sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Tempo de Poesia

Veio cair-me no regaço, hoje, sem que o esperasse. 
Setembro é tempo de poesia - que o diga Eugénio de Andrade que até escreveu uma Pequena Elegia de Setembro.

Mas o poema que vou aqui deixar hoje é da autoria de Cláudia r. Sampaio (e nem é minha prima, se bem que eu não me importasse...) de quem nunca ouvira falar, mas que achei mesmo forte e arrebatador. Poderia ter sido eu a escrevê-lo se para tal tivesse talento. E por isso, aqui o deixo.

 Quando for embora não deixarei
migalha de mim.
Levarei o cheiro a desorientada
melancolia e desastre
e não deixarei um cabelo que seja.
Levarei comigo as gatas e os livros,
a roupa deixo-a às minhas amigas,
o umbigo, à minha mãe.

Vou e não esqueço.
Partirei sem as orquídeas que
me assombram delicadeza
e sem os cactos que me superam
em estirpe.
Vou aberta como um eterno retorno
e na simplicidade de um bebé que
procura um sítio onde se sentar.

Aqui há a desactivação das almas à
nascença e a ovação aos tristes.
Há a exultação do silêncio profundo
e a altivez congratulada dos néscios.
Há o sangue cansado dos bichos
e a preparação para a fuga da terra.
Aqui há a terra sem terra e a saliência
do teu ombro morto.
Há orelhas frias que soluçam tarde
e uma cova a dizer adeus.
Por isso vou embora no sentido inverso
ao das árvores
numa descida clandestina à mulher que
morreu em ondas.

Vou embora e deixo o meu vinco que
não morre mesmo que me passem com
alcatrão fresco e me estiquem.
Deixo apenas a verdade dos meus
olhos quando pendurados na janela,
a sorrir mundos
deixo as abelhinhas doidas que ignoraram
o meu salto,
e o riso da desistência
porque ainda preciso de mim.






9 comentários:

  1. Boa escolha, Graça!
    Já conhecia a história da Cláudia e por isso gostei mais de a ver aqui.
    Beijo

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  2. Ah, e ainda ontem voltei a reler esse poema do Geninho. Até estive para o mostrar na minha 'casa'.

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  3. Não conhecia a Cláudia R. Sampaio, Graça.
    Gostei daquilo que dela li e, sobretudo, da sua convicção de que a poesia é uma forma de "martelar o mundo". :)
    Uma excelente metáfora que me diz muito. Talvez, por isso, a sua forma de 'poetar' seja bastante contundente.

    Não vou dizer que adorei o poema, mas gostei, achei-o diferente da poesia convencional, é demasiado metafórico e eu gosto mais da poesia verosímil, que se possa aplicar a uma vida comum.
    Talvez seja essa a razão porque Eugénio de Andrade me cai tão bem! :)

    Obrigada por partilhares e dar-nos a conhecer novos talentos para a poesia, que tanto gosto.

    Beijinhos e bom fim de semana! :)

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  4. Ao ler o poema
    lembrei-me de um título
    lido
    na minha adolescência

    «Consideram-se mortos, e morrem»

    (é pena,a Cláudia parece-me tão jovem...)

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  5. De facto, à partida "não bate a cara com a careta"...
    Mas depois de ler um bom pedaço da história contada no artigo que "linkaste", dá para entender melhor. Esta escritora é muito versátil e a experiência como guionista deve dar-lhe uma capacidade especial de poder vestir. ela também, outras "peles" na hora de escrever poesia.

    Beijinhos Graça e obrigada pela partilha
    (^^)

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  6. Vou publicar uma Pequena Elegia de Setembro no dia 6 de Setembro em homenagem à minha avó.

    Eugénio de Andrade é um dos meus poetas preferidos.

    Desejo-te um fim de semana poético, Graça.

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  7. Gostei sobretudo da assertividade e lucidez de expressão.
    Tenho um canto lírico para publicar que também fala de um testamento...
    Imensa criatividade e notável talento que divulgas com todo o
    mérito.
    Um fim de semana muito aprazível, querida amiga.
    ~~~ Beijinhos poéticos ~~~

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  8. Uma poesia arrebatadora ... sentida ... intensa!!!
    Gostei bastante! Bj

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  9. Grata a todos por terem gostado da minha (jovem) escolha.

    Claro que Eugénio de Andrade é Eugénio de Andrade, um úbere de sensibilidade e talento. Dos melhores (cá para mim, claro...)

    Bom fim de semana para todos.

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