domingo, 19 de janeiro de 2014

Eugénio de Andrade



O poeta Eugénio de Andrade completaria hoje 91 anos. Todos sabemos que a sua terra do coração foi o Porto onde se radicou em inícios de 50 e onde morou até à sua morte em Junho de 2005.

E é por isso que deixo aqui um trecho de prosa sua (de que não encontrei a data) sobre a sua cidade querida. (e que tirei daqui)

(…)
«A grande trindade poética que lavra, nesta pedra escura, o perfil seguro do Porto – Fernão Lopes, Garrett e Camilo – leva fatalmente à cidade uma pessoal visão de mundo, o seu génio próprio. O Porto de Fernão Lopes é quase legendário: heróico e honrado; o de Camilo, grotesco e dramático; o de Garrett irónico, pitoresco e sentimental. São três tempos (em duplo sentido: histórico e musical) do seu carácter que, embora esquematicamente enunciados, nos permitem algumas aproximações. A cidade viril de Fernão Lopes é ainda a de Herculano, Ramalho, Jaime Cortesão e Miguel Torga; Raul Brandão, Pascoaes e Agustina estão, de algum modo, na continuação do pessimismo de Camilo; de Garrett parte, dessorada, perdido por completo o seu impenitente humor, toda uma toada que de Júlio Dinis e António Nobre vem desaguar em tanta loa tacanhamente regionalista e deprimente. Isto para falarmos apenas de quem mais se debruçou na alma destas pedras, bem pouco transparente, como se vê.

Não sei como é que a palavra se insinuou: convenhamos que vem pouco a propósito. A transparência é aqui nostalgia: até a luz terá a cor do granito. Mas o granito é às vezes de oiro velho, e outras azulado, como o luar escasso que nesta noite de outono escorre dos telhados. Quando o sol, mesmo arrefecido, incide nos vidros, as mil e uma clarabóias e trapeiras e mirantes da cidade enchem o crepúsculo de brilhos – o Porto parece então pintado por Vieira da Silva: é mais imaginário que real. Para as bandas de S. Lázaro, as ruas estão coalhadas de silêncio. Os passos de quem regressa tarde a casa são raros, até os mais leves se ouvem à distância. Na noite alta, o repuxo do jardim tem a nitidez de um coração muito jovem. Fora as magnólias, não há árvore com folha. Os bancos estão desertos – os trolhazitos que por aqui se aquecem ao sol, à hora do almoço, devem ter adormecido nalgum canto dessas casas em vias de construção, que há um pouco por toda a parte. Dormem enrolados no friinho que principia a rondar. Os cafés fecham as últimas portas. Saem os retardatários um pouco aos bandos, quase todos jovens. Barulhentos, sem pressa, encaminham-se para a Batalha. Um automóvel, rápido; outro; outro ainda. Um dos moços assobia. As palavras da canção ecoam-me na cabeça:

If you’re going to San Francisco
be sure to wear some flowers in your hair…» (...)


(Fotografia do Francisco Mendes)

14 comentários:

  1. Hoje também o meu pai faria anos... (89) e a minha mãe faz no próximo mês.
    Que seria de nós sem poesia?

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  2. Talvez não cheguem a ser mil olhares de Eugénio sentir a cidade, mas são muito e diversos...

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  3. Ontem, Ary dos Santos. Hoje, Eugénio de Andrade. Dois homens diferentes, fora do comum e tão iguais no génio. O génio de fazer sentir aos outros, os comuns, o fervor dos sentimentos alinhados em poesia de eleição.
    Ary, boca cheia em noites de boémia, um Tejo impossível de conter. Em Eugénio um príncipe na subtileza, na delicadeza, na descrição a pairar nas neblinas da Foz do Douro.

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  4. O Porto Sentido de Eugénio de Andrade.
    Boa semana!
    Beijinhos

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  5. ~ ~ Os Amigos~ ~

    ""Os amigos amei
    despido de ternura
    fatigada;
    uns iam, outros vinham,
    a nenhum perguntava
    porque partia,
    porque ficava;
    era pouco o que tinha,
    pouco o que dava,
    mas também só queria
    partilhar
    a sede da alegria_
    por mais amarga.""
    ~ ~ ~ ~ ~ E.A.

    De "Coração do Dia"

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  6. Nunca li nada de Eugenio de Andrade mas dizem que foi um bom escritor. Desejo-te uma excelente semana,passa tambem pelo meu cantinho e fica a par das dicas que fazem do nosso blogue,o melhor blogue do mundo. Muitos beijinhos,fica com deus e até breve!! http://musiquinhasdajoaninha.blogspot.pt

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  7. Cidade
    «Meti-me por Setembro fora, a caminho do fulgor das maçãs, deixando para trás os bruscos golfos de tristeza e uma luz de neve quebrada de vidraça em vidraça.
    Contemplava a cidade das pontes pela última vez, envolvida por lençóis encardidos e uma névoa que subia do rio para lhe morder o coração de pedra. Era um burgo pobre, sujo, reles até - mas gostaria tanto de lhe por um diadema na cabeça.»

    Eugénio de Andrade (2011:p.410), "Prosa/Eugénio de Andrade"

    Um beijo

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  8. O Eugénio de Andrade faz parte do meu crescimento intelectual.

    beijinho

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  9. Agradeço os textos do poeta que aqui acrescentaram.

    Belo comentário, amigo Agostinho!

    Parabéns à senhora sua mãe, Rui!

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  10. Gosto de ler Eugénio de Andrade e gostei de aqui.

    beijinho e uma flor

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  11. um dia no liceu, uma professora disse numa aula em que estava que o Eugénio de Andrade era o seu preferido

    não sei se já tinha ouvido falar em poesia, mas agradeço-lhe
    ou não

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  12. joaninha ai de cima, procura a maravilha.

    Onde um beijo sabe
    a barcos e bruma.

    No brilho redondo
    e jovem dos joelhos.

    Na noite inclinada
    de melancolia.

    Procura.

    Procura a maravilha.


    e mais aqui
    http://www.escritas.org/pt/eugenio-de-andrade

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