sábado, 23 de maio de 2015

Orpheu

(No dia em que se celebram os Autores Portugueses e no ano dos cem anos de Orpheu, não podia deixar de aqui chamar os grandes autores da Revista que, em 1915, foi uma verdadeira pedrada no charco…)

No início de 1915, após ter passado dois anos no Brasil, Luís Montalvor regressou a Lisboa com a ideia de criar uma revista luso-brasileira com o título Orpheu. Coincidentemente, Pessoa e Mário de Sá-Carneiro – ao longo do ano de 1914 e com a colaboração de Alfredo Guisado e Armando Côrtes-Rodrigues – esboçaram sumários para uma revista literária que se deveria chamar Lusitânia, ou então Europa. Lusitânia era, aliás, o nome de uma revista que Pessoa planeava publicar ainda antes de travar conhecimento, em 1912, com Mário de Sá-Carneiro. Juntaram-se as duas iniciativas e, como Sá-Carneiro pôde financiar o empreendimento (graças ao pai), nasceu Orpheu, que teve dois números, publicados no final de março de 1915 e no final de junho do mesmo ano. Vários planos e tentativas, antes e depois do suicídio de Mário de Sá-Carneiro (abril de 1916), conduziram finalmente à impressão, em julho de 1917, de provas parciais para um Orpheu 3 que nunca chegaria a ser completado. Faltava, nomeadamente, a colaboração de Álvaro de Campos.

Pessoa, José de Almada Negreiros e outros colaboradores de Orpheu sempre insistiram no mútuo respeito existente pela individualidade de cada um, e é certo que não se impunha qualquer linha doutrinária que todos devessem seguir, mas Pessoa e Sá-Carneiro eram os verdadeiros dirigentes da revista. (…)

Fernando Pessoa e Sá-Carneiro procuravam surpreender, agitar as mentalidades, questionar os valores estéticos consagrados, escandalizar o bom senso, e não há dúvida que Orpheu representou um momento de rutura e viragem na história da literatura e cultura portuguesas. A revista e o impulso que ela consubstanciava tinham, todavia, significados distintos para os vários participantes. No caso de Fernando Pessoa, Orpheu estava intimamente ligada ao Sensacionismo. (…)

A inclusão de obras em Orpheu – o desenho de José Pacheco na capa do primeiro número, os quatro hors-textes de Santa Rita Pintor publicados no segundo e os hors-textes de Amadeo de Souza Cardoso previstos para o terceiro – recorda-nos que o Sensacionismo tem a ver, antes de mais nada, com as sensações: o ver, o sentir, o ouvir … Alguns dos seus contemporâneos acusaram Pessoa de intelectualizar tudo, de ser irremediavelmente cerebral – o que é verdade, se considerarmos a imaginação como apanágio da inteligência. Com efeito, não foi com um raciocínio árido e incolor, mas sim com a sua capacidade de sentir de forma imaginativa e vívida, que o poeta-fingidor logrou escrever obras tão diversas e cheias de visão, emoção, assombro e silêncio como aquelas que publicou em Orpheu.


(in “Fernando Pessoa Sobre o Orpheu e o Sensacionismo”; Cabral Martins e Richard Zenith; 2015: pp 109-112)





14 comentários:

  1. AH, O QUE EU GOSTO DOS TEUS TEXTOS VERDES!
    (e do Fernando Pessoa)

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    1. Segundo sei, o Fernando Pessoa embirrava com a cor verde.... Mas eu até sou do Sporting....

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  2. O seu texto é uma lufada de ar fresco , logo pela manhã .
    M.A.A.

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  3. Se não fossemos muitos de nós a lembrar aqueles muitos que povoam a nossa Cultura, pouco se saberia nos meios de comunicação de "massas" que muito pouco ou nada falam dos Grandes deste País. Obrigado Graça por nos recordares "Orpheu" !

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  4. É bom recordar determinados factos para que não fiquem
    esquecidos, como muitos parecem querer.
    Gostei de ler o texto deste seu post.
    Bj. e bom fim de semana.
    Irene Alves

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    1. Também acho, Irene. Este é o ano de Orpheu e nem se ouve nada na televisão nem se lê nada nos jornais...
      Beijinho

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  5. Óptima maneira de homenagear ...

    Bom serão,Gracinha

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  6. Maravilhosa homenagem.

    Beijinho Graça, tem um bom domingo.

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  7. Uma característica de uma "educadora" mesmo que sempre está atenta à cultura! Ótimo post com excelentes destaques culturais de uma época em que se respirava cultura clássica! Parabéns, Graça!
    Abraço.

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    1. Não podemos nem devemos esquecer os nossos grandes Mestres, Célia.
      Obrigada pelas tuas palavras lindas.

      Beijinho

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