Quando, no ano da Revolução,
mudei a minha vida toda aqui para Leiria, lisboeta bem habituada a Lisboa,
senti falta de muitas, muitas coisas (acho que até falta de ar senti…) Porém,
aquilo de que mais me senti foi mesmo a quase inexistência de transportes
públicos.
Não tendo sido talhada para a
condução automóvel (sim, a carta lá está numa qualquer gaveta no seu tom rosa
forte e com a fotografia dos meus vinte anos) e morando na periferia da
cidade(zinha) a três quilómetros da escola onde trabalhei sempre, tive enormes
amargos de boca para me fazer
transportar dado que havia uns raros autocarros que faziam (e fazem) mal a
ligação dos arredores a esta capital(zinha) de distrito. Além disso, o que não
era melhor, é que nunca houve nesta terrinha (nem há) a noção do que era fazer
uma bicha (desculpem a minha rudeza, mas recuso-me a dizer «fila») para apanhar
um autocarro (carreira, como diziam…) de modo que era «tudo ao monte e fé em
Deus», empurrões com cestas e as mãos das mulherzinhas nas nossas costas para
nos empurrarem para dentro…
De facto, mesmo morando em Algés
ou em Sintra, e naqueles tempos cinzentos de 50/60, sempre me movi para todo o
lado utilizando transportes públicos. Aqui, penso que, somadas todas as horas e
minutos que passei à espera do dito autocarro, daria uns belos meses senão
mesmo anos… (Culpa minha, eu sei…) Uma coisa é certa, porém: nunca cheguei
atrasada a nenhuma aula ou reunião de trabalho!
Ao longo destes anos todos, a situação
dos transportes feitos pela mais que limitada Rodoviária do Tejo não se alterou
em muito. Os autocarros passaram a ter uma frequência de 40 minutos, mas sem
qualquer obrigação de cumprir horários, ou de fazer todas as carreiras. Aos sábados
e domingos não havia autocarros e grande parte das redondezas continuaram sem
ligação à cidade. Os alunos do meu local de habitação continuam ainda hoje sem
autocarro para a EB2,3 que está situada a mais de dois quilómetros das suas
casas…
Bom, mas aqui há uns quatro ou
cinco anos, a nova autarquia resolveu criar uma carreia nova de ligação mais
rápida e mais frequente dos locais da área urbana ao centro da cidade, a que chamou
Mobilis. Muito bem, mas, hélas!! Apenas fazia a ligação da área “mais urbana”,
que o resto da dita zona urbana ficou de fora. Gritos e barafustos das
populações e dos autarcas das freguesias!! E, ao fim de muitos gritos e
barafustos (e de alguns anos mais), finalmente a edilidade, cheia de boa
vontade, lá alargou mesmo as voltas do Mobilis, chegando a locais mais
«recônditos» do concelho e, pasme-se! até ao subúrbio onde moro que é, repito,
a três quilómetros da «civilização»…
Ontem, resolvi-me a ir
experimentar o Mobilis. Andei por Leiria (a ver as lojas e o castelo) e, depois
de muito procurar, lá encontrei uma paragem da dita 8ª maravilha. Depois de
muito esperar que o motorista convencesse (de forma irritantemente brincalhona)
uma velha senhora que aquele carro era o que ela queria apanhar, lá consegui
entrar e pagar o bilhete. Entraram mais pessoas e o motorista ia dizendo aos
brados: «Vamos lá. Vamos lá, que quanto mais depressa entrarem, mais depressa
partimos!». Só que alguém lhe ligou para o telemóvel e aí ele diz: «Desculpem
lá, mas temos de esperar pelo Jorge! Se quiserem sair, estejam à vontade porque
aqui dentro está muito calor!»
Passado algum tempo, lá percebemos que o Jorge
era o motorista do outro Mobilis que entretanto chegou com o carro e tivemos
ordem de partida. E volta o motorista à carga: «Importam-se que leve a porta
aberta porque está muito calor?». Vento a entrar, que bom, fresquinho, que ar
condicionado não há! A senhora de idade, que ia sentada no lugar da frente, só
não foi aspirada pela porta aberta porque era um bocado pesada… Uma senhora
levanta-se e toca a campainha para sair; o motorista apercebe-se e pergunta no
seu tom pseudo-brincalhão: «Quer sair? Tem de dizer, porque a campainha não
toca! Mas quer sair onde? Aqui?» Que era ali atrás, na paragem, diz a senhora… Travagem a
fundo e lá sai a senhora. «Até é bom a campainha não tocar! Assim há
comunicação entre os passageiros e o motorista…» diz ele!
Aí lembrei-me que bom seria o
vereador, vice-presidente, que conheço desde quando usava calções, viajar ali,
disfarçado, claro, para ver funciona esta sua jóia da coroa…
E quer ele, e não só, que Leiria
seja Capital Europeia da Cultura num destes anos… Ai, ai!
É esse o grande problema de muitos dirigentes políticos, Graça - dirigem de dentro dos gabinetes, não vêm à rua, não vivem.
ResponderEliminarBeijinhos
Bom, há casos em que o progresso é de ontem. Desde que não esteja "aziumado" lá vais dando para enganar a fome.
ResponderEliminarBj.
Hihihih, Graça, adorei!
ResponderEliminarHá uns trinta anos no Largo do Rato (em Lisboa), num Domingo, pouca gente no Autocarro 15, parados no semáforo subitamente o condutor abre a porta e diz: desculpem lá que eu tenho que ir ali! Desata a correr... passado uns minutos regressa e explica: é que estava ali um gajo a ver a montra e não é que é um ceguinho a quem dou esmola todas a as semanas?!?! Filho da mãe ....a enganar toda a gente !!!
Bejs e vais ver que vai tudo funcionar mais década menos década :)
"Não tendo sido talhada para a condução automóvel". Conheço mais pessoas assim, que sendo exímias nas suas profissões, nunca se adaptaram à condução automóvel. Em Lisboa e arredores conduzir automóvel não é uma necessidade, pois os transportes públicos funcionam razoavelmente e os táxis também. Conheço bem as duas situações e verifico que na província é necessário, num casal, haver dois carros. Isto acontecerá, com certeza, com o seu vereador, vice-presidente, por isso a sua indiferença.
ResponderEliminarPois eu, se não fosse o cartãozinho ( sim que agora já é cartão) cor-de-rosa, estava bem tramada, que já nem apeadeiro para o comboio tenho aqui no sítio...
ResponderEliminarGostei de ler essa "aventura". :)
As ditas "élites" , logo a começar pelo escalão mais baixo, encerram-se em torres de marfim e não têm noção nenhuma da vida no mundo real...
ResponderEliminarBeijinhos solidários
Graça, sei bem do que falas, daí ser muito importante o carro no dia-a-dia. Dá-me autonomia e ajuda-me a não escavacar mais os nervos.
ResponderEliminarO mais perverso do que relatas é que é comum vir da parte dos responsáveis argumentos relacionados com esse provincianismo bacoco dar tipicismo e ajudar as pessoas a ficar bem dispostas.
E por isso continua a ser muito preciso que as pessoas denunciem essas situações.
Beijos
Fiquei muito admirada!
ResponderEliminarNunca imaginei que fosse assim!
Não sei como aguentaste, com a carta guardada!
Com a prática, ias lentamente tornando-te uma exímia motorista.
Beijinhos, amiga.
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Hilariante claro!
ResponderEliminarInaceitável...também!
Enfim...haja paciência... Bj!