Tenho dito aqui por mais de uma
vez que, menina lisboeta, vivi cerca de ano e meio na vila da Vieira de Leiria onde
fiz parte da 1ª classe, a 2ª e o início da 3ª. Foi das experiências mais ricas
da minha infância por ser um ambiente tão diferente e distante daquele que
conhecia. De recordar que isto se passou em 1957/58. Foi lá que, pela primeira
vez, vi uma picota (que encanto!) uma lagartixa, um ancinho para ir à caruma
(bem como a própria caruma), cântaros de barro com que as mulheres iam buscar
água à fonte e as respetivas cantareiras, mulheres descalças com os canos de lã
nas pernas, as camarinhas, aquele mar violento a levantar-se em ondas altas e
furiosas, aqueles barcos lindos de proa altíssima a lembrar os Vikings, os bois
e as mulheres – tão fortes quanto eles – a puxarem as redes cheiinhas de peixe
a saltar, etc. etc.
Foi lá que, pela primeira vez,
fui a um baile numa sociedade recreativa, fui empalhar garrafões, fui à caruma,
fui a um funeral enquanto menina da escola de batinha branca em fila atrás do féretro.
Foi lá que também pela primeira
vez assisti a uma espetáculo estilo revista à portuguesa realizada e
interpretada por pessoas da vila e talvez de Leiria, não sei bem. Lembro-me de
alguns quadros muito engraçados e houve um que me marcou bastante: era um
diálogo em que um dos artistas ia criticando várias circunstâncias e
contingências do povo e do país enquanto o outro, vestido de jardineiro –
lembro-me bem! – respondia sistematicamente: «Ah! Isso é lá com eles!»
Vem isto a propósito de um artigo que li hoje no DN cujo título é exatamente Génio
Lusitano. O autor, que é português mas que tem uma avó checa e outra
catalã, um avô austríaco e um pai alemão, faz uma crítica muito bem feita e bem divertida (?) à
nossa capacidade (ou será uma incapacidade?) de olhar para o lado…
Diz ele: (…) «Os problemas
impossíveis de se resolver em terras lusas são regra geral minúsculos: a luz
dum poste de iluminação pública que não funciona há anos, o funcionário sem
meios ou vontade para atender pessoas, os fios de telecomunicações que alastram
nas fachadas dos prédios como a peste negra, a sala de aulas sem aquecimento, o
devedor que não paga, o senhorio que não faz obras, o tempo de espera pela
consulta, o autocarro que não passa, o vizinho que estaciona o carro no passeio
sem deixar espaço para passar um chico fininho.
Esta prodigiosa faceta do
carácter nacional permite deixarmos de ver as pequenas monstruosidades que nos
rodeiam e é única na Europa. Num país, que por semana fica à frente em dezenas
de rankings, é estranho não ter ainda aparecido uma revista internacional a
colocar-nos em primeiro lugar na modalidade "olhar para o lado". (…) Tentar
fazer alguma coisa não serve de nada, é a desculpa que se ouve sempre, por isso
não se tenta fazer nada. "Eles", seres distantes algures nos centros
de decisão, "também não fazem a ponta de um corno", "aquilo é só
tachos", "anda tudo na mama" ou "só mudam as moscas".
Em vez de tomarmos a iniciativa e limparmos nós a porcaria à pazada, é uma
enxurrada de desculpas para não mexer uma palha e tudo ficar igual.
Em Portugal a cidadania não é
vivida como um direito. É um fardo que se carrega às costas. E por cima do
fardo ainda estão "eles" empoleirados, os "lá em cima". Se,
por sua vez, pergunto a um de "eles lá em cima", também olham para o
lado e dizem-me que são "eles", os "ali ao lado", que lhes
empatam o serviço. (…)»
Connosco é mesmo assim: «Isso é
lá com eles» e assobiamos para o lado.
Na mouche! Fácil é atirar as culpas quando nunca se age!
ResponderEliminarBeijinhos, Graça :)
E somos peritos nisso...
EliminarTambém li e tenciono escrever sobre o assunto, Graça. O artigo vai na linha de alguns posts que de quando em vez escrevo sobre os tugas e me valem severas críticas de alguns leitores. Boa semana
ResponderEliminarE o Carlos ralado com essas críticas!... Há que "denunciar" sempre!
EliminarBeijinho.
Oh, caramba, Graça! Desta vez não faço coro contigo!
ResponderEliminarEntão não somos todos portugueses? Porque razão falamos de "nós", como se falássemos de um povo estrangeiro?
Se pensas assim, e como tu muitos mais, não olhem para o lado, não assobiem, metam mãos à obra, arregacem as mangas e actuem. Quem sabe seja preciso haver uma meia-dúzia de corajosos para endireitar esta m**** e engrandecer Portugal...os que olham para o lado passarão a olhar para quem lhes der o exemplo, ora essa!
Beijinhos e anda prá frente com o (MRCE) Movimento Revolucionário Contra os Empatas. :(
Minha querida, sempre meti mãos `obra e ainda acontece... Esse recado para mim, não cola. Mas que grande parte do pessoal age assim, ai não tenhas dúvidas...
EliminarSomos uns gajos estranhos que parecemos porreiros, Graça. :)
ResponderEliminarabraço
É o chamado nacional-porreirismo...
EliminarPois é, as nossas características são interessante. e eu aprecio imenso ler livros de estrangeiros sobre nós.
ResponderEliminarBeijinhos portugueses e feliz Fevereiro
Também eu!!Eles têm uma visão certeira da nossa maneira de ser.
EliminarBom Fevereiro também para ti. Beijinho.
Visões interessantes e muito intrigantes...
ResponderEliminarAbraço.
Mas bastante certeiras...
EliminarVerdade...verdadinha!
ResponderEliminarMudar ... é urgente!
Bj
Mudança que leva tempo. Muito tempo. A das mentalidades.
EliminarBeijinho.