terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Um filme à Fellini

Dava um filme! Ou melhor, uma novela da TVI daquelas que inicialmente têm previstos 297 episódios, mas que com o sucesso das audiências passam para 439 intermináveis episódios.

Refiro-me à saga da venda/não venda da colecção de quadros de Miró.

O argumento, digno de um Fellini, começa pela criação de um Banco (Português – diziam eles, mas foi apenas para alguns) de Negócios – negócios apenas para alguns, leia-se.


Ora os senhores que criaram esse banco tinham como intuito principal fazer enriquecer muito os seus associados que, por acaso também eram, na sua grande maioria, associados do mesmo partido. Daquele partido que sempre se bateu por controlar uma maioria, um governo e um presidente, acrescentando a essa trilogia o controlo de um banco. Uma forma de usar e aplicar os milhões que conseguiram sabe Deus (e muitos de nós) como foi comprar, comprar, comprar. Tanto que até comprou, entre outras obras de arte, uma colecção de 85 – não foram dois ou três, foram 85! – quadros do pintor Miró. Tudo no mais fechado segredo. De tal modo que nunca deu ao povo (que ajudou a comprar esse tesouro) a oportunidade de poder apreciar essa arte toda nem numa simples exposição que fosse.

Abreviando, a coisa «deu para o torto» e o banco foi-se abaixo – apenas o banco, porque os seus mandantes continuam algures muito bem – acabou por ter de ser resgatado primeiro (à custa de todos nós) e vendido depois (a um dos amigalhaços daqueles).

Passados dois anos, os senhores que ascenderam ao governo, na sanha insana de alienar tudo o que possam e não possam para agradar aos troikinos, empregados do grande capital (já pareço o camarada Jerónimo a falar…) e para armazenarem mais algum para se armarem em bonitinhos para as eleições, lembraram-se de contrabandear a colecção do Miró para a Christie’s, até porque o pessoal aqui no país é tão burgesso, tão ignorante, que lá se interessa se temos ou não temos mais uns Miró!

Aí aparecem uns tantos de um qualquer lobby dos artistas, ou dos intelectuais, ou dessa gente assim para o esquisito, que pretendem impedir essa venda recorrendo aos tribunais.

Entretanto o “governo” apela para a sua submissa comunicação social e informa que, se não houver permissão para a venda dos quadros, terão de ser pagos cinco milhões de indemnização à leiloeira. O tipo de chantagenzinha que os senhores do “governo” estão habituados a exercer sobre os tribunais, certos que o povinho está pelo lado deles.

Aí a juízazinha tremeu e decidiu autorizar a venda dos famigerados quadros. Mas, à cautela, deixou umas brechas abertas no texto. Que a saída dos quadros do país fora feita de forma ilegal e mais não sei o quê. É que o secretário de Estado, um senhor saído de um filme do Harry Potter, enviou, melhor, contrabandeou os quadros para Londres sem dar cavaco (ai!) às instituições legais como está previsto na lei. Que contentinho terá ficado o senhor secretário com a decisão da senhora juíza!

Só que em Londres, graças ao Senhor (e ao estado civilizacional), as coisas não funcionam «à Lagardère» como aqui em Portugal e a Christie’s também não é uma leiloeira qualquer pelo que resolveu cancelar o leilão enquanto as legalidades não forem repostas. Muito bem!

Sabemos que as legalidades não constam das prioridades nem das convicções deste “governo” pelo que auguro algo de mau. Como o “governo” tem por hábito vingar-se das decisões das instituições externas nos reformados e nos funcionários, já me estou a ver a pagar mais uma taxa não de solidariedade – que essa já pago e bem! – mas de compensação da multa da Christie’s…

Digam lá: Fellini não faria melhor, pois não?!

12 comentários:

  1. Olá Graça
    Folgo em saber que continuas acutilante e a exercer o direito à indignação.
    Vá lá que a juíza não se portou mal, mas há pouco surpreendi-me com algo que já devia imaginar: o totó que se faz passar por secretário de estado diz que a culpa foi do Sócrates.
    Bastaram 48 horas para ficar outra vez farto da zona de conforto. Livra!

