Foi exatamente no dia de Santo António que Fernando Pessoa nasceu. Em 13 de
Junho de 1888. Há 129 anos.
E, sensível como era, o poeta não ficou indiferente a esse facto. Escreveu
mesmo um enorme poema de que deixo aqui alguns excertos.
«Nasci exactamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.
(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)
Adiante ... Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.
Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e ansiosa,
Etcetera...
(…)
Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instinto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.
(…)
(Qual santo nem santeza!
Deita-te noutra cama!)
Santos, bem santos, nunca têm beleza.
Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? ...
Tira lá essa capa!
Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico
Em fantasia, promoveu-te a manjerico.
(…)
Sê sempre assim, nosso pagão encanto,
Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António —
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo em santo?
O poema completo fica aqui
Não conhecia.
ResponderEliminarObrigada pela partilha.
Abraço e bom feriado.
Eu é que agradeço as suas visitas amáveis e constantes.
EliminarBeijinho.
Tinha 46 anos quando o escreveu...
ResponderEliminarPrefiro as suas quadras populares juvenis, regadas com uma boa bica,
a este poema desbocado de ''vencido na vida'', provavelmente
regado
com algum líquido ardente...
Uma vida que todos lamentamos.
«S joão, S joão, dá cá o balão...»
Beijinho
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Uma coisa é a vida que os autores e os artistas brilhantes escolhem levar e outra coisa é aquilo que escrevem. Eu pessoalmente acho que Pessoa foi um homem de uma extraordinária inteligência e um domínio da língua ora de série. Gosto. Sempre gostei.
EliminarS. João, S. João, dá cá uma balão
Para eu brincar...
Beijinho.
Uma novidade (das boas!!) para mim.
ResponderEliminarBeijinhos
Ainda bem que é das boas novidades, Pedro.
EliminarBeijinho.
Santo de contradições
ResponderEliminarbem humano é portanto
tão bom o seu encanto
que conserta das moças corações
Terá sido?! Acreditemos que sim...
EliminarPor muito que se leia Pessoa, sempre nos surge algo inédito.
ResponderEliminarGostei deveras do poema; longo, mas precioso.
Obrigada, Graça.
Beijinhos, bom feriado! :)
E o que mais estará por descobrir e por estudar...
EliminarBeijinho.
Um dos grandes homens nascidos em Junho.
ResponderEliminarUm poema menos conhecido, mas mesmo a calhar com a data em questão. E para rimar, vem aí o São João. Conheces algum poeta português que tenha nascido nesse dia?
Continuação de um domingo poético 😇
Vou à procura... Mas o Pessoa também o fez.
EliminarBeijinhos poéticos.
A tal ideia peregrina de que tudo o que FPessoa escreveu é sagrado, como se fosse o autor da bíblia...
ResponderEliminarEis a prova cabal de que muita tolice ficou armazenada na tal arca que guardou a criatividade, o engenho, mas também a miséria da vida de uma génio profundamente desadaptado ao seu tempo, cuja reclusão dedicada à escrita não incomodou ninguém, mas que veio a surpreender todos com o achado da arca...
Muito sinteticamente, foi uma pessoa que nunca se adaptou à turbulenta república, nem ao acordo ortográfico que o obrigava a escrever, horrorizado, pharmacia com um f...
Viveu sempre condicionado pela posição social, 'status' e censura da sua distinta família, da qual passou a ser o 'titio' solteirão.
Inconformismos que o levaram a falecer tão cedo de cirrose...
~~~ Beijinhos literários ~~~
Os grandes génio têm sempre dificuldade em adaptar-se à vidinha de pessoas ditas normais... O mesmo terá acontecido com Camões.
EliminarBeijinhos literários...
Não conhecia e gostei imenso!!!
ResponderEliminarBj
Ainda bem, Gracinha! Obrigada.
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