domingo, 5 de janeiro de 2014

Mau Tempo no Canal

Já estava há muito nos meus intentos ler a obra-prima do meu muito querido professor Vitorino Nemésio, mas por isto ou por mais aquilo, ou tão-somente porque pensava que se tratava de uma narrativa muito apegada aos hábitos da pesca e de outras fainas das gentes do Açores, ou ainda – o que é pior – por falta daquele «marketing» (como se diz agora) que praticamente não existe no que toca aos nossos clássicos (e aos outros…), foi ficando para trás.

Finalmente decidi-me, muito por influência de uma referência feita pelo crítico Eduardo Pitta a um aspeto da vida humana abordado na obra, lá me resolvi a procurar pelas estantes todas da casa, escada abaixo, escada acima, o exemplar editado por uma daquelas coleções de livros de bolso que brotaram nas nossas editoras depois da Revolução.

Parece-me que há buracos nesta casa porque me desaparecem livros! (Penso que ganham asas até às casas da minhas filhas, mas isto fica só aqui entre nós…)

Livraria com ela, pré-auto-prenda de Natal e lá me lancei na leitura. Tenho a dizer que só leio por prazer em duas situações: em férias na praia e quando me vou deitar, daí que demore algum tempo a ler e a saborear as minhas escolhas. 

Mas só vos digo: desde que li, já adulta, (que no liceu uma pessoa anda por de mais atarefada com os namoricos para se deixar absorver pela beleza de uma obra completa) a obra narrativo-lírica «Viagens na Minha Terra» que não punha os olhos num pedaço de tão boa literatura! Que maravilha de descrições, que forma absolutamente rendilhada de dar continuidade à história, que mestria no uso da língua, das palavras, da sonoridade da escrita, das metáforas, das imagens! As palavras parecem autênticos farrapinhos de espuma daquele mar tão poético como tenebroso do Canal! Bem se vê que o autor, que veste a pele de narrador, (ou será ao contrário?!) conhece aquele mar, aquelas gentes, a cauda do cachalote a bater na água, cada uma das grutas de que constantemente se desprende o cheiro de lava quente, o sentir e o linguajar das pessoas  (muitas vezes parece-me estar a ouvi-lo, nas aulas, com aquele sotaque algo fanhoso, e aquele ar disperso que punha em cada lição: «Eu sou da Terceira que se chama Terceira porque foi a terceira a ser descoberta…» «Ó Machado Pires, (que era o assistente) como é que se chamava aquele que matou o … » Tão delicioso nas aulas como no romance.


O Canal - pequeno, mas furioso, braço de mar entre o Faial e o Pico

E quando me vêm com lutas de alecrim e manjerona do ataque ao acordo ortográfico – este, porque os anteriores não os conheceram – porque é um assassinato à língua de Camões , a qual, de facto, a grande maioria nem conhece) convido-os a todos a que leiam os nossos clássicos, os nossos romancistas, ensaístas e poetas do século XX, esquecidos por força da infame e clerical ignorância do povo e por força de um sistema político opressor e baço que quase só nos permitia ler o catecismo; leiam-nos no registo atual ou noutro qualquer, e aí sim, verão como se maneja com a maestria (com mais um ou menos c- ou p-) a dita língua de Camões!


17 comentários:

  1. Para mim é uma obra literária excelente, ponho-a em primeiro lugar nas minhas preferências de autores portugueses quase ao lado de "Viagens na Minha Terra" que também referes!


    Abraço

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  2. Já estive junto da casa onde nasceu...mas não estava aberta ao público.
    Bem gostaria de voltar a atravessar o canal...embora estivesse um mar bem encapelado quando fui do Faial para o Pico, cheguei a ter medo mas o regresso foi mais calmo!
    Os Açores são uma beleza e deram-nos excelentes escritores...

    Abraço

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  3. Que delícia foi a leitura deste texto (ia a escrever "post" mas custa-me tanto usar esta palavra inglesa (ou multinacional?); talvez por isso é que eu não me habituo também a escrever "Facebook" e ponho-me a escrever "feicebuque" ((mas que é complicado tentar usar vocábulos em português para nos fazermos entender nas ditas redes sociais da internet (outra que tal) lá isso é)).

