terça-feira, 23 de agosto de 2016

Hilariante, ou talvez não...

Quando, no ano da Revolução, mudei a minha vida toda aqui para Leiria, lisboeta bem habituada a Lisboa, senti falta de muitas, muitas coisas (acho que até falta de ar senti…) Porém, aquilo de que mais me senti foi mesmo a quase inexistência de transportes públicos.

Não tendo sido talhada para a condução automóvel (sim, a carta lá está numa qualquer gaveta no seu tom rosa forte e com a fotografia dos meus vinte anos) e morando na periferia da cidade(zinha) a três quilómetros da escola onde trabalhei sempre, tive enormes amargos de boca  para me fazer transportar dado que havia uns raros autocarros que faziam (e fazem) mal a ligação dos arredores a esta capital(zinha) de distrito. Além disso, o que não era melhor, é que nunca houve nesta terrinha (nem há) a noção do que era fazer uma bicha (desculpem a minha rudeza, mas recuso-me a dizer «fila») para apanhar um autocarro (carreira, como diziam…) de modo que era «tudo ao monte e fé em Deus», empurrões com cestas e as mãos das mulherzinhas nas nossas costas para nos empurrarem para dentro…

De facto, mesmo morando em Algés ou em Sintra, e naqueles tempos cinzentos de 50/60, sempre me movi para todo o lado utilizando transportes públicos. Aqui, penso que, somadas todas as horas e minutos que passei à espera do dito autocarro, daria uns belos meses senão mesmo anos… (Culpa minha, eu sei…) Uma coisa é certa, porém: nunca cheguei atrasada a nenhuma aula ou reunião de trabalho!

Ao longo destes anos todos, a situação dos transportes feitos pela mais que limitada Rodoviária do Tejo não se alterou em muito. Os autocarros passaram a ter uma frequência de 40 minutos, mas sem qualquer obrigação de cumprir horários, ou de fazer todas as carreiras. Aos sábados e domingos não havia autocarros e grande parte das redondezas continuaram sem ligação à cidade. Os alunos do meu local de habitação continuam ainda hoje sem autocarro para a EB2,3 que está situada a mais de dois quilómetros das suas casas…

Bom, mas aqui há uns quatro ou cinco anos, a nova autarquia resolveu criar uma carreia nova de ligação mais rápida e mais frequente dos locais da área urbana ao centro da cidade, a que chamou Mobilis. Muito bem, mas, hélas!! Apenas fazia a ligação da área “mais urbana”, que o resto da dita zona urbana ficou de fora. Gritos e barafustos das populações e dos autarcas das freguesias!! E, ao fim de muitos gritos e barafustos (e de alguns anos mais), finalmente a edilidade, cheia de boa vontade, lá alargou mesmo as voltas do Mobilis, chegando a locais mais «recônditos» do concelho e, pasme-se! até ao subúrbio onde moro que é, repito, a três quilómetros da «civilização»…

Ontem, resolvi-me a ir experimentar o Mobilis. Andei por Leiria (a ver as lojas e o castelo) e, depois de muito procurar, lá encontrei uma paragem da dita 8ª maravilha. Depois de muito esperar que o motorista convencesse (de forma irritantemente brincalhona) uma velha senhora que aquele carro era o que ela queria apanhar, lá consegui entrar e pagar o bilhete. Entraram mais pessoas e o motorista ia dizendo aos brados: «Vamos lá. Vamos lá, que quanto mais depressa entrarem, mais depressa partimos!». Só que alguém lhe ligou para o telemóvel e aí ele diz: «Desculpem lá, mas temos de esperar pelo Jorge! Se quiserem sair, estejam à vontade porque aqui dentro está muito calor!» 

Passado algum tempo, lá percebemos que o Jorge era o motorista do outro Mobilis que entretanto chegou com o carro e tivemos ordem de partida. E volta o motorista à carga: «Importam-se que leve a porta aberta porque está muito calor?». Vento a entrar, que bom, fresquinho, que ar condicionado não há! A senhora de idade, que ia sentada no lugar da frente, só não foi aspirada pela porta aberta porque era um bocado pesada… Uma senhora levanta-se e toca a campainha para sair; o motorista apercebe-se e pergunta no seu tom pseudo-brincalhão: «Quer sair? Tem de dizer, porque a campainha não toca! Mas quer sair onde? Aqui?» Que era ali atrás, na paragem, diz a senhora… Travagem a fundo e lá sai a senhora. «Até é bom a campainha não tocar! Assim há comunicação entre os passageiros e o motorista…» diz ele!

Aí lembrei-me que bom seria o vereador, vice-presidente, que conheço desde quando usava calções, viajar ali, disfarçado, claro, para ver funciona esta sua jóia da coroa…

E quer ele, e não só, que Leiria seja Capital Europeia da Cultura num destes anos… Ai, ai!


9 comentários:

  1. É esse o grande problema de muitos dirigentes políticos, Graça - dirigem de dentro dos gabinetes, não vêm à rua, não vivem.
    Beijinhos

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  2. Bom, há casos em que o progresso é de ontem. Desde que não esteja "aziumado" lá vais dando para enganar a fome.

    Bj.

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  3. Hihihih, Graça, adorei!
    Há uns trinta anos no Largo do Rato (em Lisboa), num Domingo, pouca gente no Autocarro 15, parados no semáforo subitamente o condutor abre a porta e diz: desculpem lá que eu tenho que ir ali! Desata a correr... passado uns minutos regressa e explica: é que estava ali um gajo a ver a montra e não é que é um ceguinho a quem dou esmola todas a as semanas?!?! Filho da mãe ....a enganar toda a gente !!!
    Bejs e vais ver que vai tudo funcionar mais década menos década :)

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  4. "Não tendo sido talhada para a condução automóvel". Conheço mais pessoas assim, que sendo exímias nas suas profissões, nunca se adaptaram à condução automóvel. Em Lisboa e arredores conduzir automóvel não é uma necessidade, pois os transportes públicos funcionam razoavelmente e os táxis também. Conheço bem as duas situações e verifico que na província é necessário, num casal, haver dois carros. Isto acontecerá, com certeza, com o seu vereador, vice-presidente, por isso a sua indiferença.

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  5. Pois eu, se não fosse o cartãozinho ( sim que agora já é cartão) cor-de-rosa, estava bem tramada, que já nem apeadeiro para o comboio tenho aqui no sítio...

    Gostei de ler essa "aventura". :)

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  6. As ditas "élites" , logo a começar pelo escalão mais baixo, encerram-se em torres de marfim e não têm noção nenhuma da vida no mundo real...

    Beijinhos solidários

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  7. Graça, sei bem do que falas, daí ser muito importante o carro no dia-a-dia. Dá-me autonomia e ajuda-me a não escavacar mais os nervos.
    O mais perverso do que relatas é que é comum vir da parte dos responsáveis argumentos relacionados com esse provincianismo bacoco dar tipicismo e ajudar as pessoas a ficar bem dispostas.
    E por isso continua a ser muito preciso que as pessoas denunciem essas situações.

    Beijos

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  8. Fiquei muito admirada!
    Nunca imaginei que fosse assim!
    Não sei como aguentaste, com a carta guardada!
    Com a prática, ias lentamente tornando-te uma exímia motorista.
    Beijinhos, amiga.
    ~~~~~~~~~~~

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  9. Hilariante claro!
    Inaceitável...também!
    Enfim...haja paciência... Bj!

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