sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

No comboio descendente

Hoje de manhã ouvi na rádio esta cançãozinha que não ouvia há que tempo!

A minha neta, que estava connosco e que tem muito bom ouvido para a música, delirou com a toada e pôs-se logo a trauteá-la juntamente comigo que ia matraqueando a letra. «Ó avó, gostas muito desta canção, não gostas?» «Avó, o que é que quer dizer “descendente”?» E lá continuava ela a cantarolar o «tiririri..» com que o José Afonso conseguiu dar o tom de brincadeira ao poemeto de Pessoa que também é catalogado como poema para crianças.


Só que de folguedo tem muito pouco quer da parte de quem escreveu os versos quer de quem o musicou. Com as palavras sempre simples que usava um, e com as notas próximas de um folclore genuíno que sempre usava o outro, aí está uma bela pintura do que é este nosso povo adormecido, alheado e indiferente,que se deixa levar em grande reinação, «levados, levados, sim…» num qualquer comboio descendente – ou decadente – sabe-se lá para onde e por onde.


No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada...

No comboio descendente
Vinham todos à janela
Uns calados para os outros
E outros a dar-lhes trela
No comboio descendente
De Cruz Quebrada a Palmela...

No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
No comboio descendente
De Palmela a Portimão.




16 comentários:

  1. muito actual a canção...

    (contigo como "mestra", menina um dia compreenderá todo o sentido da canção". estou certo)

    beijo

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  2. Bela crónica!
    Fez-me lembrar tempos da outra senhora. Esta era uma das que cantávamos.
    O Zeca é um dos nossos. Soube ser popular sem ser popularucho. Foi e é um popular invulgar. Ainda bem que não se lembraram dele para o Panteão. Viva o Zeca Afonso! Ponham-no na rádio e na televisão: "O que faz falta...".

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  3. Volto para perguntar quem vai no comboio? Hoje.
    Serão os mesmos que o poeta observou?

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  4. Engraçado que não conhecia esta canção do Zeca, mas valeu a pena... :)

    Beijocas e bom fim de semana!

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  5. Não é das minhas preferidas, mas concordo contigo: é bem o retrato de um país caindo para o abismo.

    Bons sonhos

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  6. Aqui , já estamos no abismo...nem combóio temos , desde que sua excelência , o alfarroba, foi PM.
    M.A.A.

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  7. Digo muitas vezes os primeiros este poema a meias com uma cunhada! :)
    É tão descendente que já chegou ao fundo! :(

    Abraço

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  8. No comboio descendente de Queluz a Cruz Quebrada e de Palmela a Portimão, parece que só eu é que vejo conotações monárquicas do nosso genial mestre, tão infeliz por não ter assumido a sua paixão por uma datilógrafa.

    Um picarecso poema que refere sucessivos locais de atração para veraneio que, na sua opinião, representa uma descida de classe.

    Não tem nada de democrático e não me parece adequado para ser cantado por quem enalteceu os "Índios da Meia Praia".

    Muito bem cantado, mas mal interpretado, na minha opinião.

    Bom fim de semana. Beijinhos.

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  9. "de folguedo tem muito pouco..." - grande verdade, minha amiga!
    GRANDE Zeca Afonso, que tão cedo se foi.

    Obrigada pelos votos de feliz 2014, que retribuo

    Beijinhos
    Mariazita
    (Link para o meu blog principal)

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  10. Pinceladas, ou melhor... versos... de uma trágica realidade!
    Abraços.

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  11. Amiga Graça, há tanto tempo que não ouvia esta canção e fez-me pensar que ando assim ...

    nem sim nem não.

    beijinho

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  12. "Lá vamos cantando e rindo
    Levados, levados, sim!..."

    Julgava isto enterrado e afinal... Lá vamos!

    Bom fim de semana.



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  13. Peço desculpa pelo lapso, deveria constar ""picaresco poema"".

    E sublinho.
    Um poema do nosso mestre monárquico.

    Se não se refere ao que já expus, este comboio decendente só pode ser um arremedo à república.
    Continua a ser uma posição antidemocrática.

    Uma boa noite. Beijinhos.

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  14. Concordo com o que diz, Majo. Mas a(s) leitura(s) de um texto são múltiplas e podem não coincidir com a intenção do poeta, do autor.

    Muito obrigada pelas suas intervenções sempre inteligentes e sabedoras.

    Bom fim de semana.

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