    Gostava de ser capaz de escrever com a sua leveza e estilo. A sério, Graça.

    Desde que fui à Terceira, já lá vão uns anos, e no ano passado consegui ir a S. Miguel, que a mística Açoriana se reforçou em mim. E Vitorino Nemésio é um escritor fabuloso. E o "Mau tempo no canal" é uma obra-prima da nossa literatura.
    Já li este livro e julgo que o tenho cá em casa. Aliás bastava dar-me ao trabalho de consultar o registo de livros do meu blogue (cá está outra questão da nossa língua, a resolver...). Essa dos livros, que têm asas, também acontece comigo. De vez em quando...

    E encontrar, assim num instante, um livro determinado que precisamos e que sabemos que o temos na nossa "biblioteca"? A Zaida bem se tem esfalfado para pôr ordem nas prateleiras! Vai daí começo eu a retirá-los porque preciso deles para isto ou para aquilo e lá temos o caldo entornado! Até já temos as prateleiras referenciadas com um rótulo (pequenino, a ver se não dá nas vistas). Debalde! ... mudanças, novos livros, onde é que este há-de ficar?!

    Há que tentar fazer o melhor possível!

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  4. Agradeço a sugestão, pois nunca li esse livro, mas está numa estante próxima e posso lê-lo quando quiser... :)

    Beijocas

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  5. Confesso que também nunca li Nemésio para além de trechos dispersos.
    Com a sua ferradela parece-me que chegou a hora de me aventurar pelo açoriano mais "conhecido" de Portugal.
    De facto não há por parte do negócio livreiro nem da Secretaria de Estado a promoção dos clássicos. Ficam enclausurados nas prateleiras das bibliotecas e a malta nova nem suspeita os tesouros que a nossa língua tem.

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  6. Não sigo o Acordo Ortográfico.
    Nem me passa pela cabeça.
    Pense bem no que sem pretendeu com o mesmo - alargar mercados, abrir o mercado brasileiro aos escritores portugueses.
    Não sigo mercantilismo com a minha Língua.
    Boa semana!

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  7. Caro Pedro, os acordos ortográficos não servem os mercados ao contrário de tudo o resto... Servem apenas para normalizar o que a oralidade vai construindo de forma dinâmica. É que a língua é um sistema vivo porque falada e escrita diariamente. Se tem aspetos menos corretos este AO, te-los-a certamente, mas isso é o menos! Quantos acordos já se fizeram desde o latim até ao português de hoje, dia 6 de Janeiro de 2014?

    Beijinhos e bons acordos....

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  8. Lamento mas nunca li. Começei ontem a ler "O memorial do Covento" já que será o livro que vamos ter de analisar em Literatura no regresso às aulas no dia 9, e também nunca tinha lido.
    Um abraço e feliz dia de Reis

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  9. Minha linda, estamos aqui com um "grave problema" (rrrssss): estamos em desacordo quanto ao Acordo e quanto "Ás Viagens na Minha Terra".

    Claro que a língua é viva e evolui, mas a Inglaterra alguma vez fez Acordo com as antigas colónias?!Desconheço!

    Adoro ler como sabes, mas a ideia com que fiquei desse livro de Garrett é de um dos livros mais maçudos que alguma vez li ( e eu li já largas centensa...)

    Quanto a Nemésio gosto imenso da sua poesia, que já li quase tudo.

    Quanto a esse romance, comecei, mas ou o livro desapareceu ou eu tive que ler outra obra e nunca o acabei.

    Quem me dera que o meu filho fizesse desaparecer livros cá de casa, sinceramente...mas a criatura sai ao doce papá!

    Bom Dia de Reis

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  10. Muito têm alegado os opositores ao novo Acordo Ortográfico, muitíssimos pareceres foram divulgados na comunicação social, no entanto, é a primeira vez que ouço falar de interesses comerciais.
    É forçoso verificar a qualidade das fontes em que baseamos os nossos pareceres e centrarmos o problema numa questão que deve ser resolvida por especialistas de línguística.

