Não. Não fui eu que fui a São Petersburgo embora a Rússia fosse uma
das minhas viagens de sonho.
Atualmente facilmente veremos as maravilhas da cidade de
Catarina a Grande se fizermos uma breve pesquisa no Google. Por exemplo aqui ou aqui ou ainda aqui.
Mas conhecer toda a radiografia
da cidade a partir de um texto, uma simples crónica de jornal, só se for elaborado
por quem sabe usar a língua, a escrita e o estilo. Foi o caso da crónica apresentada
pelo Professor Carlos Fiolhais que, por acaso – ou não – até é uma homem das
ciências…
«A primeira vez que ouvi falar de
S. Petersburgo foi nas Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett, onde o burgo
é associado ao frio: “Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos
Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como São Petersburgo —
entende-se.” Pois eu não viajei à roda do meu quarto mas saí até à cidade
russa.
Não encontrei o frio porque era
Agosto. Encontrei, isso sim, a cidade que conhecia dos livros de História: a
cidade de Pedro I, o Grande, o seu fundador em 1703 numa região pantanosa à
entrada no Báltico, banhada pelo rio Neva, e de Catarina II, também a Grande,
que içou a então capital da Rússia aos cumes da opulência. Quem já viu
palácios, igrejas e museus nas capitais europeias não viu nada até ter visto
São Petersburgo. Só palácios barrocos há mais de uma centena. Imperdíveis são o
Palácio de Inverno dos czares (sede de um dos maiores museus do mundo, o
Hermitage) e o Palácio de Verão (a uma meia hora do primeiro por hydrofoil).
Foi ao Palácio de Inverno que o cruzador Aurora, que ainda por ali permanece,
atirou os primeiros tiros da Revolução de Outubro, em 1917, vai fazer cem anos.
Foi no Palácio de Verão que, em 1941, Hitler quis dar uma recepção, face à
dificuldade em entrar na cidade, mas Estaline reagiu bombardeando o local. Está
tudo reconstruído, brilha o ouro barroco nos salões e nas fontes.
O motorista de táxi que apanhei
no aeroporto de Pulkova (perto de um histórico observatório astronómico que
serviu de modelo ao Observatório da Ajuda) indicou-me até onde chegaram os
blindados alemães. Agora está lá um enorme stand da Mercedes, pelo que
comentou: “Sempre é melhor do que tanques”. O seu avô tinha combatido no cerco
da cidade, que se prolongou por quase 900 dias, tendo tido a sorte de
sobreviver ao contrário de dois milhões de russos, que pereceram mais de fome
do que das bombas que caíam todos os dias, de manhã, à tarde e à noite. Ponto
alto da defesa da cidade foi a interpretação, que se tornou símbolo da
resistência russa, da Sétima Sinfonia de Dmitri Choskatovitch na Sala Grande da
Filarmónica a 9 de Agosto de 1942. Isso não impediu que o compositor, natural
da cidade, tivesse sido vítima da implacável censura estalinista. A cidade tem
sido pródiga em artistas, mas estes nem sempre foram bem vistos: Paolo
Troubetskoy, que fez uma estátua equestre de um dos últimos czares, respondeu
assim quando mudou o regime: “Eu não sou político. Só fiz um animal em cima de
outro.”
Há uma tradição sangrenta na
política russa. Foi em Leninegrado, isto é, São Petersburgo, que Estaline
mandou, em 1934, matar o seu número dois, o dirigente local Serguei Kirov,
iniciando uma purga que dizimaria uma boa parte dos dirigentes comunistas. Já
tinha sido em São Petersburgo, na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, que Pedro
I mandou torturar até à morte o seu próprio filho, Alexei, suspeito de
conspiração. Foi aí que Catarina II, alemã de nascimento, esteve por trás do
golpe de estado, perpetrado por um seu amante, contra o marido, Pedro III, neto
de Pedro I (o czar deposto morreria meses depois na prisão), para reinar longos
anos. Foi ainda aí que o filho de Catarina, Paulo I, foi assassinado, num forte
que mandou construir porque se sentia inseguro no Palácio de Inverno. A
Catedral de São Pedro e São Paulo, no centro da fortaleza, é o panteão dos
czares, onde estão Pedro e Paulo, dois dos primeiros Romanov assassinados. Mas
os regicídios foram mais. No sítio onde foi baleado Alexandre II ergue-se hoje
a portentosa Igreja do Sangue Derramado. Não, os últimos Romanov, Nicolau II e
a sua família, não foram mortos aqui pelos bolcheviques, mas estão sepultados
desde 1998 no panteão, após funerais nacionais com a presença de Ieltsin. Foram
todos santificados pela Igreja Ortodoxa.
São Petersburgo tem só 300 anos,
mas é um concentrado de história. Nas sinistras masmorras de São Pedro e São
Paulo estiveram como presos políticos Dostoievski, Trotsky e Krotpokin. A porta
do Neva ficou conhecida por “Porta da Morte” pois aí embarcavam os condenados a
pena capital ou a trabalhos forçados na Sibéria. O primeiro português que
esteve na capital imperial russa teve sorte madrasta: António Luís Vieira foi
recrutado em Londres por Pedro o Grande, que fez dele capitão da sua guarda, mas,
após a morte do monarca, acabou desterrado na Sibéria. Outro português na corte
russa foi António Ribeiro Sanches, que salvou a jovem Catarina II de uma doença
grave antes de ela ser coroada, e teve melhor sorte. Ainda no século das Luzes,
D. João Carlos de Bragança visitou São Petersburgo, tendo merecido um poema
encomiástico do escritor Aleksandr Sumarokov. Depois de se referir a Homero,
Virgílio e Camões, o poeta diz que “as zonas quentes são propícias à vinda a
este mundo de bons poetas”. Mas ele, nascido no frio, não se conformava: queria
também enfileirar na galeria.»
