quarta-feira, 10 de junho de 2015

Camões, grande Camões

Celebração do grande poeta Camões por outros grandes poetas


“De Luís de Camões sabemos pouco, é certo, mas sabemos o suficiente para se não poder fazer dele outro modelo que não seja de singularidade. Pois em que padrão poderia transformar-se um homem que não estudou leis, não teve modo de vida conhecido, não levou nenhuma dama à igreja, não contribuiu para o aumento da população, não pertenceu a qualquer confraria, e cuja vida é capaz de ter sido mesmo das mais desgraçadas que jamais a qualquer português letrado coube em sorte? Camões, se modelo é, convenhamos que é apenas modelo de poesia e de liberdade e isso basta.”   
          
(Eugénio de Andrade, “Quem celebra quem” in Camões, nº1, Agosto de 1980, Ed. Caminho)



Camões

Nem tenho versos, cedro desmedido
Da pequena floresta portuguesa!
Nem tenho versos, de tão comovido
Que fico a olhar de longe tal grandeza.

Quem te pode cantar, depois do Canto
Que deste à pátria, que to não merece?
O sol da inspiração que acendo e que levanto,
Chega aos teus pés e como que arrefece.

Chamar-te génio é justo, mas é pouco.
Chamar-te herói, é dar-te um só poder.
Poeta de um império que era louco,
Foste louco a cantar e louco a combater.

Sirva, pois, de poema este respeito
Que te devo e professo,
Única nau do sonho insatisfeito
Que não teve regresso!

(Miguel Torga, Poemas Ibéricos)


Camões dirige-se aos seus contemporâneos

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E, mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

(Assis, 11/6/1961)

E diremos ainda com Sophia de Mello Breyner Andresen

Este país te mata lentamente…


15 comentários:

  1. Não sei se há outro país assim celebrado, com um poeta. Pese embora todos os males, isso é muito bonito.

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  2. Nos mata mesmo :(

    Excelente homenagem.

    Beijinho

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  3. Homenageando Camões, ( que 'cantando' espalhou por toda a parte o nome de Portugal - pois a tanto lhe chegou o engenho e a Arte - ) e os Grandes Poetas que o celebraram, fazes, brilhantemente, uma bela homenagem ao nosso País, Graça!
    Gostei!

    O País não é que nos está a matar...mata-nos quem nos está a governar!
    Ou não!! Matamo-nos nós...passiva e suavemente!

    Beijinhos lusitanos!

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  4. Este dia devia ser de Camões, como símbolo deste país, nunca da raça, até por o nosso poeta não ter qualquer problema em conviver, mesmo intimamente, com outros povos, de culturas, credos, e cores diferentes, Graça.

    abraço

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  5. Este é o Dia da Língua Portuguesa.

    Pela sua importância, é um dos feriados civis que não foram eliminados pelo Governo, que nos mata lentamente…

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  6. O Vate, que está mais que provado passou aqui por Macau (o meu amigo Eduardo Ribeiro encarregou-se disso com grande arte), celebrou Portugal como ninguém.
    Um dos muitos motivos de orgulho que devemos ter na nossa Pátria.
    Os homens, por mais mesquinhos que sejam, passam.
    E muito mais depressa do que julgam.
    Beijinhos

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  7. Bela homenagem que não mata quem nos cantou em lindos versos
    Pena que não matem os que em governos sucessivos são perversos.

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  8. ~ Uma homenagem justa e de pertinente bom gosto.
    ~~~ Abraço. ~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  9. Um momento conscientemente belo e tocante, Graça!
    Obrigada!
    Abraços.

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  10. Amiga Graça, lembrei-me também de um grande poeta brasileiro Manuel Bandeira
    que homenageia assim Camões.

    A Camões

    Quando nalma pesar de tua raça
    A névoa da apagada e vil tristeza,
    Busque ela sempre a glória que não passa,
    Em teu poema de heroísmo e de beleza.

    Génio purificado na desgraça,
    Te resumiste em ti toda a grandeza:
    Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
    O amor da grande pátria portuguesa.


    E enquanto o fero canto ecoar na mente
    Da estirpe que em perigos sublimados
    Plantou a cruz em cada continente,

    Não morrerá, sem poetas nem soldados,
    A língua que cantaste rudemente
    As armas e os barões assinalados.

    Um beijinho

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  11. Bela homenagem.
    Que dizer deste país? está tudo dito...
    BJs

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  12. Parabéns pela celebração.
    Vale mais do que a cortiça de Lamego para entreter patêgo.

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  13. As escolhas não poderiam ser melhores. Vou levar o de Assis, que penso ser o Pacheco. :)

    Abracinho

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