domingo, 16 de outubro de 2011

Porque hoje é domingo


Nasceu em Santiago do Cacém fez ontem cem anos, o escritor Manuel da Fonseca, poeta e contista neo-realista que, no dizer de Mário Dionísio, seu contemporâneo e amigo, teria, "como todos os jovens universitários ou não (e muito não) que se juntavam nos cafés de Lisboa, como nos de Coimbra e do Porto, de Vila Franca ou de Santiago", "um coração pulsando por todos os «humilhados e ofendidos», uma obstinada recusa a ser feliz num mundo agressivamente infeliz, uma ânsia de dádiva total e o grande sonho de criar uma literatura nova, radicada na convicção de que, na luta imensa pela libertação do homem, ela teria um papel inestimável a desempenhar contra o egoísmo, os interesses mesquinhos, a conivência, a indiferença perante o crime, a glorificação dum mundo podre."


(Manuel da Fonseca, à direita, no café, com Augusto Abelaira
e Fernando Assis Pacheco)


E porque hoje é domingo, esta «invenção desta civilização capitalista» - o dia que eu também sempre considerei o mais deprimente da semana - deixo aqui parte do seu longo e brutal poema "Domingo" que poderão ouvir na totalidade, se para isso tiverem paciência, no excelente desempenho do melhor diseur português de todos os tempos (digo eu!) - Mário Viegas.


Quando chega domingo,
faço tenção de todas as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida.

Há quem vá para o pé das águas
deitar-se na areia e não pensar…
E há os que vão para o campo
cheios de grandes sentimentos bucólicos
porque leram, de véspera, no boletim do jornal:
«Bom tempo para amanhã»…
Mas uma maioria sai para as ruas pedindo,
pois nesse dia
aqueles que passeiam com a mulher e os filhos
são mais generosos.


Um rapaz que era pintor
não disse nada a ninguém
e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos
andam pensando porque seria.
Só não relacionam que se matou num domingo!


Mariazinha Santos
(aquela que um dia se quis entregar,
que era o que a família desejava,
para que o seu futuro ficasse resolvido),
Mariazinha Santos
quando chega domingo,
vai com uma amiga para o cinema.
Deixa que lhe apalpem as coxas
e abafa os suspiros mordendo um lencinho que sua mãe lhe bordou,
quando ela era ainda muito menina…
Para eu contar isto
é que conheço todas as horas que fazem um dia de domingo!


À hora negra das noites frias e longas
sei duma hora numa escada
onde uma velha põe sua neta
e vem sorrir aos homens que passam!
E a costureirinha mais honesta que eu namorei
vendeu a virgindade num domingo
— porque é o dia em que estão fechadas as casas de penhores!


Há mais amargura nisto
que em toda a História das Guerras.

Partindo deste principio,
que os economistas desconhecem ou fingem desconhecer,
eu podia destruir esta civilização capitalista, que inventou o domingo.
E esta era uma das coisas mais belas
que um homem podia fazer na vida!





10 comentários:

  1. E vão três... (com o Mário quatro)...
    Há mortos que não morrem e há vivos que nunca chegam a viver...
    Este poema tem outra dimensão na voz do Mário Viegas. Lindo!
    (Obrigado)

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  2. Muito bonito o poema, como um domingo.
    Eu gosto do Domingo, pois fico descansando e, se posso vou ao cinema, e se está calor eu vou ...a praia, que um banho de mar me anima e revigora.

    Se a maioria vai pras ruas a pedir, eu penso: coitados!Tenho pena.
    *O poeta diz bem o poema, da costureirinha à amargura de toda a civilização.
    Belíssimo!
    Domingo que vem...podemos fazer coisas belas, vamos pensar no quê.
    Adorei, e na voz dele ficou mais belo ainda o poema.
    Beijo da Mery*
    Escrevi um conto bonito agora há pouco, se quiseres ler, será bom ver o teu comentário lá.
    Eu te agradeço por postares esse video, fiquei encantada.



    Pensa, amiga, o domingo é o dia do Senhor,

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  3. Um belo poema na voz do excelente diseur Mário Viegas que foi meu colega no Liceu de Santarém!
    Sempre que se fala dele eu digo isto porque me sinto muito honrada! :-))

    Abraço

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  4. Por que será que o domingo pode ser tão deprimente?
    Fiquei a conhecer o poema. Thanks! : )

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  5. Fica-se a cismar...

    Por causa das coisas, hoje nem quis saber se era Domingo ou outro dia qualquer.

    Passei o dia a cavar, a preparar um boacadito de terra para semear nabiças...
    se calhar saem é nabos, sei lá.

    Com tanto economista de meia tigela que até chegam a Presidentes da República, vá-se lá saber como ou porquê, outros que dizem que são capazes de governar um povo muito melhor que o Sócrates (qual será?!...nem se dá por ele! Então mas era o papão-mor! E agora?!...É tudo à bruta, sempre a malhar nos mesmos?) e por isso ganha eleições e não é capaz de cumprir uma promessa que seja,

    sabem,
    nunca imaginei
    que isto estivesse assim
    desculpem lá
    mas tenho que concordar
    com o snr Ministro das Finanças

    e com o snr Trichet
    se não ele põe-se a dizer
    que andamos na vagabundagem
    e atira-nos borda fora

    Euro?
    Seus malandros
    trabalhem mais
    que têm de pagar
    muitos juros
    e é se querem
    fingir que vão
    viver a vida
    conforme o isco
    que vos mostrámos

    Bandidos...

    -
    Palavras bonitas as do snr. Bispo D. António, no Sábado, na Sé. Cultura com base no estudo do património religioso!...
    E música celestial do grande órgão da Sé!...

    Entretanto, a realidade do dia a dia a tornar-se muda e cega!...

    Que mundo este!

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  6. Carol
    Excelente!!! Foi muito bom rever.
    Beijinho e uma flor

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  7. Manuel da Fonseca, uma referência na Literatura Portuguesa e que adoro reler.

    Mário Viegas, um modo de dizer que marca qualquer texto a que emprestou a voz e o sentir.

    Beijo

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  8. A magnífica interpretação de Mário Viegas num dos poemas de Manuel da Fonseca de que mais gosto - "domingo".

    Salvou-me o dia. Bem haja.

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  9. Obrigada por terem gostado.

    Amigo António: bandidos é pouco!Filhos da mãe, ou melhor, da outra!

    Rosinha, tu andaste no liceu com toda a gente fina: ele foi o Alberto Martins, o Mário Viegas, e quem mais? Gente fina é outra coisa...

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