domingo, 3 de abril de 2016

Constituição da República - 40 anos

A nossa ainda jovem democracia - ultimamente tão mal tratada - permitiu  (sabe Deus a que custo) que se elaborasse, com o contributo de representantes democraticamente eleitos, uma carta de princípios que servisse de base a toda à vida deste velho/jovem país depois da queda do regime ditatorial: a Constituição da República, aprovada no dia 2 de Abril de 1976. Fez ontem 40 anos.


A nossa gratidão aos constituintes!


De entre os textos de homenagem que o Jornal de Letras publicou - e porque não posso copiar todos - escolho o texto do poeta Manuel Alegre que passo a transcrever.



Constituinte e revolução

«Havia diferentes opções sobre a via a seguir, conflitos políticos e ideológicos, manifestações e contra manifestações, confrontos entre partidos e entre militares. Apesar disso, os constituintes iam fazendo o seu trabalho, constitucionalizando as principais transformações políticas e sociais que todos os dias estavam a ocorrer.

Havia uma espécie de interação entre o que acontecia no país e os artigos que iam sendo redigidos na Assembleia Constituinte. Legalidade revolucionária na rua, legalidade democrática na Assembleia, integrando as mudanças operadas pela revolução. Houve uma quase milagrosa capacidade de transformar o confronto em diálogo e um inesperado consenso em torno dos valores que foram sendo consagrados na Constituição. Não só as liberdades e os direitos políticos fundamentais. Mas também os direitos sociais inseparáveis dos direitos políticos. A democracia política, económica e social. A rejeição do colonialismo e a consagração dos direitos dos povos à autodeterminação e à independência, o que, naquelas circunstâncias, teve um significado da maior relevância, já que plasmou na Lei Fundamental o fim da guerra e o reconhecimento dos novos países africanos de língua oficial portuguesa. Foi uma revolução na revolução. A da rua passou. Ficou a revolução democrática feita pelos constituintes.

Tive o privilégio de ser o redator principal do Preâmbulo. Participei na elaboração de outros artigos, nomeadamente no primeiro, suponho que conjuntamente com Vital Moreira e José Luís Nunes, se a memória não me falha. Recordo um episódio injustamente esquecido. Como apareceu o nome de Assembleia da República? Houve diversas sugestões de deputados de todas as bancadas, algumas um tanto estapafúrdias. Estava difícil chegar-se a uma conclusão. De repente, Mota Pinto levantou-se e disse: “Assembleia da República”. A sala ouviu e ficou uns segundos em silêncio, para logo a seguir se levantar e aplaudir. Acho que nem foi preciso votar, foi por aclamação. Assembleia da República. Assim ficou a chamar-se o Parlamento, cujo padrinho foi Carlos Mota Pinto.

Há uma tendência para simplificar e para dizer que o pai da Constituição foi este ou aquele. Foram todos. Mesmo Adelino Amaro da Costa que votou contra. Ou Carlos Brito, que foi dos primeiros a compreender a urgência de constitucionalizar as transformações resultantes do 25 de Abril sob pena de estas se esfumarem. Sem esquecer o combate de Mário Soares e Salgado Zenha pela realização das eleições para a Assembleia Constituinte.

Construindo o Estado de Direito Democrático e o Estado Social os constituintes concretizaram a esperança e os horizontes abertos pelo 25 de Abril. Sem o trabalho que fizeram, pouco ou nada restaria da revolução dos cravos. Os militares cumpriram a sua palavra, restituindo o poder ao povo através de eleições livres e democráticas. Os deputados constituintes de certo modo salvaram o essencial do 25 de Abril. Deixaram-nos a Constituição da República, que é a garantia das nossas liberdades e dos nossos direitos.»

11 comentários:

  1. ~~~
    Foi um tempo em que se urgiam elevadas decisões,
    elaboradas por mentes desoprimidas e altruístas.

    Sempre um enorme prazer ler Manuel Alegre...
    Bonita e louvável homenagem, Graça.
    ~~~ Beijinhos ~~~

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  2. "... Foi uma revolução na revolução. A da rua passou. Ficou a revolução democrática feita pelos constituintes..."

    Aqui também... luta-se pela "democracia"... mas não se percebe valores atuantes governamentais... E, o pior, o povo, em geral, desmotivado politicamente falando... Até quando? Eis a questão!
    Abraço.

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    1. Fase difícil, muito difícil, aí no nosso país irmão. Torcemos pela vitória da democracia!

      Beijinho.

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  3. A minha gratidão aos Constituintes também. Li o texto do Manuel Alegre (e os outros) no JL.
    Um beijo, Graça

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  4. Após sete revisões, podemos afirmar que a Constituição da República Portuguesa, é uma das mais completas e melhor elaboradas de toda a Europa.
    Todos os direitos e deveres dos cidadãos estão bem estabelecidos e predefinidos...no papel!!

    Na prática a maioria são adulterados! O não cumprimento, inclusivé, por parte de quem deveria dar o exemplo de cidadania e de que se vive em plena democracia, invalida muitos dos artigos que a compõem.
    Manuel Alegre - que admiro muito como Poeta/Escritor - mas não, como cidadão, faz-me lembrar Frei Tomás...

    Beijinhos democráticos, Graça!

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    1. Temos tão boa legislação! Depois a sua operacionalização é que é o busílis... Também... só passaram 40 anos! É muito pouco em termos de educação democrática e para a cidadania...

      Beijinhos, Janita!

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  5. beijo, querida amiga.

    pelo sonho vamos...

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  6. Infelizmente a "defesa da constituição" enquanto escrita não corresponde à sua defesa prática pelos políticos, OS que mais responsáveis deveriam ser em sua defesa.
    É triste. No mínimo é uma tristeza!

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