sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Insofrimento



Ao contrário das lágrimas dos velhos
ao contrário do riso dos melífluos
estas correntes postas nos artelhos
estes circuitos postos nos testículos.

Chocalhamos a raiva quando calha
quando não calha calha-nos a vez
e falha-nos a voz e somos a escumalha
dum país vasilhado e pretoguês.

Ai Dom Sebastião
tão tão tão
tão encoberto que pouca gente sabe
que o nevoeiro encobre
um português suave.

Ai Dona Leonor
dor dor dor
dor tão fina tão santa tão concórdia
que tanta gente aposta
na bosta que lhe oferece a misericórdia.

Ai nossa Dona Inês
talvez talvez talvez
que Pedro Justiceiro nos coma o coração
- era Pêro Pinheiro
com um pêro na mão.

Ai meu Pedro
meu erro
minha torre
meu cedro

minha altura de medo
de aonde me quebro.

(1969)


Faria hoje 75 anos se a morte não o tivesse surpreendido em Janeiro de 84.

 

9 comentários:

  1. Lindo Graça, adorei!

    Todos sofremos.

    O mesmo ferro oculto

    Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta

    O mesmo sal nos queima os olhos vivos.

    Em todos dorme

    A humanidade que nos foi imposta.

    Onde nos encontramos, divergimos.

    É por sermos iguais que nos esquecemos

    Que foi do mesmo sangue,

    Que foi do mesmo ventre que surgimos.


    Ary dos Santos

    beijinho e uma flor

    ResponderEliminar
  2. Um homem na cidade
    Agarro a madrugada
    como se fosse uma criança
    uma roseira entrelaçada
    uma videira de esperança
    tal qual o corpo da cidade
    que manhã cedo ensaia a dança
    de quem por força da vontade
    de trabalhar nunca se cansa.

    Vou pela rua
    desta lua
    que no meu Tejo acende o cio
    vou por Lisboa maré nua
    que se deságua no Rossio.

    Eu sou um homem na cidade
    que manhã cedo acorda e canta
    e por amar a liberdade
    com a cidade se levanta.

    Vou pela estrada
    deslumbrada
    da lua cheia de Lisboa
    até que a lua apaixonada
    cresça na vela da canoa.

    Sou a gaivota
    que derrota
    todo o mau tempo no mar alto
    eu sou o homem que transporta
    a maré povo em sobressalto.

    E quando agarro a madrugada
    colho a manhã como uma flor
    à beira mágoa desfolhada
    um malmequer azul na cor.

    O malmequer da liberdade
    que bem me quer como ninguém
    o malmequer desta cidade
    que me quer bem que me quer bem!

    Nas minhas mãos a madrugada
    abriu a flor de Abril também
    a flor sem medo perfumada
    com o aroma que o mar tem
    flor de Lisboa bem amada
    que mal me quis que me quer bem!


    dos meus preferidos e tão bem cantado pelo Grande Carlos do Carmo

    http://youtu.be/aUEGq2GZHtQ

    Beijinhos Graça (este é só para si!) <3

    ResponderEliminar
  3. E a vontade que me dá
    Fazer
    Hoje
    Um interregno para coisas belas...

    ResponderEliminar
  4. Cheguei a ouvi-lo... ao vivo! Apenas uma vez.

    ResponderEliminar
  5. Um poeta de mão cheia , que eu gostava de ouvi recitar pela força que punha nas palavras!

    Bons sonhos, Gracinha.

    ResponderEliminar
  6. Morreu o homem mas a obra será eterna!

    Abraço

    ResponderEliminar
  7. Sabe sempre bem recordar Ary.

    Obrigado

    ResponderEliminar
  8. Que sorte Catarina! Infelizmente nunca o ouvi ao vivo.

    É isso, São: a força que punha nas palavras!

    Um poeta de mão cheia! E o de belas canções de cujas letras foi autor. Que lindas letras/poemas escreveu especialmente para o Fernando Tordo e para o Carlos do Carmo!

    Obrigada pelos vossos poemas.

    ResponderEliminar