segunda-feira, 16 de março de 2015

A «Intentona das Caldas»

16 de Março de 1974

«Já tinha acabado tudo. Sabia-se que a coluna fizera meia volta e regressara às Caldas a poucos quilómetros da chegada a Lisboa.

- Mas que raio de barracada foi esta? – interpelava [Ruben Rodrigues].

Expliquei-lhe o que podia no momento. A perplexidade persistia.

- Mas como pôde a malta alinhar nisso? Tava-se mesmo a ver que dava raia!» (…)

«São dez horas quando a coluna motorizada, regressada às Caldas, entra os portões do RI 5, que logo se fecham. Com o comandante, o 2º comandante e os três majores da unidade neutralizados, Monge e Casanova tomam conta da situação, assumindo até final, com extraordinária dignidade, pesadas responsabilidades.

Cerca das onze horas, o brigadeiro Pedro Serrano, 2º comandante da Região Militar de Tomar, ordena o corte da luz, da água e dos telefones à unidade. Pelas doze horas, forças do RI 7 e do RAL 4, de Leiria, do RI 15 de Tomar, da EPC de Santarém (em Chaimites) e da brigada móvel da PSP (então estacionada na Marinha Grande para repressão de uma greve de operários da indústria vidreira) sitiam o quartel. Monge e Casanova ordenam que não se faça um único disparo. Aquela é uma guerra de ideias e não de armas, que irmãos não lutem contra irmãos. Perto das catorze horas, com o quartel cercado, Pedro Serrano, em pé dentro do jipe, ordena à porta das armas da unidade rendição, concedendo para tal um prazo de quinze minutos. Monge e Casanova respondem que só entregam o RI 5 e o portão a Costa Gomes e Spínola. Mas é uma bravata final. Reconhecem que não há qualquer hipótese. Reunindo os oficiais da unidade decidem-se pela rendição. Sabem que a intentona e a sua missão de sacrifício não serão vãs. À opinião pública nacional e internacional chegará uma vez mais a informação de que em Portugal o Exército se agita e que os jovens oficiais causticados pela guerra colonial não partilham da fidelidade canina dos generais jarretas e corruptos ao Governo.»


(A coluna das Caldas - foto daqui)


À noite, no telejornal foi lida uma nota do Governo:

(…) «O Governo tinha conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.

Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas, foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR.

Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por unidades da Região Militar de Tomar.

Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo.

Reina a ordem em todo o País.» (in «Alvorada em Abril» O. S. Carvalho, 1977)





(Não sabiam que esta ordem reinaria em todo o País apenas por mais quarenta dias.)


22 comentários:

  1. Regressara a Portugal poucos dias antes e desde esse dia fiquei com a sensação de que ou não iria cumprir o serviço militar ou, pelo menos, que não iria dar com os costados para África. Entrei para Mafra no dia 22 de Abril, mas não fui para África.

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    1. Uma tentativa frustrada de revolta, mas que acabou por dar frutos - que já apodreceram - mais tarde!

      E agora?

      Somos livres de ditaduras políticas e prisioneiros da tirania económica!

      Precisávamos que aparecesse um General sem medo - do trabalho - com sabedoria de liderança!

      Beijinho

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    2. É verdade, Janita!!! Mas não se vislumbra ninguém, infelizmente.
      A propósito: acabei de ler as «Memórias de Humberto Delgado» - gostei bastante. O homem era um "doido" mas destemido a sério - por isso teve aquele final infeliz e injusto.
      Beijinho.

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  3. Acredita que só tive conhecimento desta intentona bem depois do 25 de Abril?
    Certo que se murmurava alguma coisa sobre o assunto nos meios militares, em Luanda, mas nada de concreto e os civis nunca tomaram conhecimento. O próprio 25 de Abril só foi dado a conhecer oficialmente quase uma semana depois.
    Um abraço e uma boa semana

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    1. Não havia telemóveis nem internet, Elvira..... E, além disso, havia uma cultura de não informação dos acontecimentos - quantos menos o povo soubesse, melhor!

      Beijinho

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  4. Relembrar a História.
    Uma tarefa que muito boa gente vai fazendo por esquecer ou branquear
    Beijinhos

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. ~ A bravura de quem estava consciente da exposição e seus terríveis efeitos.
    ~ O julgamento executado por um Tribunal Militar por «crime de lesa-pátria», neste caso, «alta-traição», não só colocá-los-ia no lixo, como os marcaria com um estigma degradante para toda a vida. Por isto, tanto demorou a revolução!

    ~ ~ ~ ~ Uns heróis que bem merecem ser homenageados. ~ ~ ~ ~
    ~~Bjs~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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    1. Mas são-no muito pouco, Majo! Em termos gerais, os portugueses continuam a obedecer aos seus arquétipos fascizantes e clericais...

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  7. Lembro-me muito bem e como " cheirava " a qualquer " coisa " que andava no ar... Bons tempos.
    Agora , cheira a mofo ,carteiras conspurcadas , aldrabões , sofreguidão por um lugar ao sol , nada.
    M.A.A.

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  8. Que bem me lembro desse dia, Graça !!! :(( ... Um dia que chegou a fazer perder a esperança a muitos, mas que acabou por "virar o feitiço contra o feiticeiro" ! ...
    despertou alguns espíritos mais confiantes e fez "adormecer" um poder convencido do seu domínio absoluto !

    Infelizmente, passados uns poucos anos o ódio e a sede de vingança transtornou alguns desses militares, o que poderia fazer cair por terra os verdadeiros ideais da Revolução. :(( ... "Nem tudo eram rosas" !

    Infelizmente ainda, bastante mais tarde, não soubemos assumir um verdadeiro espírito democrata provocado pela falta de bons e honestos políticos.

    Neste momento só vejo uma saída : Um General Eanes, num regime que eu gosto de apelidar (a brincar) de "Ditadura Democrática" (rsrsrs) Presidencialista ! :))))) ... a Democracia, tal como a temos vivido, "não me cheira" ! :(((

    Beijinho Graça ! :)))

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    1. Nos, humanos, estamos longe de sermos perfeitos, Rui....

      Beijinho.

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  9. ~ Rui Santo, Amigo querido.

    ~ O tema do debate é «A Intentona das Caldas»...

    ~ ~ ~ Beijinhos. ~ ~ ~
    ~~~~~~~~~~

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    1. Tens razão, Amiga ! :))) ... Faz de conta que só escrevi 4 linhas ! rsrs

      Beijinhos

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    2. Tudo bem.... Este espaço é livre...

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  10. Amiga Graça, obrigada por nos relembrares este momento histórico.

    beijinho

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  11. Da intentona nada soube, andava de mochila às costas a fazer desporto radical. Da Revolução sim; o capitão reuniu os graduados da Companhia para lhes comunicar que, na metrópole, tinha havido "uma" revolução. Data e local do briefing: cerca das 14,00 h, do dia 25 de Abril, em Mussenga, Em Angola que se dizia ser nossa.

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