Carlos Fiolhais, Público 7de
Setembro de 2016
E agora viajo eu, aqui. :)
ResponderEliminarGraça, visitei S. Petersburgo em Junho deste ano, uma das cidades em que gostei mais de estar. Tenciono voltar.
ResponderEliminarBeijo e boa semana
Que bom, Isabel!!
EliminarBeijinhos viajados...
Muito se fala disto cá em casa , não fosse o Rodrigo um ex-politico, ele viveu uns meses na Russia e gostaria de voltar a visitar, mas...
ResponderEliminarBeijinho e boa semana.
Imagino!! Pena ele não escrever essas suas experiências! Preguiçosos os homens... eh eh eh eh...
EliminarBeijinhos para vós ambos.
Quem leu o "Cerco a Leninegrado" sabe o quanto o povo russo sofreu durante esse período fatídico, mas aqui a História é outra.
ResponderEliminarSão Petersburgo é a cidade que todos gostaríamos de conhecer.
Quem lá esteve, creio que há dois anos atrás, foi o nosso amigo CBO.
Se ele se aperceber deste teu post, certamente há-de cá vir falar sobre algumas das belezas, cheias de História, que por lá viu.
Perdi o comentário anterior, Graça. Este vai muito resumido, mas o que interessa é ler e não escrever!
Obrigada por este bocado de História Universal, Graça.
Beijinhos
Não li. Protejo-me muito de relatos de guerra e sofrimento. (Uma piegas como diria o outro...)
EliminarBeijinhos, Janita.
Gracinhamiga
ResponderEliminarGosto muito do Carlos Fiolhais e deste seu maravilhoso texto - porque já estive em Leninegrado e voltei a São Petersburgo, o seu velho e verdadeiro nome. O professor Fiolhais já disse tudo; só posso quero juntar que ainda no tempo de Leninegrado fui ver o Museu do Cerco.
Uma imagem emocionante do que foi o pesadelo dos 900 dias do cerco da cidade. As rações míseras que eram distribuídas à população e aos defensores; as armas utilizadas; o fornecimento de água pingo a pingo; os uniformes das tropas então soviéticas - estava lá tudo. Até se podia ouvir o silvo da sirene que anunciava os aviões da cruz gamada, numa gravação!
Quando voltei a São Petersburgo foi em serviço do DN a um congresso dos "velhos comunistas"; por isso não tive tempo para ver se ainda havia o Museu. Tomara que ainda exista. Para destruição já baou o Cerco. Durante 900 (volto a escrever - NOVCENTOS dias)!!!
Bjs da Raquel e qjs do Leãozão muito fanado
Este Henriquamigo já espiolhou quase o mundo todo... e eu aqui tão gira e nem à Rússia fui! Eh eh eh eh....
EliminarAgora a sério: quem me dera ter já viajado por esse locais todos por onde andou! Que bom deve ter sido!
Beijinhos de leoa para Leãozão...
E que linda viagem mental você nos proporciona, Graça! Obrigada!
ResponderEliminarAbraço.
Obrigada, Célia. Também eu viajei mentalmente...
EliminarQuero lá ir.
ResponderEliminarTalvez daqui a dois anos a caminho de mais uma visita a Portugal...
Beijinhos, boa semana
Que sortudo!!! Ainda bem!
EliminarBeijinhos
Maravilhosas fotos e descrição de uma interessante e linda viagem.Bela escolha de lugar! abraços, chica
ResponderEliminarObrigada pela visita, chica! Conheço você de comentários em outros blogs. Mas a menina não tem duas meninas, uma das quais é Elisa? Se calhar estou a fazer confusão com outra chica...
EliminarBeijinho
Uma viagem fantástica a todos os níveis esta que nos proporcionaste amiga Graça.
ResponderEliminarNão fui nem sou muito dada a viajar, mas agora com a net fica tudo ao alcança do nosso olhar.
Um beijinho e boa semana
O quê, uma Carneiro «metida em casa»?! Não é possível...
EliminarEu cá, se tivesse mais dinheirito, havia de visitar uns locais valentes...
Beijinhos
Com este magnífico texto de Carlos Fiolhais e com as fotografias fui até São Petersburgo sem sair da minha cadeira. Não é a mesma coisa, eu sei. Mas obrigada por esta viagem maravilhosa.
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.
As leituras levam-nos a todo o lado, Graça...
EliminarBeijinho
Graça, Primeiro pensei que tinhas ido buscar a Monalisa :) mas depressa compreendi que iamos todos viajar sentados nas nossas poltronas. A cidade é grandiosa felizmente que podemos dar estes passeios virtuais pois pelo menos para mim não vai ser possível lá ir pessoalmente!
ResponderEliminarbjs e boa semana.
Eh eh eh eh... gostei dessa de ir buscar a Mona Lisa, aquela maluca...
EliminarAinda bem que apreciaste «a viagem». Beijinhos
O enquadramento histórico da cidade está muito interessante,
ResponderEliminarFiolhais - prepara as suas viagens com esmero.
É tudo muito brilhante e deslumbrante, mas para ser apreciado...
com muito vagar.
A minha irmã esteve lá recentemente no verão e queixou~se
das filas intermináveis para entrar nos museus.
Putin, amicíssimo dos líderes ortodoxos, tem gasto fortunas
a recuperar edifícios que os governos anteriores deixaram
degradar profundamente, ainda assim, anda o turismo de mão
dada com o comunismo.
~~~ Beijinhos lusos ~~~
Sei que quem a visita...nunca mais se esquece!!!
ResponderEliminarGostei da partilha!!!
Bj