família sempre foi o maior refugio contra o obscurantismo... mas Cristo sempre foi uma referência de grande respeito... mais que o prazer das amêndoas, que até nem me lembro delas

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  5. Tb não comi carne e fui ver hoje uma representação teatral de duas horas numa igreja. E gostei tal como no ano passado e no ano anterior e no outro… : )

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  6. Memórias vivas e reais.
    O nosso tempo foi assim, mas o dos meus pais ainda foi pior.
    A Igreja teve e tem os seus pecados e depois como o actual governo obrigava os fregueses à penitência.

    Graça peço a Deus que me conserve a Fé n'Ele e que me ensine a viver cumprindo o Seu grande mandamento.
    -Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.

    Boa Páscoa.

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  7. Desde que tomei conhecimento da tal "bula", que permitia a quem pagasse poder comer carne, nunca mais comi outra coisa na sexta-feira santa. E olha que não pago... Beijoca!

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  8. Belas lembranças dum passado longínquo. De salientar a alegria dos espanhóis, ao contrário dos portugueses, naquela sexta-feira santa!
    Boa Páscoa, também para sua Família.

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  9. Suas recordações mostram certas penúrias... Enfim, hoje vivemos outros tempos, felizmente...
    Abraços de uma Santa e Feliz Páscoa para você e Família!
    Célia.

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  10. Quando ouço testemunhos de como eram os tempos "de antes", surge-me um pensamento: meus pais eram "destemidos" ou muito "à frente"?
    Feliz Páscoa!

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  11. Amiga venho desejar-lhe uma Feliz
    e Santa Páscoa.Eu também não como
    carne na Sexta-Feira Santa.
    Hoje muito mudou, lembro-me bem
    como era em casa dos meus pais.
    Bj.
    Irene Alves

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  12. O Agostinho e o Rafeiro Perfumado falaram em bulas? Não quereriam dizer bu(r)las?!...

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  13. Uma Feliz Páscoa Graça para ti e para os teus !

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  14. Hoje venho desejar uma:

    P░Á░S░C░O░A ...•°✿...✿º°。... F░E░L░I░Z

    Beijinhos

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  15. Muito obrigada a todos os meus simpáticos amigos!

    Beijinhos doces.

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