Veio cair-me no regaço, hoje, sem que o esperasse.
Setembro é tempo de poesia - que o diga Eugénio de Andrade que até escreveu uma Pequena Elegia de Setembro.
Mas o poema que vou aqui deixar hoje é da autoria de Cláudia r. Sampaio (e nem é minha prima, se bem que eu não me importasse...) de quem nunca ouvira falar, mas que achei mesmo forte e arrebatador. Poderia ter sido eu a escrevê-lo se para tal tivesse talento. E por isso, aqui o deixo.
Quando for embora não deixarei
Mas o poema que vou aqui deixar hoje é da autoria de Cláudia r. Sampaio (e nem é minha prima, se bem que eu não me importasse...) de quem nunca ouvira falar, mas que achei mesmo forte e arrebatador. Poderia ter sido eu a escrevê-lo se para tal tivesse talento. E por isso, aqui o deixo.
Quando for embora não deixarei
migalha de mim.
Levarei o cheiro a desorientada
melancolia e desastre
e não deixarei um cabelo que seja.
Levarei comigo as gatas e os livros,
a roupa deixo-a às minhas amigas,
o umbigo, à minha mãe.
Vou e não esqueço.
Partirei sem as orquídeas que
me assombram delicadeza
e sem os cactos que me superam
em estirpe.
Vou aberta como um eterno retorno
e na simplicidade de um bebé que
procura um sítio onde se sentar.
Aqui há a desactivação das almas à
nascença e a ovação aos tristes.
Há a exultação do silêncio profundo
e a altivez congratulada dos néscios.
Há o sangue cansado dos bichos
e a preparação para a fuga da terra.
Aqui há a terra sem terra e a saliência
do teu ombro morto.
Há orelhas frias que soluçam tarde
e uma cova a dizer adeus.
Por isso vou embora no sentido inverso
ao das árvores
numa descida clandestina à mulher que
morreu em ondas.
Vou embora e deixo o meu vinco que
não morre mesmo que me passem com
alcatrão fresco e me estiquem.
Deixo apenas a verdade dos meus
olhos quando pendurados na janela,
a sorrir mundos
deixo as abelhinhas doidas que ignoraram
o meu salto,
e o riso da desistência
porque ainda preciso de mim.
(para saber mais sobre a Cláudia): https://maquinadeescrever.org/2015/02/24/poesia-como-forma-de-martelar-o-mundo/
Boa escolha, Graça!
ResponderEliminarJá conhecia a história da Cláudia e por isso gostei mais de a ver aqui.
Beijo
Ah, e ainda ontem voltei a reler esse poema do Geninho. Até estive para o mostrar na minha 'casa'.
ResponderEliminarNão conhecia a Cláudia R. Sampaio, Graça.
ResponderEliminarGostei daquilo que dela li e, sobretudo, da sua convicção de que a poesia é uma forma de "martelar o mundo". :)
Uma excelente metáfora que me diz muito. Talvez, por isso, a sua forma de 'poetar' seja bastante contundente.
Não vou dizer que adorei o poema, mas gostei, achei-o diferente da poesia convencional, é demasiado metafórico e eu gosto mais da poesia verosímil, que se possa aplicar a uma vida comum.
Talvez seja essa a razão porque Eugénio de Andrade me cai tão bem! :)
Obrigada por partilhares e dar-nos a conhecer novos talentos para a poesia, que tanto gosto.
Beijinhos e bom fim de semana! :)
Ao ler o poema
ResponderEliminarlembrei-me de um título
lido
na minha adolescência
«Consideram-se mortos, e morrem»
(é pena,a Cláudia parece-me tão jovem...)
De facto, à partida "não bate a cara com a careta"...
ResponderEliminarMas depois de ler um bom pedaço da história contada no artigo que "linkaste", dá para entender melhor. Esta escritora é muito versátil e a experiência como guionista deve dar-lhe uma capacidade especial de poder vestir. ela também, outras "peles" na hora de escrever poesia.
Beijinhos Graça e obrigada pela partilha
(^^)
Vou publicar uma Pequena Elegia de Setembro no dia 6 de Setembro em homenagem à minha avó.
ResponderEliminarEugénio de Andrade é um dos meus poetas preferidos.
Desejo-te um fim de semana poético, Graça.
Gostei sobretudo da assertividade e lucidez de expressão.
ResponderEliminarTenho um canto lírico para publicar que também fala de um testamento...
Imensa criatividade e notável talento que divulgas com todo o
mérito.
Um fim de semana muito aprazível, querida amiga.
~~~ Beijinhos poéticos ~~~
Uma poesia arrebatadora ... sentida ... intensa!!!
ResponderEliminarGostei bastante! Bj
Grata a todos por terem gostado da minha (jovem) escolha.
ResponderEliminarClaro que Eugénio de Andrade é Eugénio de Andrade, um úbere de sensibilidade e talento. Dos melhores (cá para mim, claro...)
Bom fim de semana para todos.