A nossa ainda jovem democracia - ultimamente tão mal tratada - permitiu (sabe Deus a que custo) que se elaborasse, com o contributo de representantes democraticamente eleitos, uma carta de princípios que servisse de base a toda à vida deste velho/jovem país depois da queda do regime ditatorial: a Constituição da República, aprovada no dia 2 de Abril de 1976. Fez ontem 40 anos.
A nossa gratidão aos constituintes!
De entre os textos de homenagem que o Jornal de Letras publicou - e porque não posso copiar todos - escolho o texto do poeta Manuel Alegre que passo a transcrever.
Constituinte e
revolução
«Havia diferentes opções sobre a via a seguir, conflitos
políticos e ideológicos, manifestações e contra manifestações, confrontos entre
partidos e entre militares. Apesar disso, os constituintes iam fazendo o seu
trabalho, constitucionalizando as principais transformações políticas e sociais
que todos os dias estavam a ocorrer.
Havia uma espécie de interação entre o que acontecia no país
e os artigos que iam sendo redigidos na Assembleia Constituinte. Legalidade
revolucionária na rua, legalidade democrática na Assembleia, integrando as
mudanças operadas pela revolução. Houve uma quase milagrosa capacidade de
transformar o confronto em diálogo e um inesperado consenso em torno dos
valores que foram sendo consagrados na Constituição. Não só as liberdades e os
direitos políticos fundamentais. Mas também os direitos sociais inseparáveis
dos direitos políticos. A democracia política, económica e social. A rejeição
do colonialismo e a consagração dos direitos dos povos à autodeterminação e à
independência, o que, naquelas circunstâncias, teve um significado da maior
relevância, já que plasmou na Lei Fundamental o fim da guerra e o
reconhecimento dos novos países africanos de língua oficial portuguesa. Foi uma
revolução na revolução. A da rua passou. Ficou a revolução democrática feita
pelos constituintes.
Tive o privilégio de ser o redator principal do Preâmbulo.
Participei na elaboração de outros artigos, nomeadamente no primeiro, suponho
que conjuntamente com Vital Moreira e José Luís Nunes, se a memória não me falha.
Recordo um episódio injustamente esquecido. Como apareceu o nome de Assembleia
da República? Houve diversas sugestões de deputados de todas as bancadas,
algumas um tanto estapafúrdias. Estava difícil chegar-se a uma conclusão. De
repente, Mota Pinto levantou-se e disse: “Assembleia da República”. A sala
ouviu e ficou uns segundos em silêncio, para logo a seguir se levantar e
aplaudir. Acho que nem foi preciso votar, foi por aclamação. Assembleia da
República. Assim ficou a chamar-se o Parlamento, cujo padrinho foi Carlos Mota
Pinto.
Há uma tendência para simplificar e para dizer que o pai da
Constituição foi este ou aquele. Foram todos. Mesmo Adelino Amaro da Costa que
votou contra. Ou Carlos Brito, que foi dos primeiros a compreender a urgência
de constitucionalizar as transformações resultantes do 25 de Abril sob pena de
estas se esfumarem. Sem esquecer o combate de Mário Soares e Salgado Zenha pela
realização das eleições para a Assembleia Constituinte.
Construindo o Estado de Direito Democrático e o Estado
Social os constituintes concretizaram a esperança e os horizontes abertos pelo
25 de Abril. Sem o trabalho que fizeram, pouco ou nada restaria da revolução
dos cravos. Os militares cumpriram a sua palavra, restituindo o poder ao povo
através de eleições livres e democráticas. Os deputados constituintes de certo
modo salvaram o essencial do 25 de Abril. Deixaram-nos a Constituição da
República, que é a garantia das nossas liberdades e dos nossos direitos.»
~~~
ResponderEliminarFoi um tempo em que se urgiam elevadas decisões,
elaboradas por mentes desoprimidas e altruístas.
Sempre um enorme prazer ler Manuel Alegre...
Bonita e louvável homenagem, Graça.
~~~ Beijinhos ~~~
Por isso o trouxe aqui, Majo.
EliminarBeijinhos
"... Foi uma revolução na revolução. A da rua passou. Ficou a revolução democrática feita pelos constituintes..."
ResponderEliminarAqui também... luta-se pela "democracia"... mas não se percebe valores atuantes governamentais... E, o pior, o povo, em geral, desmotivado politicamente falando... Até quando? Eis a questão!
Abraço.
Fase difícil, muito difícil, aí no nosso país irmão. Torcemos pela vitória da democracia!
EliminarBeijinho.
A minha gratidão aos Constituintes também. Li o texto do Manuel Alegre (e os outros) no JL.
ResponderEliminarUm beijo, Graça
Beijos, Poeta!
EliminarApós sete revisões, podemos afirmar que a Constituição da República Portuguesa, é uma das mais completas e melhor elaboradas de toda a Europa.
ResponderEliminarTodos os direitos e deveres dos cidadãos estão bem estabelecidos e predefinidos...no papel!!
Na prática a maioria são adulterados! O não cumprimento, inclusivé, por parte de quem deveria dar o exemplo de cidadania e de que se vive em plena democracia, invalida muitos dos artigos que a compõem.
Manuel Alegre - que admiro muito como Poeta/Escritor - mas não, como cidadão, faz-me lembrar Frei Tomás...
Beijinhos democráticos, Graça!
Temos tão boa legislação! Depois a sua operacionalização é que é o busílis... Também... só passaram 40 anos! É muito pouco em termos de educação democrática e para a cidadania...
EliminarBeijinhos, Janita!
beijo, querida amiga.
ResponderEliminarpelo sonho vamos...
Ai de nós se repudiamos o sonho...
EliminarInfelizmente a "defesa da constituição" enquanto escrita não corresponde à sua defesa prática pelos políticos, OS que mais responsáveis deveriam ser em sua defesa.
ResponderEliminarÉ triste. No mínimo é uma tristeza!