quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O gira-discos



Lá naquela escola onde trabalhei uma vida (quase) inteira havia, no tempo em que ainda se podia fumar dentro das escolas, duas salas de professores contíguas: a da fundação, maior e bem mobilada para os não fumadores e uma outra, atamancada à pressa e por falta de espaço, tipo marquise, de menor dimensão e “categoria” para os fumadores. Curiosamente era nesta que se reuniam os professores mais novos e onde o pessoal ria e se divertia porque os mais antigos na escola e quem precisava de estar sossegado e trabalhar, recolhia-se na original. Dividia-as uma porta.

Ora um dia apareceu, nessa porta, um cartaz muito engraçado com dinossauros e com o título de «Parque Jurássico». Desde então, a sala para os não fumadores passou a ser chamada sempre pelo Jurássico.

Foi assim que me senti hoje: pertencente e tratada como se pertencesse ao Jurássico.

Eu conto. A aparelhagem cá de casa  – jurássica, claro! com rádio, leitor de CD e de cassetes e com gira-discos e tudo –  avariou. Irrevogavelmente. (onde é que já ouvi isto?!) E hoje foi dia de ir à procura de um novo aparelho de som. Como já não existem aquelas lojas “da nossa confiança” porque fecharam todas, lá tive de ir às FNAC(s) e às Worten(s) onde apenas encontrei aparelhos hi-tech de várias marcas e de vários preços mas apenas com rádio e leitor de CD(s). Como não prescindo de ouvir os meus imensos discos de vinil, decidi procurar um funcionário para perguntar se havia aparelhos com gira-discos. Dirigi-me a um lugar que pomposamente tinha o nome de  «Balcão de Atendimento» onde estava uma jovem menina muito simpática e muito bem pintadinha e a quem fiz a minha modesta pergunta. Quando falei em gira-discos, vi a carinha da menina transformar-se num enorme ponto de interrogação. Aí, e ainda sem usar de ironia, disse: «Estou a ver que a menina é jovem de mais para saber o que é um gira-discos…» mas então, com o meu melhor poder de mímica, expliquei por palavras e por gestos o que era um gira-discos. Ora a menina, depois de olhar enigmaticamente para o teto e de remexer nas suas (breves) memórias mais remotas, exclamou: «Ah! O meu pai tinha uma coisa dessas lá em casa! Para ouvir uns CD(s) assim muito grandes!...» «Discos…», atalhei eu. «Sim, mas eu chamo-lhes CD(s)», continuou a menina já cheia de uma bonomia simpática por mim… E concluiu: «Pois, aqui não. Não temos… Talvez se tentar nas lojas de antiguidades…» Eu já estava a ficar um bocado cansada (e irritada) com a ignorância da menina do balcão de atendimento, mas com o máximo de assertividade (americanices que entraram na nossa vida quotidiana mercê dos cursos em gestão…) que consegui reunir, retorqui com um sorriso forçado: «Está a chamar-me velha?!» Que não, disse a menina sorrindo muito. Mas ficou na dela: certa da minha idade por de mais avançada e sem ideia nenhuma da sua extrema ignorância. Mais para uma menina que está num balcão de atendimento de uma loja de nome nacional.

13 comentários:

  1. Quando as vendas não são compensadoras, colocam-se funcionários "baratos"...
    Parece que o nosso país é uma imensa loja de saldos e é preciso fazer uma pesquisa séria, no sentido de sabermos o que queremos comprar, antes de chegar à loja.

    Mulher prevenida...

    Beijinho.

    ResponderEliminar
  2. Eheheh, essa menina ainda por cima está desatualizada, até porque a moda do vinil voltou outra vez... :)

    Beijocas

    ResponderEliminar
  3. Tenho dezenas de LPs e doí-me o coração não poder tocá-los...

    ResponderEliminar
  4. Como tenho dois gira-discos ainda me vou safando!
    O pior é se avariarem ao mesmo tempo...
    Tenho os meus discos e os dos meus filhos que ainda conheceram essa antiguidade e não os levaram com eles quando saíram de casa!
    Como é que a tal menina me classificaria com filhos a saber o que é um disco?! :) Jurássica!

    Abraço

    ResponderEliminar
  5. Há umas décadas havia os "transístor" ou "rádio de bolso", assim se chamavam esses pequenos aparelhos, que serviam para ouvir música, notícias e o relato do futebol. Recentemente quis adquirir um desses aparelhos para oferecer a uma senhora que está num lar e que mostrou esse desejo. Qual quê, ninguém nas lojas sabia o que isso era! Não tardará muito que, as meninas que irão substituir essa atendedora das FNAC´s, não saibam mais o que era o Compact Disc...

    ResponderEliminar
  6. A culpa não foi da menina mas de quem a pôs naquele ponto de atendimento.
    Criam-se organizações "perfeitas" como mandam os manuais mas, depois, falha-se no recrutamento e formação do pessoal. Muitas vezes o critério de seleção não são os conhecimentos mas sim uma carinha larocas, pintada a preceito.
    A FNAC tem gira-discos à venda.
    Se o episódio chegar aos ouvidos do gerente a menina vai para a rua.

    ResponderEliminar
  7. pareceu-me que o "jurássico" estava muito bem representado, pois o gosto pelo vinil é intemporal, daí que, não haja anacronismo. a pequena atendedora de profissão, se calhar perdeu-se nas memórias de família e não atinou com o que aprendeu na formação para estar ao balcão!

    ResponderEliminar
  8. Compreendo o teu estado de espírito, até porque também há muito tempo que quero um gira-discos ( há tanto que nem sequer sei se os discos de vinil ainda se podem ouvir ou já não).

    Mas a responsabilidade não é dela : é de quem lhes dá formação de atendimento .Se é que dá...

    E não te conto o que me aconteceu para não caíres para o lado!

    Dorme bem, rrss

    ResponderEliminar

  9. Procurar um gira-discos na Fnac ou na Worten é no mínimo "estranho"

    Dizem-me aqui, ao lado, que os há na "Makro" (hipermercado).

    O nosso ainda funciona.

    Bom Ano!

    Lídia

    ResponderEliminar
  10. Que sorte Leo e Lídia! Eu tinha dois gira-discos: um com a idade do meu casamento, de muito boa marca (o gira-discos, claro! não o casamento...) que ardeu há uns meses; e este da aparelhagem que ganhou humidade e não se consegue fazer ouvir. Ainda hei de tentar um possível arranjo. Não sei onde...

    ResponderEliminar
  11. E nao pediste para falar com o gerente?!

    ResponderEliminar
  12. A Graça vai receber um alerta sobre um assunto relacionado !:))
    Um amigo meu tem "só" 6000 álbuns de vinil e uma "mesa de mistura com 2 gira discos" ! :))
    .

    ResponderEliminar
  13. Já vi na sua página do facebook, amigo Rui! Bolas! 6000 álbuns é um bocado de mais!...

    ResponderEliminar