    Quando um português da atualidade se refere à sua Língua, está a referir-se ao modelo ortográfico proveniente da reforma ortográfica de 1911 e posteriores acordos ajustados com a Academia Brasileira de Letras.
    A reforma de 1911, que tanto incomodou o nosso genial mestre monárquico, Fernando Pessoa, cortou com o y, as consoantes dobradas e inúmeros casos de consoantes mudas.

    É interessante verificar como se arranjam as mais variadas razões para camafular paixões políticas.

    É curioso constatar que, na blogosfera, a maior parte dos que contestam o presente acordo são que menos se dedicaram ao estudo da questão, os mais indolentes em informarem-se, ao ponto de dizerem que não abdicam da Língua de Camões e Pessoa! A Língua é uma coisa, a ortografia é outra. Falam como se estes escritores tivessem andado juntos na escola! Incrível.

    A estes, convido-os a procurarem no Google, a cópia do original dos "Lvsiadas" e o original da Mensagem, ambos da Biblioteca Nacional.

    É, no mínimo cínica, a atitude dos que se servem continuamente do trabalho dos brasileiros no Google e estão contra o Acordo.

    Também quero sublinhar que os brasileiros e naturais dos PALOP não têm uma Língua nacional e que para estudarem a Língua da sua pátria, têm uma disciplina chamada Língua Portuguesa.

    Para finalizar, quero afirmar que sentiria muito orgulho em que Portugal fosse mais uma vez pioneiro, dando o exemplo à arcaica e trôpega Europa; beneficiando de uma fresca renovação ortográfica por oposição a um bafiento conservadorismo, com pretensões de elitismo e purismo intelectual.

    Beijinhos.

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  11. BOA, Majo! MUITO BEM!!! É isso mesmo que eu penso!

    A São que me desculpe, mas esse argumento de que os ingleses rónhónhó e que os franceses rebeubeu, está estafado e é sem fundamento! Tantas coisas que eles fazem e nós não! Deixemo-nos de ser botas-de-elástico e preconceituosos porque isto não se trata de fazer a vontade aos brasileiros. Eles falam de uma forma (linda, diga-se de passagem) e nós de outra! A ortografia tem um valor muito relativo.

    Beijinho, Majo, e obrigada pelo apoio.

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  12. Amigo Nunes, não tenho palavras para agradecer semelhante elogio, que nem mereço. Estou envergonhada...

    Beijinhos e Bom Ano!

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  13. Pois , pronto...cá continuamos em desacordo, mas amigas na mesma, eu continuarei a escrever como aprendi e sabendo perfeitamente que Fernão Lopes, Camões , Pessoa e eu não andámos juntos na mesma escola nem escrevemos da mesma maneira, muito longe disso,rrss

    E quanto aos interesses comerciais de que Pedro Coimbra fala, eu ouvi isso como argumento logo de início, realmente...só se agora os fundamentos são outros.Serão?

    Bons sonhos

    E há um acoisa que

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  14. ERRATA:

    O comentário acaba mesmo em "Bons sonhos".

    Peço desculpa pelo acréscimo que deve ter aparecido quando revi o texto e o emendei, só reparando que estava após a publicação

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  15. Gostei até mais não do comentário de "Majo".

    Pois é, há quem tenha absoluta necessidade de apreciar devidamente todas as tentativas de harmonização e atualização ortográfica ocorridas no decorrer de todo o século XX, pelo menos. E, ser calhar nem conhecem a reforma de 1911 !...

    Era só isto que tinha para acrescentar.
    -

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  16. Eu gosto destas «discussõezinhas» amigáveis!

    Obrigada a todos

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  17. Sou residente na Ilha Terceira e estou a realizar um trabalho sobre Vitorino Nemésio. Alguém me sabe dizer a data concreta do lançamento do livro "Mau tempo no Canal"? Sei que foi em 1944.

    Cumprimentos

    Patrícia Lima

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