«… podes achar idiota mas preciso de qualquer coisa que me ajude a
existir.» (Todos precisamos, não é? E muito!)
É assim que termina «Memória de Elefante», o primeiro
romance do escritor António Lobo Antunes, publicado em 1979 e que acabei de ler
há dias. Mas não foi o primeiro nem o segundo romance que li do autor. Sei que
não é um autor querido do grande público, mas eu gosto de o ler. Se calhar
comecei a lê-lo por ser psiquiatra. Os psiquiatras sempre exerceram um certo
fascínio sobre mim. Mas isso é outra história…
«Memória de Elefante» atraiu-me pelo título (sempre tive muito boa memória) e pelo que ouvi da boca
do autor numa entrevista a que assisti aquando do lançamento de «Não é meia-noite quem quer». Também queria
ver se a prosa, a linguagem utilizada, a sintaxe, a temática eram já tão densas
e complexas como em romance mais recentes.
Lobo Antunes disse que «Não é meia-noite quem quer» é o mais
autobiográfico dos seus romances. Mais ou menos autobiográficos são todos os
romances que dele li, mas parece-me que «Memória
de Elefante» é muito, muito ligado ao afastamento do autor da mulher e das
filhas., da sua saída de casa.
A história quase não existe
porque tudo se passa num dia e numa noite da vida deste psiquiatra atormentado
com a solidão que lhe advém do seu trabalho no hospital psiquiátrico e da
ausência da família chegada: a mulher, que continua a amar com um amor de
paixão e as filhas, que chega a espiar à saída do colégio.
Uma prosa pesada, carregada de
referências de grande erudição, memórias de infância, dores de crescimento numa
família grande e pertencente à burguesia lisboeta em que a figura do pai é por
de mais marcante, cicatrizes profundas deixadas pela Guerra Colonial. E sempre
a angústia do narrador que é personagem principal e se confunde com o autor.
Aliás o que mais surpreende e
encanta (e dificulta) na leitura de Lobo Antunes é a constante desconstrução da
narrativa; a confusão nas categorias do romance: o tempo cronológico e psicológico,
os espaços, o tratamento das personagens que muitas vezes se confundem e o
narrador que constantemente passa de “ele” para “eu”. Neste seu primeiro
romance essa desconstrução não é ainda tão profunda ao nível das personagens já
que toda a (pouca) acção se centra no narrador. Por outro lado, a sintaxe ainda
é mais ou menos “regular” porque ainda não há frases nem palavras deixadas a
meio…
Mas é uma narrativa violenta, com
uma linguagem violenta, cheio episódios muito fortes e pesados como são as cenas
passadas no hospital psiquiátrico em condições quase sub-humanas – é preciso
ver que o país tinha saído há pouco da ditadura, tempo em que os direitos
básicos da população não eram tidos nem achados. De igual modo violento quando
se descrevem os sentimentos do narrador-autor-psiquiatra. Violento e dramático
na descrição da prostituta com que o narrador se envolve para, de alguma forma,
sanar a sua solidão, a sua angústia.
E, alternando, a beleza, a ternura
do capítulo que trata do momento em que o psiquiatra, roído de saudades das
filhas, se esconde numa pastelaria de bairro à espera que elas saiam do colégio
para as ver de longe. «Torcido de cólicas
de amor o médico tinha a impressão de haver feito a favor delas um seguro de
sonho…»
Se gostarem do género, leiam…
Nunca li nada do autor, mas a ideia que tenho é que "denso" demais para o meu gosto. Aliás,o meu marido leu em tempos "Exortação aos crocodilos" (acho que era este o título algo bizarro) e no fim não me soube explicar sobre o que o livro tratava. O que só por si foi elucidativo... :)
ResponderEliminarMas li algumas crónicas dele de que gostei bastante!
Beijocas
Excelente indicação. Vai para minha lista de futuras leituras. Obrigada!
ResponderEliminarAbraço.
Já li Graça e tenho outro dele para ler, "Vida em mim"
ResponderEliminarBoa semana minha querida
Beijinho e uma flor
ResponderEliminarhttp://conversavinagrada.blogspot.pt/2014/01/antonio-o-cordeiro-e-um-lobo-chamado.html
ALA não é de se dependurar nas paredes da sala. Dá trabalho mas eu gosto muito. Por isso mesmo.
ResponderEliminarO primeiro livro que li dele foi “Os Cus de Judas” a pedido de um amigo que insistiu ser um dos melhores livros dele.
