quinta-feira, 3 de março de 2016

Interpretações

 Já disse aqui bastas vezes que os exames têm pés de barro, servem para muito pouco ou nada e que quanto mais tarde entrarem no percurso dos alunos, melhor. Além de que a matriz dos “novos” exames – os de Português, que é a área que acompanho, – é completamente obtusa, saída não sei de que cabeças pensantes – e desta vez (pasme-se!) nem culpo o ministro (C)rato porque ela, a dita matriz, é-lhe anterior.

Antes de mais, são enormes: dois ou três longos textos para alunos de 15 anos lerem, entenderem, analisarem e tentarem adivinhar o que algumas das questões pretendem e, depois de tudo isso, terem de escrever um texto de 150 ou 200 palavras (e conta-las, naturalmente…) sobre um tema que nada lhes diz e para o(s) qual/quais não foram minimamente preparados. Tudo isso em 90 minutos. De absoluta concentração. Por acaso até desafiava muitos professores para experimentarem submeter-se a uma prova dessas!

Os de 12º ano então têm uma série de perguntas de escolha múltipla com 4 hipóteses cheias ambiguidades ou rasteiras, para além de perguntas de interpretação tão complexas e tão emaranhadas que costumo dizer que o próprio Fernando Pessoa teria fraca nota se tivesse de responder a semelhantes perguntas sobre qualquer um dos seus belos poemas e de submeter-se aos apertados e tolos critérios de correção impostos.

Ora nem de propósito! Li há dias uma crónica de Manuel Halpern, num Jornal de Letras, que começa assim: «Não sei se este texto virá algum dia a ser utilizado numa prova de português. É hábito de professores e editoras escolher uns quantos textos da imprensa para preencher os seus manuais ou testes. Pelo sim, pelo não, vou evitar expressões equívocas e palavras rebuscadas: não quero que ninguém tenha má nota por minha causa.» 

E a certa altura, diz o seguinte: «Escrevi há tempos uma crónica com o título “Telecomanda-te”. (…) Fui surpreendido ao saber que essa mesma crónica tinha sido utilizada recentemente num teste do 11º ano.(…) O G. não gostou da correção feita pela professora, numa das perguntas de escolha múltipla sobre esse texto meu. Então, resolveu escrever-me na justa ingenuidade que pelo simples facto de eu ser o autor saberia o que queria dizer com o que escrevo. Imagine-se…

Contrastando com a ideia de juventude amorfa – tão divulgada e repetida – G serviu-se das virtudes da tecnologia para me descobrir no Facebook. Enviou-me uma mensagem. (…) Com todo o pragmatismo, perguntava-me o que responderia àquela pergunta sobre o meu próprio texto. Enchi-me de dúvidas. Apercebi-me de que eu, provavelmente, não teria nota máxima na análise sobre o meu próprio texto. Mas, enfim, dei-lhe os argumentos que procurava para refutar a correção da professora. E, claro, 20 valores.»



6 comentários:

  1. ~~~
    A falta de ''fair play'' na avaliação

    é infinitamente humilhante, indigna e desprezível.
    ~~~~ Bj~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  2. Confesso que sou desconhecedor da matéria.
    As minhas filhas frequentam colégios com ensino de base anglo-saxónica.
    Como tal, limito-me a desejar bom fim-de-semana.
    Beijinhos

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  3. Não conheço bem o assunto. O único exame que fiz ma 4ª classe, foi em mil nove e carqueja.
    Um abraço e bom fim de semana

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  4. Os exames se não forem a única e exclusiva maneira de avaliar , enfim...mas sempre com a ressalva de não serem armadilhas para fazer chumbar.

    A melhor aluna de matemática do meu quinto ano de Liceu, chumbou porque o estupor do Calado quis chumbá-la na oral e, para cúmulo da estupidez, chumbou-lhe a secção toda, não se contentando em dar-lhe deficiência na disciplina ( o que em si mesmos eria de uma gritante injustiça).

    Por isso, é que exames têm que ser cuidadosamente pensados .

    Bom fim de semana

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  5. Penso ter comentado esta crónica.
    Foi-se.

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  6. Interpretações é o título certo...
    O que é um exame, se não uma interpretação de uma pessoa sobre outra?

    Recentemente voltei aos estudos e saí de lá com mais certezas. Nunca simpatizei com os métodos de ensino por cá praticados. Tenho a sensação que castram os que precisam de avançar, não orientam os que precisam de ser orientados e facilita muito aos que apenas querem ter boas notas com o mínimo de esforço.

    E então entendi que em 20 pessoas, todas podem ter avaliações diferentes, feitas pelas mesmas pessoas, conforme estão em bons ou maus dias. Pode parecer impossível vindo de adultos capazes e inteligentes, que têm como missão atribuir um valor. Mas é difícil avaliar os outros. Uns fazem-no de forma mais justa, outros menos mas 100% justa é totalmente impossível.

    ENfim... coisas do avançado da hora...
    Bom dia da mulher!

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