quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Faria hoje 89 anos

Escultura de Dorita Castel-Branco

David Mourão-Ferreira faria hoje 89 anos se não tivesse partido há já tanto tempo. Faleceu em 1996, em Lisboa, sem deixar de escrever em Os Ramos e os Remos que…

“Antes de sermos fomos uma sombra
Depois de termos sido que nos resta?
É de longe que a vida nos aponta
É de perto que a morte nos aperta.”

Dele lembro a sua figura direita a passar pelos corredores da Faculdade, o cachimbo – nesse tempo ainda não era pecado fumar dentro dos edifícios públicos – a gabardina dobrada num braço e os livros levados em riste na outra mão. Atitude sobranceira de quem tem de se fazer sobressair, que adultos já éramos todos nós (ou quase – nesse tempo a idade adulta só vinha aos 21 anos); atitude altiva de quem se sabia admirado (cobiçado?) pelas alunas.

Dele relembro a arrogância de quem se negou a dar continuidade às aulas teóricas de Teoria da Literatura quando o Professor Monteiro Grilo – o poeta Tomaz Kim – morreu de apoplexia em pleno Rossio em fins de Janeiro de 67 – apenas porque não dava aulas a alunos do 1º ano…

Tiques de uma personalidade, de uma profissão, de uma época.

Dele tenho lido alguns/muitos poemas desgarrados que me têm aparecido em seletas e coletâneas e, agora, em blogs. De estilo finíssimo, por de mais sensuais e sempre com as palavras exatas.

Dele li, aí por finais de 80 e quase de um fôlego, Um Amor Feliz, o seu único romance. Belo pedaço de prosa poética na sua linha de sensualidade nua e crua, em que, para além de relatar os amores e desamores de um velho artista plástico casado, nomeadamente os seus amores com Y, uma estrangeira uns vinte anos mais nova que ele e também ela casada, faz uma descrição crítica de Lisboa e do país, no contexto político do pós-25 de Abril. Muito bom!

"Um Amor Feliz" foi considerado pelo seu autor, aquando da sua publicação em 1986,  como sendo "um cântico de amor e de paixão erótica; uma sátira política a certa nova sociedade portuguesa; um romance do romance em que se vêem acareados o narrador e o autor; um ajuste de contas comigo mesmo".

Para finalizar a evocação da efeméride, transcrevo o poema inédito «Hebraico-mourisco, meu nome», datado de 12 de Janeiro de 1948 e que ora foi publicado no último Jornal de Letras, dedicado ao poeta David Mourão-Ferreira.

“Hebraico-mourisco, meu nome,
Não sei o que quer dizer.
Sei que não matas a fome
A quem me quer conhecer.
Quem me quiser conhecer
Tem que descer mais ao fundo
Do que o nome lhe disser;
Por trás do nome, há um mundo.
Quem quiser é só descer.”

28 comentários:

  1. Deste senhor, pouco li. Talvez um ou outro poema na escola... lembro-me mais dos programas a preto e branco, com o famoso cachimbo na boca (naqueles tempos até na televisão se fumava) e tenho uma vaga ideia da sua passagem pelo governo.

    R: A esperta é parva, porque faz doce de tomate que mete num chinelo qualquer um dos que aparecem no mercado e cai sempre na esparrela.
    Não vale a pena, porque quando uma alentejana mete uma coisa na cabeça, não ouve ninguém. ahahah

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    1. Ah ah ah ah.... O que eu gostei da resposta!!! AH! E também gosto muitos dos/das alentejanos/as...

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  2. ~~~
    As tuas opiniões pessoais são muito interessantes.

    Há quem goste
    de divinizar os grandes poetas e construir-lhes aras
    onde só admitem belas oferendas.

    Na tentativa de desmitificar, saio com a impressão de
    que me consideraram desagradável, apesar do meu zelo...

    ~~~ Beijinhos, Graça. ~~~

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    1. Obrigada, Majo! As minhas opiniões... raramente abdico delas... Carneiro, eh eh eh....

      Beijinho

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  3. Também li Um amor feliz.
    [A história até tem parte do cenário no Algarve... :)]

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    1. Claro! Como poderiam não ter passado pelo Algarve com essas praias super românticas?

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  4. Dele já li muitos poemas. O romance não.
    Um abraço

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  5. Não foi meu professor em Letras, mas vi-o por lá algumas vezes. Excelente escritor e Poeta com Maiúscula !

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  6. Dele li Os Amantes e Outros Contos.
    De Um Amor feliz tenho a ideia que fizeram uma série de que vi parte.

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  7. Dele li Os Amantes e Outros Contos.
    De Um Amor feliz tenho a ideia que fizeram uma série de que vi parte.

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  8. Gracinhamiga

    A vida de um jornalista (que abandonou o Direito para escrevinhar) tem momentos bons e momentos maus - como todas as vidas. Por vezes tem privilégios qque muitos admiram outros invejam.

    Fui grande amigo do David que, por brincadeira, dizia: Somos ambos Ferreiras... E eu respondia-lhe O bom és tu, o mau sou eu.... Mal imaginava que mais tarde a minha afirmação risonha seria "adoptada" pelo sr. Costa do BdeP em relação ao BES de triste memória.

    Com os meus 17 anos tentei ser "namorado" da Pilar - que havia der a sua segunda mulher. Foi ela que meu as primeiras lições de condução no seu Renault Dophine.

    Quando muito mais tarde - era ele director da "CAPITAL" assegurou-me que isso não tinha importância nenhuma - se se tratasse da Amália, então sim, seria um cataclismo.. E logo saíram muitas gargalhadas - dos dois.

    Tenho saudades do David que era um gajo bué da fixe...

    Bjs e qjs do casal picante, especialmente do Leãozão

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    1. Henriquamigo, gostei de saber dessas intimidades... Obrigada.

      Beijinhos.

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  9. Lembro-me com saudades dos seus programas na RTP !
    ... e como é estranho deixarem de se ver programas desse tipo na nossa TV !!! :((

    Beijinhos ! :)

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    1. Realmente fazem muita falta esses programas culturais "bué da bons" que passavam antigamente na RTP. Agora é só futebol e comentadeiros da treta!

      Beijinhos

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  10. Um pouco vaidoso... mas boa pessoa!

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  11. Espero que a estatueta não seja uma representação fiel do senhor, ou teria um grande problema de costas.

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  12. Dizem que era , vaidoso e talvez arrogante, disso nada sei mas que gosto muito do que escreveu eu sei!
    Acho até curioso porque me acontece que quer conheça ou não as palavras sempre as recebo com surpresa e me tocam de modo diferente.
    Gosto mesmo muito dele/obra.
    xx

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  13. Amiga Graça, dele lembro-me da postura séria e sábia no seu programa poesia na televisão. Numa altura em que a cultura passava na televisão.

    um beijinho

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    1. É verdade! Nemésio, Agostinho da Silva e tantos outros. Agora futebol e baixa política...

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    2. O Nemésio também era fantástico!Todos!
      bjs

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  14. uma plêiade em vias de extinção...
    quem hoje os reedita e divulga?

    a não ser uns "moicanos" que teimam na sobrevivência ...

    beijo

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  15. Recordo-me da televisão. Não tenho nenhum livro dele mas li alguma poesia dispersa dele (muito 2 pês - precisa e perfeita). A ideia que tenho é de ter sido uma pessoa vaidosa e brilhante, tipo aço inoxidável...
    Bj.

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