domingo, 29 de outubro de 2017

A Revolução Russa e os seus Escritores

«A Revolução Russa de outubro 1917, cujo centenário se comemora em novembro no nosso calendário, foi iniciada por um pequeno grupo de revolucionários profissionais que queriam transformar o mundo e criar a primeira sociedade comunista. A tomada do poder em Sampetersburgo, no entanto, desencadeou uma violenta guerra civil na Rússia e deu origem a um regime totalitário que para os artistas da época implicou um retrocesso criativo, levando ao triunfo de ideias conservadoras capazes de envergonhar a pior censura do tempo dos czares.

Quando estalou a revolução, a Rússia era ainda um país essencialmente rural, cujas riquezas estavam nas mãos de uma classe aristocrática separada do povo e habituada aos tempos da servidão dos camponeses. (…)

O descontentamento popular crescera na Rússia nos anos anteriores à revolução, pelo menos desde 1905, quando o regime czarista preferiu estupidamente reprimir uma manifestação contra o deficiente abastecimento alimentar. A queda do czar Nicolau II, em fevereiro de 1917, foi a consequência de uma contestação popular espontânea semelhante à de 1905, mas desta vez o protesto foi acompanhado do colapso do exército e, sobretudo, do desprestígio do monarca, uma personalidade fraca, incapaz de impedir a acumulação de rancores exacerbados pela guerra [de 1914], que já levava três anos.

O czar abdicou devido à pressão popular, ao elevado número de baixas militares, mas também por causa da fome, da incompetência e estupidez das elites, da repressão e da doença, da raiva acumulada pelo atraso crónico do país. Ao contrário do que acontecera no resto da Europa às revoluções liberais de meados do século XIX, a república burguesa foi uma mera transição que durou escassos meses, suplantada pela radicalização bolchevique de outubro (novembro no nosso calendário) cujo poder se baseou em assembleias populares, os sovietes, que rapidamente eliminaram o embrião de democracia parlamentar russa.

Sem massivo apoio popular, pelo menos do povo urbano, a revolução soviética jamais teria triunfado, sobretudo na guerra civil, que foi um extenso e cruel episódio de combates sem quartel e de intervenções militares externas. E esse apoio das massas foi acompanhado pelo idealismo de muitos artistas, nomeadamente escritores e poetas que aderiram depressa às promessas revolucionárias de uma literatura inovadora capaz de elevar os leitores e de transmitir ao mundo as novas ideias. Essa esperança de liberdade duraria pouco. Na realidade, os intelectuais e escritores da revolução foram rapidamente devorados pela violência e pelo instinto totalitário do novo regime. Pode até argumentar-se que uma das literaturas mais vibrantes do mundo foi assassinada, nos anos 30, pela obsessão estalinista de controlar todos os aspetos da vida dos cidadãos, usando os métodos do medo e da violência para silenciar qualquer atrevimento de individualismo.

Para sobreviver na literatura soviética, não era suficiente ser bom revolucionário, era preciso evitar erros políticos. Muitos escritores foram vítimas da sua inabilidade, por terem escolhido mal os protetores ou por terem escrito coisas comprometedoras em períodos em que se julgavam seguros. (…) após a abertura dos arquivos da polícia política (NKVD), os historiadores russos apuraram que dois mil intelectuais, académicos e artistas soviéticos foram presos durante as purgas do final dos anos 30 e que terão morrido nas prisões e nos campos de concentração mais de 1500, entre eles muitos escritores.»

(Parte do artigo “A Revolução que também devorou os seus escritores”, Luís Naves, in Ler, Verão 2017)

(Ilustração de Pedro Vieira)

4 comentários:

  1. Pobre povo russo, se mal estava, pior ficou! :(
    Não posso com a figura desse despótico Estaline.

    Fazes bem em lembrar uma Revolução, que alterou a História da Rússia dos Czares e tornou a URSS, na pior ditadura de esquerda, da História Universal. Nem os intelectuais foram poupados.Enfim...os entendidos, se quiserem, que se pronunciem...

    Eu sou assim um pouco como a irmã do Solnado: Gosto de dizer coisas!!...

    Beijinhos, Graça!




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    1. Tens toda a razão, Janita! Mesmo que ninguém comente, que ninguém leia, ainda devo trazer aqui mais um texto ou dois sobre o tema.

      Beijinhos.

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  2. Foi bom recordar a revolução russa. Mas é verdade que se apropriaram dela para fazer pior ao povo russo. E todos os que denunciaram os abusos foram mortos ou castigados. Os escritores foram grandes vítimas disso.
    Um beijo, Graça.

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