O poeta Eugénio de Andrade completaria hoje 91 anos. Todos sabemos que a sua terra do coração foi o Porto onde se radicou em inícios de 50 e onde morou até à sua morte em Junho de 2005.
E é por isso que deixo aqui um trecho
de prosa sua (de que não encontrei a data) sobre a sua cidade querida. (e que tirei daqui)
(…)
«A grande trindade poética que
lavra, nesta pedra escura, o perfil seguro do Porto – Fernão Lopes, Garrett e
Camilo – leva fatalmente à cidade uma pessoal visão de mundo, o seu génio
próprio. O Porto de Fernão Lopes é quase legendário: heróico e honrado; o de
Camilo, grotesco e dramático; o de Garrett irónico, pitoresco e sentimental.
São três tempos (em duplo sentido: histórico e musical) do seu carácter que,
embora esquematicamente enunciados, nos permitem algumas aproximações. A cidade
viril de Fernão Lopes é ainda a de Herculano, Ramalho, Jaime Cortesão e Miguel
Torga; Raul Brandão, Pascoaes e Agustina estão, de algum modo, na continuação
do pessimismo de Camilo; de Garrett parte, dessorada, perdido por completo o
seu impenitente humor, toda uma toada que de Júlio Dinis e António Nobre vem
desaguar em tanta loa tacanhamente regionalista e deprimente. Isto para
falarmos apenas de quem mais se debruçou na alma destas pedras, bem pouco
transparente, como se vê.
Não sei como é que a palavra se
insinuou: convenhamos que vem pouco a propósito. A transparência é aqui
nostalgia: até a luz terá a cor do granito. Mas o granito é às vezes de oiro
velho, e outras azulado, como o luar escasso que nesta noite de outono escorre
dos telhados. Quando o sol, mesmo arrefecido, incide nos vidros, as mil e uma
clarabóias e trapeiras e mirantes da cidade enchem o crepúsculo de brilhos – o
Porto parece então pintado por Vieira da Silva: é mais imaginário que real.
Para as bandas de S. Lázaro, as ruas estão coalhadas de silêncio. Os passos de
quem regressa tarde a casa são raros, até os mais leves se ouvem à distância.
Na noite alta, o repuxo do jardim tem a nitidez de um coração muito jovem. Fora
as magnólias, não há árvore com folha. Os bancos estão desertos – os
trolhazitos que por aqui se aquecem ao sol, à hora do almoço, devem ter
adormecido nalgum canto dessas casas em vias de construção, que há um pouco por
toda a parte. Dormem enrolados no friinho que principia a rondar. Os cafés
fecham as últimas portas. Saem os retardatários um pouco aos bandos, quase
todos jovens. Barulhentos, sem pressa, encaminham-se para a Batalha. Um
automóvel, rápido; outro; outro ainda. Um dos moços assobia. As palavras da
canção ecoam-me na cabeça:
If you’re going to San Francisco
be sure to wear some
flowers in your hair…» (...)(Fotografia do Francisco Mendes) |
Hoje também o meu pai faria anos... (89) e a minha mãe faz no próximo mês.
ResponderEliminarQue seria de nós sem poesia?
Talvez não cheguem a ser mil olhares de Eugénio sentir a cidade, mas são muito e diversos...
ResponderEliminarOntem, Ary dos Santos. Hoje, Eugénio de Andrade. Dois homens diferentes, fora do comum e tão iguais no génio. O génio de fazer sentir aos outros, os comuns, o fervor dos sentimentos alinhados em poesia de eleição.
ResponderEliminarAry, boca cheia em noites de boémia, um Tejo impossível de conter. Em Eugénio um príncipe na subtileza, na delicadeza, na descrição a pairar nas neblinas da Foz do Douro.
digo, discrição.
ResponderEliminarO Porto Sentido de Eugénio de Andrade.
ResponderEliminarBoa semana!
Beijinhos
~ ~ Os Amigos~ ~
ResponderEliminar""Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede da alegria_
por mais amarga.""
~ ~ ~ ~ ~ E.A.
De "Coração do Dia"
Nunca li nada de Eugenio de Andrade mas dizem que foi um bom escritor. Desejo-te uma excelente semana,passa tambem pelo meu cantinho e fica a par das dicas que fazem do nosso blogue,o melhor blogue do mundo. Muitos beijinhos,fica com deus e até breve!! http://musiquinhasdajoaninha.blogspot.pt
ResponderEliminarCidade
ResponderEliminar«Meti-me por Setembro fora, a caminho do fulgor das maçãs, deixando para trás os bruscos golfos de tristeza e uma luz de neve quebrada de vidraça em vidraça.
Contemplava a cidade das pontes pela última vez, envolvida por lençóis encardidos e uma névoa que subia do rio para lhe morder o coração de pedra. Era um burgo pobre, sujo, reles até - mas gostaria tanto de lhe por um diadema na cabeça.»
Eugénio de Andrade (2011:p.410), "Prosa/Eugénio de Andrade"
Um beijo
O Eugénio de Andrade faz parte do meu crescimento intelectual.
ResponderEliminarbeijinho
O nosso Eugénio
ResponderEliminarsempre
Agradeço os textos do poeta que aqui acrescentaram.
ResponderEliminarBelo comentário, amigo Agostinho!
Parabéns à senhora sua mãe, Rui!
Gosto de ler Eugénio de Andrade e gostei de aqui.
ResponderEliminarbeijinho e uma flor
um dia no liceu, uma professora disse numa aula em que estava que o Eugénio de Andrade era o seu preferido
ResponderEliminarnão sei se já tinha ouvido falar em poesia, mas agradeço-lhe
ou não
joaninha ai de cima, procura a maravilha.
ResponderEliminarOnde um beijo sabe
a barcos e bruma.
No brilho redondo
e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada
de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha.
e mais aqui
http://www.escritas.org/pt/eugenio-de-andrade