Rómulo de Carvalho morreu num dia 19 de Fevereiro no ano de
1997.
Rómulo de Carvalho viveu 90 anos.
O poeta, António Gedeão, viveu 34 anos.
"Diz a minha mãe que eu comecei a fazer versos aos 5
anos e aos 10 tive a comoção de ver os primeiros impressos e públicos.
Escrever poemas foi sempre para mim um estado de angústia,
um sofrimento autêntico. Amorteci todo esse sofrimento durante anos até ao dia
em que por motivos dolorosos me desfiz dele por completo na ingénua presunção
de que me atrapalhava. Sobre isso passaram vinte anos.
Após eles... tive trágica conversa comigo mesmo, a sós, e
resolvi nascer de novo."
Carta a Jorge de Sena, de 29-12-1963
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"Poema da Eterna Presença"
Estou, nesta noite cálida, deliciadamente estendido sobre a
relva,
de olhos postos no céu, e reparo, com alegria,
que as dimensões do infinito não me perturbam.
(O infinito!
Essa incomensurável distância de meio metro
que vai desde o meu cérebro aos dedos com que escrevo!)
O que me perturba é que o todo possa caber na parte,
que o tridimensional caiba no dimensional, e não o esgote.
O que me perturba é que tudo caiba dentro de mim,
de mim, pobre de mim, que sou parte do todo.
E em mim continuaria a caber se me cortassem braços e pernas
porque eu não sou braço nem sou perna.
Se eu tivesse a memória das pedras
que logo entram em queda assim que se largam no espaço
sem que nunca nenhuma se tivesse esquecido de cair;
se eu tivesse a memória da luz
que mal começa, na sua origem, logo se propaga,
sem que nenhuma se esquecesse de propagar;
os meus olhos reviveriam os dinossáurios que caminharam
sobre a Terra,
os meus ouvidos lembrar-se-iam dos rugidos dos oceanos que engoliram
continentes,
a minha pele lembrar-se-ia da temperatura das geleiras que
galgaram sobre a
Terra.
Mas não esqueci tudo.
Guardei a memória da treva, do medo espavorido
do homem da caverna
que me fazia gritar quando era menino e me apagavam a luz;
guardei a memória da fome;
da fome de todos os bichos de todas as eras,
que me fez estender os lábios sôfregos para mamar quando
cheguei ao mundo;
guardei a memória do amor,
dessa segunda fome de todos os bichos de todas as eras,
que me fez desejar a mulher do próximo e do distante;
guardei a memória do infinito,
daquele tempo sem tempo, origem de todos os tempos,
em que assisti, disperso, fragmentado, pulverizado,
à formação do Universo.
Tudo se passou defronte de partes de mim.
E aqui estou eu feito carne para o demonstrar,
porque os átomos da minha carne não foram fabricados de
propósito para mim.
Já cá estavam.
Estão.
E estarão.
ANTÓNIO GEDEÃO
(Retirado da página do facebook de sua filha, a escritora Cristina Carvalho.)
Inspirador e inspirado, sempre!
ResponderEliminarBj.
Ás vezes o que lemos é tão bonito que não se pode dizer nada.
ResponderEliminarBjs
Tenho um post de um dia...De lá, retiro esta quadra. Do porquê de o fazer, não digo nada. Não necessito de o fazer, digo apenas que me reconheço nela (tal como Meu Contrário e Minha Alma)
ResponderEliminar.
« Chamei o meu ser que pensa
para ralhar com o que sente
Sempre que os ponho em presença
sorrio, piedosamente.»
.
António Gedeão
Parece que foi ontem... o tempo voa.
ResponderEliminarLuísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada...
~~~
ResponderEliminarAgradeço a partilha desta admirável homenagem da Cristina
Carvalho.
Muito apreciado, por todos, como poeta, Rómulo de Carvalho
também foi um excelente professor, autor de obras didáticas
muito conceituadas no seu tempo, com condições de impressão
e ilustração muito diferentes das atuais.
Revelavam uma grande devotação aos jovens estudantes liceais.
Lembro-me, de modo especial, dos «Cadernos de Iniciação
Científica»
«Ser professor tem que ser uma paixão - pode ser uma
paixão fria, mas tem que ser uma paixão. Uma dedicação.»
~~~ Beijinhos, Graça. ~~~
Sempre se renasce a cada poema... Homenagem tocante!
ResponderEliminarAbraço.
Bonito este trabalho, Graça.
ResponderEliminarBela homenagem ao poeta-professor.
Parabéns.