domingo, 19 de fevereiro de 2017

Passam 20 anos sobre a morte de Rómulo de Carvalho

Em jeito de homenagem.

«...As minhas dores no estômago e nos intestinos continuam sem descanso e os médicos não descobrem o que tenho apesar de todo o seu saber, simpatia e generosidade. É preferível morrer. É neste estado que vos escrevo embora a minha letra, que aqui vêdes, não dê sinal de tantos males e de tão profundo abatimento. Fui sempre pessoa de grande coragem e espero conservá-la até ao último momento.

A todos os que me estimaram e, no extremo, me amaram, um longo adeus com os olhos tristes. Muito em particular para os meus mais íntimos. Deixo, neste vale, a minha mulher Natália, dois filhos (uma filha e um filho) e cinco netos (duas netas do filho, e uma neta e dois netos da filha). Todos me estimaram, e até me amaram muito, cada um com a sua capacidade de expressão.

E é tudo.

Chamo-me Rómulo e nasci no dia 24 de Novembro de 1906 com sete meses de gestação. Faleci em 19 de Fevereiro de 1997.
Adeus.

(Rómulo de Carvalho em "MEMÓRIAS" - uma edição da Fundação Gulbenkian em 2010)

(retirado da página do facebook de sua filha, a escritora Cristina Carvalho)




A morte do poeta António Gedeão deu-se anos antes como muito bem explica o escritor Urbano Tavares Rodrigues. Foi em 1984 com o lançamento de “Poemas Póstumos. O poeta morre, tal como nasceu, pelas mãos do seu criador— Rómulo de Carvalho.

"Em «Poemas Póstumos», Gedeão continua a dar-nos poemas de vibração colectiva, mas as suas tonalidades tornam-se com frequência mais escuras e o tecido lírico é invadido por um certo cepticismo. Lembro o triste, terrível «Poema do Amor Fóssil» (Poemas Póstumos), com o seu advertido receio de insensibilidade do mundo cibernético. Um dos poemas capitais desta segunda fase de António Gedeão é o doloroso «Poema sem Esperança», onde o sujeito poético conta ter simulado por vezes, como um médico, como um soldado, mais esperança do que aquela que sentia.

(…)

Ao optimismo do século XIX, à sua crença ilimitada no progresso, sucede neste final do século XX, uma habituação ao pesadelo.

(…)

Hoje, perante as desigualdades, o desemprego, as monstruosidades sociais e intercontinentais que estão nascendo dos modelos da globalização, sob a tutela de um pensamento único - o do neoliberalismo venerador do dinheiro acima de tudo, sentimos a falta de mais vozes como a de António Gedeão, que se calou após os seus Poemas Póstumos»."

(TAVARES RODRIGUES, Urbano, "Decifrados do mundo, Alquimista do sonho", in Jornal de Letras, Lisboa, 26 de Fevereiro, 1997)

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Poema do amor fóssil

Quem de nós falará aos homens que hão-de vir
quando o grande clarão encher de luz
e pasmo as nossas bocas?
E como?
Que língua entenderão eles?
Que símbolos, que sinais, que apagados murmúrios,
lhes falarão de nós,
desta fluida e versátil multidão,
destes seres que aparentam rosto humano
e como tal comovem,
mas que olhados do alto são lepra do planeta.
Que significará sofrer, amar, lutar,
quando as nossas misérias e tormentos
não forem mais do que pegadas fósseis?
Que palavras há-de o poeta reservar
para o coração de plástico dos homens que hão-de vir?
Que santo e senha entenderão
Que de nós restará neles?
Que parecenças terão com estes hominídeos
que amaram a Natureza porque lhes era hostil
e suportaram o próximo porque não eram livres?
Que verbo deverá ficar gravado na pedra que o vento não corroa,
que lhes fale dos humilhados e dos ofendidos,
dos sonhadores e dos impotentes,
dos ansiosos, dos bêbados e dos ladrões,
desta ridícula, miserável e corrupta humanidade
que instala os arraiais da morte alegremente
num campo que foi verde e que não volta a sê-lo?
Amor?
Como será amor em língua cibernética?

(António Gedeão, in Poemas Póstumos)


14 comentários:

  1. Obrigada pela partilha pois não conhecia! Bj amigo

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  2. Que bom recordares aqui o professor Rómulo!
    Boa semana, Graça
    Beijo

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  3. Um daqueles grandes poetas que tanto enriqueceram a língua portuguesa.
    Beijinhos, boa semana

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  4. Estamos rodando para baixo a alta velocidade.Porém, na concepção Maia, a História é cíclica e, quanto a mim, , além de se repetir, ainda não acabou.

    O Tempo não é linear, também diziam os Maias, que foram quem mais o estudou .

    Tenhamos, então, esperança : após o período de trevas , virá a Luz.

    Boa semana

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  5. Uma bonita homenagem a António Gedeão/Rómulo de Carvalho. Gosto imenso da poesia dele.
    Uma boa semana.
    Um beijo, Graça.

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  6. O poeta Gedeão merece todas as homenagens, e a que lhe fazes é emocionante. Um dos meus poetas preferidos, não me canso de o ler, citar, reproduzir. Não o esqueçamos, então!
    (só hoje - imagina! - reparei no lado direito do teu blogue, e nas ternuras felinas que aí tens! Talvez por andar especialmente atenta ao meu Mounty e à sua velhice, que tento amenizar com mimos e festas e mais mimos e mais festas...)

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  7. Excelente homenagem a António Gedeão, cuja poesia admiro imenso.

    Obrigada pela carinhosa presença e parabéns à minha "CASA".

    Votos de uma semana muito feliz.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  8. Excelente este Homem de corpo inteiro
    Sempre vivo

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  9. Escolheste o poema certo para homenagear o grande António Gedeão, Graça.

    Tal como ele sentiu e escreveu:

    Homem (sem definição)

    Inútil definir
    este animal aflito.
    Nem palavras,
    nem cinzéis,
    nem acordes,
    nem pincéis
    são gargantas deste grito.
    Universo em expansão.
    Pincelada de zarcão
    desde mais infinito
    a menos infinito.

    Gedeão, será sempre, infinitamente, um HOMEM inteiro e inesquecível.

    Beijinhos, Graça e obrigada.

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  10. Que bom que todos os meus amigos gostam do que eu gosto. Um grande Poeta. Um grande Senhor da ciência e do conhecimento.

    Felizmente são muitos na nossa cultura! (Hoje faz anos que morreu o meu querido Professor Vitorino Nemésio. Foi em 1978.)

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  11. Não conhecia este poema. Fico grata pela partilha.
    Um abraço

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    1. Éu é que agradeço a(s) sua(s) simpática(s) visita(s)!

      Beijinho.

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