Depois de termos todos (ou quase
todos, claro!) sido votados à qualidade de pobrezinhos, chegou a vez de nos
vermos forçados a sermos todos muito bonzinhos. Vem-me à cabeça os ensinamentos
de bondadezinha e de caridadezinha para com os pobrezinhos que nos queriam impor
nas aulas da Mocidade e da catequese de que, não sei como, consegui fugir nos
idos de 60.
Ontem tive de ir a um supermercado
fazer umas compras de última hora e lá estava a falange das voluntárias com os
sacos do Banco Alimentar. Lá aceitei um pouco contrariada já que não posso
deixar de pensar nos trezentos euros que todos os meses me descontam para uma tal
taxa de solidariedade que, com este nome, deveria ajudar (com os mais euros que
mensalmente são subtraídos a todos os reformados do país) a cobrir as faltas
dos cada vez mais necessitados.
Quando cheguei à caixa para
pagar, perguntam-me se quero arredondar para ajudar. «Não! Já chega!» – Isto depois
de, no dia anterior, me terem querido vender, à porta da farmácia, umas não sei
que coisinhas para ajudar as crianças deficientes e no dia atrás ter sido abordada
para contribuir para um peditório para os bombeiros!
Mas em que país vivemos? No país
da mão estendida? Depois de nos subtraírem tudo o que podem e não podem até quase
a vontade e a alegria de viver vêm sacar-nos o resto apelando para a nossa
bondade (e mais profundamente para o nosso temor) em nome de uma solidariedade
que os “nossos” sacadores não sentem nem propiciam?
São as recolhas para o Banco
Alimentar, são os livrinhos da Leopoldina, são os CD cuja compra revertem para
não sei que instituição, são os constantes peditórios… E quanto ganham os
supermercados com estas campanhas? E porque não fazem campanhas solidárias
junto daqueles 10% de portugueses abastados que este anos ficaram ainda muito mais
abastados? E o governo para que serve? E o que fazem com o rendimento das muitas
taxas de solidariedade com que forçosamente contribuímos?
É que, enquanto se exploram os
sentimentos de piedade e de temor dos menos esclarecidos da população, vai-se
criando uma bolha de medo e de submissão no povo e vão-se poupando mais umas
quantias que poderão ser postas à disposição sabe-se lá de quê!
Escolhemos o mesmo tema. Se abrir o link vai dar a um post do ano passado... de lá lhe trago um poema que a Lídia Borges me deixou nos comentários...
ResponderEliminarPENÚLTIMO ACTO
A noite em fundo
e o desalento prostrado
à boca de cena
A acusação nos rostos,
cortados em tão pouca vida...
A penumbra sobre o palco, dói!
E os olhos cheios de palavras:
Não quero as roupas usadas,
os sapatos que os vossos pés desprezaram,
o gesto de lavar culpas nas vossas mãos.
De que servem as orações, as confissões
se até esta sopa quente que me dais,
esta sopa que, na noite gélida, me aquece, me salva,
tem o sabor amargo da contrição.
O que quero eu?... Sabeis o que eu quero?
É a vida que me roubais
A coberto da mentira
das vossas pseudo-filosofias
das vossas fomes e iras...
Sabeis o que quero?
Romper as vossas leis de uma só face
A vossa hipocrisia que castra
o meu legítimo direito à decência.
Porque fingis querer agora salvar-me
Esquecidos que sois do motivo
por que devo ser salvo.
(...)
Lídia Borges
ResponderEliminarHoje a tua roseira tem picos muito agrestes.
Ninguém é obrigado a dar o que quer que seja... Mas curiosamente, a caridade é considerado o sentimento mais puro... ainda mais que o Amor.
Mas a caridade deve ser cultivada na alma... e não apenas no simples ato de abrir o porta moedas para dar os trocos que não nos fazem falta.
Até a Mafalda já é cáustica.
ResponderEliminarLivra!!
Não podia estar mais de acordo com o texto.
ResponderEliminarAs pessoas talvez se esqueçam que os supermercados, onde se instalam esses peditórios, nesse dia têm um valor de vendas muito superior a um dia normal. Não há descontos nos produtos adquiridos, o estado não deixa de levar a taxa do IVA, no final quem lucra menos são os necessitados. É tal e qual como aqueles famosos telfonemas de valor acrescentado para ajudar causas solidárias quem fica com a maior parte do dinheiro é a PT.
Os bons dos portugueses, dão tudo até a roupa do corpo, mas devem também abrir os olhos, porque qualquer dia se precisarem, já não há nada para os agora contribuintes/benfeitores.
Portugal: país de pedinchas, de cima a baixo! Os de cima pedem por decreto, os de baixo com rifas.
ResponderEliminarÉ uma realidade que atravessa toda a sociedade. Caixas de esmolas nas igrejas e capelinhas, Cruz Vermelha, Liga Contra o Cancro, Cáritas, pirâmides de vigarice nas televisões, sorteios de toda a espécie, melhor, de toda a sorte, comissões populares, blá, blá, blá, comissões de pais, escolas e escolinhas. Tudo o que é instituição formal ou ad-hoc pede neste país!
Pensando nisto, para que é que existe o mistério das finanças?
Digo mistério não ministério porque não se percebe como é que são derretidos milhões e milhões de forma totalmente irreponsável.
Estão a julgar agora um senhor que foi presidente de câmara de Alandroal. Pelo que dizem deixou um passivo de 30 milhões? Ninguém sabia? Como foi possível num concelhinho daqueles? Trinta milhões! Ninguém impediu, fiscalizou! Para que servem as Inspeções-Gerais? Para estarem refastelados nos gabinetes, em Lisboa?
Quando são mediatizados casos destes (GNR de Albufeira, Isaltino e agora o Alandroal) eu rio-me porque sei e todos sabemos que o fenómeno da ladroagem e da corrupção está presente em todo o lado. Atrevo-me a pensar que não há nenhum município que não sofra ou tenha sofrido deste mal nos últimos anos.
Não há lei nem tribunais que cheguem para julgar este país.
Sabes que fujo das grandes superfícies...
ResponderEliminarEm todo o caso o título que deste ao post é bastante apropriado!
Cada qual manifesta a sua solidariedade à sua maneira...a minha não é assim!
Abraço
na realidade é um pouco a consciência de cada um a trabalhar aquando do estender do saco, ou caneta, ou peluche, ou lá o que for. espera-se que a boa vontade prevaleça face a alguma objetividade.essa mesma objetividade que este post,contém. A Mafalada, essa é intemporal na forma cáustica em que s eexpressa. mas cheia de graça,graças ao Quino.
ResponderEliminar
ResponderEliminarTens razão, Graça, em tudo quanto dizes. A minha solidariedade não está no arredondamento nem no saco com mais pacotes de arroz ou de feijão.
Beijinho