Nasceu em Santiago do Cacém fez ontem cem anos, o escritor Manuel da Fonseca, poeta e contista neo-realista que, no dizer de Mário Dionísio, seu contemporâneo e amigo, teria, "como todos os jovens universitários ou não (e muito não) que se juntavam nos cafés de Lisboa, como nos de Coimbra e do Porto, de Vila Franca ou de Santiago", "um coração pulsando por todos os «humilhados e ofendidos», uma obstinada recusa a ser feliz num mundo agressivamente infeliz, uma ânsia de dádiva total e o grande sonho de criar uma literatura nova, radicada na convicção de que, na luta imensa pela libertação do homem, ela teria um papel inestimável a desempenhar contra o egoísmo, os interesses mesquinhos, a conivência, a indiferença perante o crime, a glorificação dum mundo podre."
(Manuel da Fonseca, à direita, no café, com Augusto Abelaira
e Fernando Assis Pacheco)
E porque hoje é domingo, esta «invenção desta civilização capitalista» - o dia que eu também sempre considerei o mais deprimente da semana - deixo aqui parte do seu longo e brutal poema "Domingo" que poderão ouvir na totalidade, se para isso tiverem paciência, no excelente desempenho do melhor diseur português de todos os tempos (digo eu!) - Mário Viegas.
Quando chega domingo,
faço tenção de todas as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida.
Há quem vá para o pé das águas
deitar-se na areia e não pensar…
E há os que vão para o campo
cheios de grandes sentimentos bucólicos
porque leram, de véspera, no boletim do jornal:
«Bom tempo para amanhã»…
Mas uma maioria sai para as ruas pedindo,
pois nesse dia
aqueles que passeiam com a mulher e os filhos
são mais generosos.
Um rapaz que era pintor
não disse nada a ninguém
e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos
andam pensando porque seria.
Só não relacionam que se matou num domingo!
Mariazinha Santos
(aquela que um dia se quis entregar,
que era o que a família desejava,
para que o seu futuro ficasse resolvido),
Mariazinha Santos
quando chega domingo,
vai com uma amiga para o cinema.
Deixa que lhe apalpem as coxas
e abafa os suspiros mordendo um lencinho que sua mãe lhe bordou,
quando ela era ainda muito menina…
Para eu contar isto
é que conheço todas as horas que fazem um dia de domingo!
À hora negra das noites frias e longas
sei duma hora numa escada
onde uma velha põe sua neta
e vem sorrir aos homens que passam!
E a costureirinha mais honesta que eu namorei
vendeu a virgindade num domingo
— porque é o dia em que estão fechadas as casas de penhores!
Há mais amargura nisto
que em toda a História das Guerras.
Partindo deste principio,
que os economistas desconhecem ou fingem desconhecer,
eu podia destruir esta civilização capitalista, que inventou o domingo.
E esta era uma das coisas mais belas
que um homem podia fazer na vida!
E vão três... (com o Mário quatro)...
ResponderEliminarHá mortos que não morrem e há vivos que nunca chegam a viver...
Este poema tem outra dimensão na voz do Mário Viegas. Lindo!
(Obrigado)
Muito bonito o poema, como um domingo.
ResponderEliminarEu gosto do Domingo, pois fico descansando e, se posso vou ao cinema, e se está calor eu vou ...a praia, que um banho de mar me anima e revigora.
Se a maioria vai pras ruas a pedir, eu penso: coitados!Tenho pena.
*O poeta diz bem o poema, da costureirinha à amargura de toda a civilização.
Belíssimo!
Domingo que vem...podemos fazer coisas belas, vamos pensar no quê.
Adorei, e na voz dele ficou mais belo ainda o poema.
Beijo da Mery*
Escrevi um conto bonito agora há pouco, se quiseres ler, será bom ver o teu comentário lá.
Eu te agradeço por postares esse video, fiquei encantada.
Pensa, amiga, o domingo é o dia do Senhor,
Um belo poema na voz do excelente diseur Mário Viegas que foi meu colega no Liceu de Santarém!
ResponderEliminarSempre que se fala dele eu digo isto porque me sinto muito honrada! :-))
Abraço
Por que será que o domingo pode ser tão deprimente?
ResponderEliminarFiquei a conhecer o poema. Thanks! : )
Fica-se a cismar...
ResponderEliminarPor causa das coisas, hoje nem quis saber se era Domingo ou outro dia qualquer.
Passei o dia a cavar, a preparar um boacadito de terra para semear nabiças...
se calhar saem é nabos, sei lá.
Com tanto economista de meia tigela que até chegam a Presidentes da República, vá-se lá saber como ou porquê, outros que dizem que são capazes de governar um povo muito melhor que o Sócrates (qual será?!...nem se dá por ele! Então mas era o papão-mor! E agora?!...É tudo à bruta, sempre a malhar nos mesmos?) e por isso ganha eleições e não é capaz de cumprir uma promessa que seja,
sabem,
nunca imaginei
que isto estivesse assim
desculpem lá
mas tenho que concordar
com o snr Ministro das Finanças
e com o snr Trichet
se não ele põe-se a dizer
que andamos na vagabundagem
e atira-nos borda fora
Euro?
Seus malandros
trabalhem mais
que têm de pagar
muitos juros
e é se querem
fingir que vão
viver a vida
conforme o isco
que vos mostrámos
Bandidos...
-
Palavras bonitas as do snr. Bispo D. António, no Sábado, na Sé. Cultura com base no estudo do património religioso!...
E música celestial do grande órgão da Sé!...
Entretanto, a realidade do dia a dia a tornar-se muda e cega!...
Que mundo este!
Gostei de rever. Obrigada!
ResponderEliminarBj
Carol
ResponderEliminarExcelente!!! Foi muito bom rever.
Beijinho e uma flor
Manuel da Fonseca, uma referência na Literatura Portuguesa e que adoro reler.
ResponderEliminarMário Viegas, um modo de dizer que marca qualquer texto a que emprestou a voz e o sentir.
Beijo
A magnífica interpretação de Mário Viegas num dos poemas de Manuel da Fonseca de que mais gosto - "domingo".
ResponderEliminarSalvou-me o dia. Bem haja.
Obrigada por terem gostado.
ResponderEliminarAmigo António: bandidos é pouco!Filhos da mãe, ou melhor, da outra!
Rosinha, tu andaste no liceu com toda a gente fina: ele foi o Alberto Martins, o Mário Viegas, e quem mais? Gente fina é outra coisa...