quarta-feira, 23 de março de 2016

Porque escrevemos?

Estive a ler um extraordinário texto da escritora, professora e crítica de literatura Joyce Carol Oats (JCO), americana, na Revista Ler, Inverno 2015-2016, também extraordinariamente escrito em português (porque uma boa tradução, uma boa transposição de uma língua para outra também deve ser dignamente elogiada) por Sofia Gomes, intitulado «Inspiração e Obsessão na Vida e na Literatura».

O tema – que me encanta e sempre encantou – é construído em torno de perguntas: porque escrevemos? Qual o motivo da metáfora? «Onde vai buscar as suas ideias?» Escolhemos os nossos temas ou são os nossos temas que nos escolhem? Escolhemos as nossas «vozes»?”

A autora mergulhou até à primeira metade do século XVIII para fazer emergir Alexander Pope, poeta inglês, que desde criança «ciciava em verso, pois os versos surgiam-me», visitando também os românticos Wordsworth e Coleridge e passando depois aos poetas americanos e à forma como escrevem e porque escrevem. Grande destaque dado ao escritor Herman Melville, autor de Moby Dick e da influência que nele teve Nathaniel Hawthorne. Referências importantes a Virginia Woolf e a Emily Dickinson.
Muito bom! Aconselho a sua leitura a quem se importa com estas coisas da literatura. Garanto que quase aprendi mais sobre a literatura norte-americana com este belíssimo artigo do que num ano letivo na Faculdade…

Das muitas ideias lá plasmadas e imensamente bem explicadas, deixo aqui uma das que mais me agradaram: «Há tanta literatura que tem origem num desejo de aplacar a saudade, num desejo de assinalar lugares, pessoas, infâncias, família e rituais tribais, modos de vida – decerto a principal inspiração para todos: o desejo, em alguns escritores a necessidade de captar o que na vida é perecível. Embora os grandes modernistas – Joyce, Proust, Yeats, Lawrence, Woolf, Faulkner – fossem revolucionários quanto à técnica, os seus temas estavam ligados às suas próprias vidas e às suas próprias regiões; o modernista é aquele que tende a usar a sua vida íntima na sua arte, partindo do ordinário para formar o extraordinário.»

Entretanto, vou transcrever um poema de Dickinson, um dos vários referidos por JCO no seu artigo e que, parece-me, tem muito a ver com os trágicos acontecimentos que têm assolado a Europa nos últimos anos e ainda ontem.

«Uma ratazana abandonou aqui
Uma breve carreira de aplauso
E fraude e medo.

De merecida vergonha
Que todos nós dependentes
Nos acautelemos.

A ratoeira mais obediente
À tendência para romper
Não resiste –

A tentação é o amigo
Repugnantemente abandonado
Por fim.»

13 comentários:

  1. Uma revista que desconhecia e que fiquei com vontade de ler. Só não sei se será fácil encontra-la por aqui.
    Obrigada pelo artigo bastante interessante e útil.

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    1. É muito interessante a revista Ler; é do Círculo de Leitores, é trimestral e vende-se nos centros comerciais.

      Bj

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  2. Votos de Páscoa Feliz para si e família.
    Beijinhos

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    1. Obrigada. Igualmente: Boa Páscoa para o Pedro e para as meninas (as três...)

      Beijinhos de chocolate.

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  3. Muito interessante o que aqui relata, Graça. Identifico-me totalmente com a forma como Joyce Carol Oats explica a necessidade de escrever. Na verdade, quem escreve, parte sempre de algo normal, ordinário e transforma-o em algo extraordinário, singular. Talvez porque o escritor consiga ver o que lá está, mas que mais ninguém viu. Talvez a escrita seja também isso, um modo de olhar.

    Um beijinho, Graça :)

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    1. Concordo, Miss Simpatia... Ainda bem que gostou.

      Beijinhos de chocolate...

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  4. Uma partilha muito proveitosa.
    Também penso muito neste assunto e identifico-me com o entendimento de Joyce.
    Beijo, Graça!

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  5. Boa crónica, Graça. Irei procurar a revista para ler o artigo que indica. O poema escolhido toca no "ponto" com acutilância.
    Boa Páscoa.

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  6. Adorei a partilha.
    Obrigada, Graça :)

    beijinho

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  7. Já vou procurar essa edição da revista para poder ler esse artigo.
    Obrigada. :)

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