quinta-feira, 12 de maio de 2016

Sobre o modo conjuntivo

Sabemos bem que grande parte de nós não se dá bem com o modo conjuntivo. E eu digo «nós» apenas para não parecer arrogante, que a minha vontade era mesmo dizer «grande parte dos portugueses» ou até mesmo «dos tugas». São muitos os opositores do acordo ortográfico de 1990 – daqueles que dizem que defendem a «bela língua de Camões» - que surpreendemos a mal-usar e a maltratar o pobre do conjuntivo…

Em boa verdade o modo verbal do conjuntivo é uma das grandes dores de cabeça de professores – e alunos – das línguas de origem latina. Sim, que a culpa é apenas e só mesmo do raço do latim. Veja-se o inglês, uma língua de estrutura gramatical tão mais simples – por isso se tornou “língua universal” – se não arrasou com o modo conjuntivo, nivelando-o com o modo indicativo que é bem mais simples e mais simpático… Por isso, em tempos, quando os miúdos no 5º ano ainda escolhiam entre o estudo do Francês ou do Inglês, nas primeiras aulas nós lhes perguntávamos «Então porque escolheste o Inglês?» e eles, inocentes, coitadinhos, respondiam «Porque não tem verbos»…

Bom, mas todo este intróito apenas porque esta manhã, enquanto me dedicava àquelas tarefas domésticas (terrivelmente execráveis e deprimentes, diga-se) de varrer, lavar, arrumar, me lembrei de uma daquelas canções portuguesas, portuguesinhas, dos idos de 50 que dizia: «Ai se os meus olhos falassem, amor…»

Por essa época, anos 50, tempos da minha 1ª/2ª classes, viemos viver aqui para a Vieira de Leiria (oh como eu estava predestinada!...) porque o meu pai veio trabalhar para os escritórios da fábrica de limas dos Feteiras. A vida era tão, mas tão diferente daquilo a que estávamos habituados em Lisboa que nos arranjaram uma criadita (entenda-se que era assim que se dizia nesse tempo), a Diamantina, uma jovenzinha que mais não tinha do que treze ou catorze anos e cujo percurso escolar desconheço em absoluto para minha mãe nas limpezas, ir encher os cântaros com água (à picota), levar-me e buscar-me à escola (que a menina não podia andar sozinha por aqueles caminhos…) Deus do céu, o que aprendi com ela sobre aspetos da vida na aldeia!

Ora acontecia que a Diamantina cantava muito enquanto lavava e limpava. E uma das suas canções favoritas, que ela cantava com um enorme fervor, era exatamente aquela «Ai se os meus olhos falassem, amor». Só que ela – e lá vem o malvado do modo conjuntivo – cantava, quase gritando: «Ai se os meus olhos falassam amor, talvez a ti te contassam o que eu não conto a ninguém…»

Por muito que o meu pai e a minha mãe – que era professora – a emendassem e a fizessem repetir a forma verbal corretamente, ela nunca conseguiu cantarolar a canção em bom conjuntivo…





16 comentários:

  1. Muita conversa de senhora professora e afinal, trazes-nos uma bela e simples canção onde a letra está muito bem explicada!, Ó Graça!! :)
    Aí pelos meus meus treze anos cantava-a eu muito! Assim a cantassem os meus olhos e talvez a ti te contassem o que não conto a ninguém...:))

    E aquela : "Da Janela do meu Quarto"...Lembras-te, Graça?

    Vejo a luz do quarto dela
    quando a Lua vem brincar
    nos telhados das vielas.

    Gostei muito de relembrar aqueles bons velhos tempos!

    Beijinhos

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    1. Também eu, Janita. E as canções do Tristão da Silva tinham letras bem bonitas! Bem me lembro delas porque passavam muito na rádio e eram muito cantaroladas lá em casa.

      Beijinhos

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  2. grato, Graça

    pelo apreço que tens por meus textos
    e pela amizade, simpatia e boa disposição com que recebes as "impertinências" do herético..

    beijo

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    1. e... quais impertinências? Costumo dizer aos meus alunos que em poesia pode-se tudo. E aqui digo: aos poetas pode tolerar-se tudo...

      Beijinho e que tenha corrido tudo bem lá na Ass 25 de Abril.

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  3. Belo pretexto para recordar tempos idos e boa gramática!

    Beijinhos, Graça :)

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  4. ~~~
    Andava alguém demasiado distraído, não reparando nos olhos do triste...

    Nos anos 60, tivemos uma empregada em Lisboa, a Augusta, vinda
    da província, que achava que tínhamos uma panela de impressão.
    Apesar de todos os esforços, ninguém a conseguiu convencer do contrário.
    A popularização da televisão teve o grande mérito de contribuir muito para
    a correção da linguagem oral, incluindo os sotaques.

    Pois se a nossa pachorra falasse, talvez contasse o que nos vão divertir
    as novas cenas do mirabolante AO de 1990...

    Há, mesmo, pessoas com muita dificuldade de adaptação...

    ~~~ Beijinho, Graça. ~~~

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    1. Lá "cheira" mal esta cena em torno do AO...
      Essa da panela de impressão também está muito bem apanhada...

      Beijinhos e bom fim de semana.

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  5. Engraçado. Sei que foi uma canção que se ouviu muito em determinada época. Mas sempre que a oiço, vejo-me pequenita, no barração de madeira junto ao rio, no quarto dos meus pais, único com janela para a rua, num dia de tempestade, as águas do rio agitadas, e eu a ouvir a canção pelos auscultadores da galena do meu pai.
    Decerto que a ouvi muitas outras vezes, mas quando a oiço sempre me vem à memória este quadro. Porque será?
    Um abraço e bom fim de semana

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    1. A nossa memória faz e abedece a associações incríveis e tão marcantes, não é, Elvira?

      Beijinhos.

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  6. Se os nossos olhos falassem ...
    Temos sorte em não ter surgido alguém a dizer que o modo conjuntivo está na origem das conjuntivites.
    Bom fim de semana, Graça, um beijinho.

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    1. Eh eh eh eh eh.... O Observador no seu melhor!!!

      Beijinhos sem conjuntivites nem outras ites...

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  7. O conjuntivo é realmente um problema tramado. Felizmente li o comentário do Observador e assim evitei ser acusado de plágio, por ter pensado em brincar com a minha conjuntivite.
    Bom FDS Graça

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    1. Então boas melhoras da dita conjuntivite - que, por acaso não deriva do conjuntivo...

      Beijinho.

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  8. Coitada da cachopa..., p´ra mais, pretérito imperfeito... Mas, apesar de tão pequena, sabia, de ginjeira, como usar a vírgula!!!
    Gostei desta, Graça.
    BFS

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  9. Que engraçada que é esta música! Não conhecia mas ele tem uma bela voz.
    bjs

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