ResponderEliminarGosto de metáforas. Detestei as que o autor usou.
Tentei ler outro, cujo título não me recordo. Não o acabei.
A segunda vez que hoje leio referências a memória de elefante.
ResponderEliminara primeira foi no blogue do Carlos Barbosa Oliveira.
Lobo Antunes é que não entra comigo.
Não consigo gostar.
Beijinhos e votos de boa semana!
~
ResponderEliminar~ Lamentamos que a memória de elefante não tenha produzido livros mais coerentes, por exemplo, no que concerne à definição do eu autor, do eu narrador.
~ A guerra colonial traumatizou todos que nela participaram e produziu conflitos conjugais, muitos doentes de foro psicológico e distúrbios mentais.
~ Memória de elefante não convém a um psiquiatra. Eu conheci um, completamente "passadinho dos carretos", inofensivo, mas irremediavelmente alienado. ~
Tenho momentos,
ResponderEliminargosto de tentar acompanhar o ALA, leio e leio, já consegui perceber o seu estilo de escrever, de enquadrar as suas ideias, muitas lucubrações, muitas vezes me chateio com o autor, levanto-me e vou espairecer por uns tempos, depois volto, leio e leio, tenho-me deixado influenciar pela forma como escreve, fico com muitas reticências... que acabo por as usar, também, no que escrevo...
Acabo por me irritar comigo mesmo porque não sou capaz de screver sem reticências e exclamações/interrogações, fica-se assim (eu fico) sempre que insisto em ler o António Lobo Antunes.
Uma coisa é certa: é o autor de que tenho mais livros; quase todos...
!!!
Gostei muito deste seu texto , Graça.
O dia está a apelar para que eu vá para a rua, para o campo, para a Serra, capturar momentos!...
;)
Gosto tanto das suas crónicas e ainda não consegui entrar a sério nos seus romances!
ResponderEliminarTenho mesmo que voltar a insistir!
Agradeço a dica!
Abraço
Já li há muitos anos este livro. Por certo devia relê-lo. Gostei do que escreveu sobre o autor, que aprecio bastante...
ResponderEliminarUm beijo, amiga.
Gracinhamiga
ResponderEliminarPreparava-me para enviar daqui de Colvá a minha opinião sobre a Memória de Elefante que trouxe aqui para Goa e a fim de o reler com alguma atenção.
Mas, debaixo dos pés se levantam os trabalhos: a nossa Rosinhamiga tirou-me tudo o que me apetecia dizer. É assim mesmo, Ventania!, é assim mesmo.
Fomos colegas de carteira no Camões; já então ele tinha mau feitio... Não gosto, realmente, muito dele. Ou melhor, nem muito, nem pouco.
Qjs
Lobo Antunes não é um escritor para toda a gente, mas um grande escritor Português. Bem merecia, num futuro próximo, ser um candidato ao Prémio Nobel.
ResponderEliminarConcordo, caro/a Anónimo/a!!
ResponderEliminar~
ResponderEliminar~ Este anónimo segue este blogue.
~ Não é preciso ser um sobredotado, como dá a entender que é, para perceber que não tem hombridade para se identificar, porque não integra o perfil político deste blogue.
~ Até pode ser alguém bem nosso conhecido, mas, para mim, os seus comentários merecem-me toda a (des)consideração que dedico a todos os incógnitos. ~
Opiniões, Majo! Para mim, desde que não mostrem falta de civilidade, aceito todas as opiniões sejam assinadas ou não. Não se sabe o que pode estar por de trás dessa vontade de anonimato. Temos de lutar contra a nossa constante vontade de fazer juízos de valor.
ResponderEliminarBeijo.
Fui, durante muitos anos, fã incondicional de Lobo Antunes. Logo que saía um livro dele, ia a correr comprá-lo. "Os cus de Judas e Memória de Elefante foram os primeiros que li. Ou melhor... devorei!
ResponderEliminarA partir de determinada altura, os seus livros começaram a ser demasiado herméticos, um bocadoneuróticos até e deixei de ler. Continuo fiel à suas crónicas quinzenais na Visão. Imperdíveis!
Já agora, a propósito de "Memória de Elefante", permita-me que lhe sugira esta leitura:
http://cronicasontherocks.blogspot.pt/2014/04/memoria-de-elefante.html
Obrigada, Carlos.
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