quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Dia Internacional da Língua Materna

O Dia Internacional da Língua Moderna foi proclamado pela UNESCO em 1999 com o objetivo de proteger e salvaguardar as línguas faladas em todo o planeta.

A escolha do dia 21 de fevereiro para comemorar o Dia Internacional da Língua Materna serve para lembrar a população mundial da tragédia que ocorreu em fevereiro de 1952, na cidade de Daca, no Bangladesh. Vários estudantes foram mortos pela polícia enquanto protestavam pelo reconhecimento da sua língua - o bengalês - como um dos dois idiomas oficiais do então Paquistão.

A nossa bela Língua Materna é falada nos vários continentes, sendo em cada um deles “adoçada” pelos respigos culturais de cada um desses grupos de falantes. Não é a “língua de Camões” como tantos gostam de a apodar e definir. É a língua de todos e cada um de nós que a usamos – melhor ou pior – a cada dia que passa. Isso é que faz a sua riqueza, a sua diversidade.



E, por muito que eu goste dos escritos de Camões – e mais ainda de Pessoa – não é a nenhum deles que recorro para, hoje, celebrar a nossa bela Língua Materna.

Deixo dois textos que li ainda muito jovem (o primeiro fazia parte do meu livro de Leituras da 4ª classe) que me fascinaram e de que nunca mais me esqueci.

O estatuário

«Arranca o estatuário uma pedra destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.

O mesmo será cá, se a vossa indústria não faltar à graça divina. É uma pedra, como dizeis, esse índio rude? Pois trabalhai e continuai com ele (que nada se faz sem trabalho e perseverança), aplicai o cinzel um dia e outro dia, daí uma martelada e outra martelada, e vós vereis como dessa pedra tosca e informe fazeis, não só um homem, senão um cristão, e pode ser que um santo.»

(Padre António Vieira, pregando em defesa dos índios brasileiros - in Sermão do Espírito Santo)

Uma flor

«Pede-se a uma criança: Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!»

(Almada Negreiros in "O Regresso ou o Homem Sentado - III parte")



20 comentários:

  1. Concordo com a tua opinião acerca da riqueza da nossa Língua Mãe estar na diversidade. Não tanto de como a falamos, mas porque a falamos conforme a região em que nascemos e/ou vivemos.
    Do Minho ao Algarve, todas as províncias têm as suas tradições de costumes, usos e pronúncias. Essa é a nossa maior riqueza linguística, creio eu.
    Gostei dos exemplos que apresentas, pela 'pena' de grandes vultos da nossa Língua. Especialmente, do conceito de flor visto pelo sentir de uma criança, segundo Almada Negreiros.

    Beijinhos, Graça.
    (Se o Sidónio estiver em dia de aniversário, dá-lhe um abraço meu, com votos de completo restabelecimento.)

    PS- Já não vim a tempo de comentar o post anterior, mas parabenizo-te pela divulgação dos nomes desses talentosos - e infortunados - filhos de Leiria. Parabéns à Autarquia pela louvável iniciativa.

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    1. Obrigada, Janita, pelos parabéns ao Sidónio e pelo abraço e pelo voto de melhoras. És uma querida!

      Obrigada pelas tua palavras sempre e pela tua presença aqui.

      Beijinhos.

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    2. O Sidónio também é de Fevereiro??
      Ena...!! "Semos" uns poucos! Do nosso grupo dos encontros de bloguers e do que eu conheço, com ele já somos meia dúzia.

      Beijinhos de parabéns atrasados para ele, sim?
      (e um também para ti)
      (^^)

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  2. Dois excelentes exemplos para celebrar a nossa língua.
    Abraço

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  3. Como já hoje comentei com a Majo, na China (Macau incluído) comemora-se o aniversário de todas as pessoas.
    Hoje TODOS fazemos anos na cultura chinesa.
    Beijinhos

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  4. Belíssimo post, sobre a nossa língua. Adorei. Parabenizo-a

    Hoje:- Silenciada nas águas do rio.
    .
    Bjos
    Votos de uma feliz Quinta-Feira.

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  5. Citado:
    “falada nos vários continentes, sendo em cada um deles “adoçada” por cada um desses grupos . Não é a “língua de Camões” . É a língua de todos e cada um de nós . Isso é que faz a sua riqueza, a sua diversidade.”

    Mesmo por cá, quanto “criticamos” os sotaques e modos de falar nas várias regiões ! Ainda há dias eu “brincava” com a maneira de falar à Puorto, ou no Nuorte, carago ! ☺… Criticava os lisboetas ao dizerem “riu”, ou friu (por exemplo), critica-se os alentejanos , os algarvios, os transmontanos e os beirões e por aí fora !
    Lembro-me de umas palestras de um prof. de Português na TV, há uns 50 anos, em que lhe foi dito que em Coimbra é que se falava o verdadeiro português ! Se era essa ou não a sua opinião !? …
    Respondeu ele que o verdadeiro português não era o daqui ou dali, mas o seu conjunto ! Tão perfeito o do Porto como o de Lisboa e igualmente Coimbra, Bragança, Beja, Ponta Delgada ou Funchal, assim como o de Minas Gerais ou Recife, o de Angola, Macau, ou de Timor !
    Essa, era a grande riqueza da nossa língua !

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  6. Estive a ver agora : O programa era "Charlas Linguísticas". Um programa do Padre Raúl Machado (que faleceu em 1961, terminando também aí o programa). Membro da Sociedade de Língua Portuguesa, o Pe. Raúl Machado conseguiu motivar o público para estes assuntos.

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    1. Bem me lembro desse programa «Charlas Linguísticas» do Pe Raul Machado que eu, que era ainda muito novinha, via sempre porque lá em casa todos víamos. Era muito bom!
      E muito avançado para a época! Mais do que muitos que agora aparecem por aí a falar da língua...

      Beijinho, Rui.

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  7. Boa tarde!
    Concordo na integra com a publicação!!

    Beijo e um excelente dia

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  8. Quando pensamos que ensinamos uma criança... Eis a grande lição, pois ela sempre nos ensina. Aprendi e aprendo muito e sempre com elas!
    Abraço.

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    1. Também eu, Célia! Tanto aprendemos com os outros. Sempre. Sejam nossos alunos ou não.
      Pena que nem todos os professores tenham esse olhar humilde que você aqui apresenta e com o qual tanto concordo!

      Beijinho.

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  9. E para relembrar a data ... nada como duas magníficas escolhas!!! bj

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  10. Uma homenagem magistral.

    Em Cabo Verde também se luta pelo reconhecimento do crioulo,
    como segunda língua oficial.

    Beijinhos na nossa bela e preciosa Língua Materna.
    ~~~~

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    1. Sim,já li sobre essa luta pelo reconhecimento do crioulo como LM. Não me "repugna" a ideia.

      Viva a nossa Língua Materna!

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