quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Ramalho Eanes

Nunca foi daquelas figuras da política que, à partida, me agradou. Não votei nele em 76 aquando da sua primeira eleição e, da segunda vez, foi uma antiga colega, mulher de um militar que o conhecia bem que me "convenceu" a votar nele. A criação do PRD, à saída de Belém, desiludiu-me de todo e, de então para cá, a figura do General desvaneceu-se-me completamente.

Daí que fosse surpreendida por esta homenagem repentina que nem entendi muito bem. Mais moderada do que penso que sou, fiquei, no entanto, um pouco chocada com o "verdete" que algumas pessoas da esquerda de que se pensam donos absolutos tentaram destilar sobre a dita homenagem chegando a afirmar que a ação do general, à época tenente-coronel, no chamado golpe do 25 de Novembro (de 1975) marcou o início do descalabro.

Não encontrei as palavras exatas nem o tempo necessário para, de alguma forma, aqui responder a esse tipo de provocação, mas que bom que há quem tenha as ditas palavras exatas para o fazer com a necessária elegância e subtileza, ainda por cima homem de esquerda. E é esse texto de Baptista-Bastos - uma vez mais (que não há de ser a última) - que deixo aqui como contestação de muitas opiniões, ou melhor, certezas absolutas que uma certa esquerda hermética e empedernida pretende sobrepor a tudo e a todos.


«Uma firmeza de carácter que poderia ser entendida com juízos contraditórios, tanto mais que ele raramente sorria. Conheci-o em 1977, durante o 11 de Junho, na Guarda. Fora enviado à cidade alta, para relatar, em uma página do Diário Popular, o que se me afigurava fastidiosamente desinteressante. Não o foi. E, em vez da página combinada, a qualidade comovente dos acontecimentos impeliram-me a escrever um suplemento de dezasseis. A acompanhar-me, Rocha Pato, correspondente do jornal em Coimbra, estimado camarada e jornalista fora do comum. O homem aparentemente distante, recém-eleito Presidente da República, foi à sala da imprensa. Quando lhe disse o meu nome, ele respondeu: "Sei muito bem quem o senhor é." E apertou-me a mão com firmeza e calor. António Ramalho Eanes. Ficámos amigos até hoje. Com ele viajei por Portugal e ao estrangeiro. Aprendi que ele dispunha de um sentido de ironia por vezes devastador, e que, apenas com uma frase era bem capaz de definir um homem e o seu cunho. Em épocas menos airosas da minha vida, havia sempre umas palavras, pelo telefone ou em carta. Certa vez, estava eu a passar pelos atropelos de uma insídia, ele telefonou e disse-me: "Não se esqueça de que só apedrejam as árvores que dão fruto." Não esqueci.

Um homem como este, que desperta a estima em pessoas tão diferentes como Miguel Torga, Jorge de Sena, Vasco da Gama Fernandes ou Manuel da Fonseca e Augusto Abelaira, terá de possuir algo de distinto e até de oposto aos hábitos e vícios da época. Num tempo desvairado, onde a mentira e a omissão se sobrepõem aos valores da integridade, da honra e da decência, Ramalho Eanes é peça quase única. Eu, pelo menos, conheço poucos ou nenhum que se lhe equipare. Ele é um homem com a respeitabilidade antiga, daqueles para quem o aperto de mão constituía um compromisso irrefragável; um desses raros cavalheiros da velha fidalguia de província que jamais quebra o pacto de decoro e de brio estabelecido consigo mesmo. De contrário, seria "uma vergonha."

A homenagem que lhe fizeram vem na hora própria porque abre um parêntesis de memória virtuosa no lamaçal em que se pretende afogar-nos. O Marcelo, como lhe é costume, tentou confundir a reunião da Aula Magna com o tributo a Eanes, demarcando uma como de Esquerda e outra de Direita. Astúcias frequentes no comentador, tal o velho palhaço Chacrinha, na televisão brasileira, que dizia: "Estou aqui para complicar; não para explicar." A verdade é que tanto Soares como Eanes, se não obtêm unanimidades, conquistaram o afecto de muita gente de Direita e de Esquerda, indiscriminadamente. Viu-se, aliás, nos dois acontecimentos aludidos. E se esse afecto não é determinado pelos mesmos motivos e razões, outros há, de certeza, que aclaram e justificam a sua peculiar natureza. Uma certeza: nenhum destes dois está no outro lado da História.»

BB, DN, 27/11/2013

14 comentários:

  1. Serei injusta, mas Ramalho Eanes nunca me agradou totalmente e nunca votei nele.

    Não gostei da sua deriva que deu origem ao partido do homem das vacas nem da sua colagem a Cavaco Silva, embora lhe faça a justiça de saber que valem muitíssimo mais do que o reformado de Boliqueime.

    Mas também não concordo com essa afirmação de que foi ele o iniciador do descalabro. Não , quem iniciou esta tragédia onde o país se afunda foi Cavaco enquanto primeiro-mistro!

    Fica bem

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  2. Quem tem essas afirmações não merece sequer resposta.
    E eu estou particularmente à vontade para afirmar isto porque nunca votei em Eanes.

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  3. Votei em Eanes duas vezes e mais votaria se ele ficasse.
    Não vi ainda outro que lhe queira seguir o exemplo.
    Não precisou de se colocar em bicos dos pés para ter autoridade nem de grandes caravanas para o bajular.
    A sua capacidade soube impor-se e a sua visão levou-o até onde outros nunca chegarão...
    A homenagem foi justa e tão justa que ele chorou comovido.

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  4. concordo com a homenagem, não com o dia escolhido.

    abraço Graça

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  5. Nunca votei nele embora o tenha por um homem sério!
    Merece a homenagem!

    Abraço

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  6. É normal nem todos gostarmos da mesma pessoa. Aliás, não me lembro que isso alguma vez tenha acontecido, nos mais variados ramos. Quanto a Ramalho Eanes, demonstrou ao longo dos tempos, tratar-se duma pessoa séria, sem paralelo nos políticos que nos tem governado, basta ver o que ele recusou que era em seu próprio benefício...

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  7. Olá, Graça
    Gosto do Baptista-Bastos, mas não é por isso que concordo inteiramente com o que escreveu acerca de Ramalho Eanes, em quem votei e votaria mil vezes, pois considero-o um homem 100% honesto e sério. Só lamento que não haja muitos como ele.

    Óptimo fim-de-semana.
    Beijinhos
    Mariazita
    (Link para o meu blog principal)

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  8. Votei duas vezes no General Eanes.
    Achava-o integro e a história provou-o.

    beijinho

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  9. Pode-se não simpatizar com um homem como não se gosta do amarelo, do vermelho ou do azul. A fotogenia, a simpatia e a vaidade são os atributos que são valorizados na sociedade atual em detrimento da honra e autenticidade de caráter. É dramático que não se vejam nos palcos partidários pessoas com a imagem de homem honesto, impoluto, de verdade como o general Eanes. Dramático para o país e para todos nós.

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  10. Mereceu a homenagem neste período tão pantanoso...É de excepção.
    M.A.A.

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  11. O Rui Veloso canta uma música, em que diz que já não há canções de amor como havia antigamente. Eu acrescento, que gente deste jaez, então políticos, é espécie inexistente...

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  12. Todos temos defeitos e Eanes não foge à regra, mas que é um homem honrado, integro e modesto (qualidades que aprecio) sobre isso não tenho dúvidas.

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