Ontem tive vontade de deixar aqui parte do extraordinário poema de Vinícius
– escrito antes de eu nascer, imagine-se! – «O Dia da Criação», o sexto, exatamente porque era sábado e porque
diz tanto da nossa natureza humana que tantas vezes tão pouco – ou nada – tem de
humano.
Depois dos tremendos atos de violência que se viveram esta semana em Cabul
e se têm vivido ultimamente por esse mundo fora, dá vontade de lamentar, como o
poeta tão bem faz, o sexto dia da criação – aquele em que o Senhor criou homem.
Parecia eu que estava a adivinhar que mais um “major incident” haveria de estar para acontecer. Uma vez mais em Inglaterra.
Dói-nos mais quando se passa aqui perto em locais que nos habituámos a amar
como se fossem nossos. E a mim parece-me que a França e a Inglaterra têm sido
por de mais massacradas.
E porque ontem foi mais um sábado desses violentos e violentados e eu
falhei com o poema, deixo-o aqui hoje … porque ontem foi sábado.
(…)
«Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó
Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal dona do abismo, que queres como as plantas,
imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em
queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a
renda e missa de sétimo dia,
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas
em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, frequentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem
vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no
Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.»
Vinícius de Morais, 1946
(para ler o poema completo,
clique aqui)
O Criador era/é um Ser muito trabalhador... ☺
ResponderEliminarAdoro o poema de Vinícius um vê, tb publiquei&o
ResponderEliminarKis :={
Que bom, Graça!
ResponderEliminarBeijos e boa semana
Se Deus não tivesse criado o homem, o mundo seria um paraíso.
ResponderEliminarMas apesar de tudo, eu sinto-me agradecida por existir.
Um abraço e uma boa semana
Ah, também eu!...
EliminarUma autêntica pérola.
ResponderEliminarBeijinhos, boa semana
Dá que pensar. E se o homem não fosse um ser racional?
ResponderEliminarBoa semana, Graça.
Talvez tudo estivesse bastante mais sereno.
EliminarÉ como tu dizes, Graça, dói mais quando os actos de terrorismo acontecem nas cidades onde fomos felizes, como por exemplo, LONDRES.
ResponderEliminarAgora vou ler o poema completo do brasileiro.
O mundo está conturbado.
ResponderEliminarSó o poeta harmoniza
Dor e amor em divisa
Que a soma é um resultado
Completamente isolado
Do real. É como a brisa
Que chega, que suaviza
Mas não se vê esse dado.
O pior do terrorismo,
Segundo medito e cismo
É como é concebido
Com falácia e com cinismo
Cujo teor do Islamismo
Nunca teceu tal tecido.
Grande abraço. Laerte.
Obrigada, Laerte, pela visita.
EliminarAbraço.
O homem tornou-se o maior inimigo do próprio homem - em qualquer dia, país, cidade, opção religiosa e outras. Perdeu-se a humanidade. Quanto vale uma vida?
ResponderEliminarAbraço.
Muito bem feita esta ligação do poema do Vinicius com os terríveis acontecimentos de sábado. Quando é que isto acaba?
ResponderEliminarUma boa semana, Graça.
Um beijo.
Obrigada, Graça. A mim parece-me que ainda não vai terminar tão cedo. As decisões dos Bush(s), dos Blair(s) e dos restantes incluindo o Barrosão deram nisto!
Eliminarboa semana, Graça.
ResponderEliminarGratíssima a todos pela meiguice das palavras.
ResponderEliminarBeijinhos.