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  2. Esse filme deveria ter um final feliz... em vez do "viveram felizes para sempre", acabavam na prisão, TODOS!

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  3. PINTURAS
    Deve haver um problema naquela Secretaria de Estado. Já o anterior, o escritor, ficou enredado por malhas que não foram devidamente explicitadas e, vai daí, pediu a demissão. Este, um barrete que queria enfiar à malta, também fica tremido, muito tremido na fotografia.Poderá o mal ser das canetas usadas nos despachos. Imaginem se fossem ministros, os despachos seriam, a tinta preta: venda-se o Palácio da Pena(belo hotel daria), idem os Jerónimos (centro comercial), idem Terreiro do Paço (condomínio de luxo), and so on. Prós qatares, prós singapurenhos, prós chinos...
    O tal senhor deve ter pensado, se o meu vizinho picheleiro diz que a filha também é capaz de fazer aqueles gatafunhos, os do tal Miró...o pagode nem dá conta da marosca e, no fundo, até está certo: umas bifanas e bejecas na campanha eleitoral fazem melhor proveito, a todos, não é?
    A fotografia é um primor: o senhor conselheiro a indicar o rumo certo e o outro a fazer-se de desentendido...

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  4. Mas... ó Graça
    Fellini?
    Ele nunca filmou uma farsa...

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  5. A atitude da leiloeira só podia ser esta.
    Só estranhei que fosse tão tardia.
    Beijinhos

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  6. Te aplaudo de pé!

    Tive o (des)gosto de ouvir ontem na TVI Jorge Barreto(mais barrete, diga-se) Xavier, pseudo -Secretário de Estado da Cultura (que não existe), directamnete dependente do Primeiro Ministro.

    Sé me pergunto onde desencantaram aquela criatura?Onde?!

    Disse para aí , sem exagero, umas vinte ou trinta vezes que era preciso não confundir as coias, que este Governo tem feito um investimento extraordinário na conservação do Património e no Cinema ( porquê , então, não arranja Manoel de Oliveira financiamento para "O Velho do Restelo"?)e que o BPN era herança do anterior Governo.

    Foi tão penoso que quando ele olhou para o relógio , o Paulo Guimarães lhe disse tal e qual " Sr. Secretário de Estado, este sacrifício está quase a acabar".

    E, pelos vistos, iremos mesmo ficar sem um único Miró para amostra!!

    Fez muito bem a leiloeira devolver os quadros não se sabe a quem, pois Barreto também não sabe!

    É que se o bando do Poder já nem a reputação de Portugal defende e quer vender tudo , a leiloeira inglesa tem uma reputação que não está disposta a arriscar, com toda a razão.

    Só temos o que merecemos, pois estou para ver os resultados das próximas eleições...

    Bom dia

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  7. Olá,

    Que retrato tão bem traçado! Nem Fellini faria melhor! Teria que lhe dar o guião... Estão todos a cair de maduros/podres. Até cheira mal. O pior é que continuam a ludibriar com suspensões de cortes "temporários", promessas e quejandos...E o povo que gosta de ser enganado e de não ter de puxar pela cabeça, ainda é capaz de acreditar...Precisamos todos de seguir o seu exemplo e estar bem vigilantes. UM

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  8. A realidade supera a ficção!
    Somos governados por farsantes!

    Abraço

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  9. Minhas colegas de Letras , me desculpem , sou doutra área , gostava de escrever bem como vós e dizer tudo que sinto em poucas palavras...
    Estes governantes alem de básicos são loucos.Só olham para os númros no imediato...assim é com a venda a retalho do país e com os quadros de Miró.
    Estes quadros num museu nosso , chamavam visitas e algum tempo depois o dinheiro estava realizado.Quando vamos , vou a qualquer cidade o que mais gosto de ver são Museus , catedrais / igrejas, mercados, arte de rua etc.M.A.A.

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  10. M.A.A. , desculpe, mas nem no imediato estas criaturas olham bem para os números: vender de uma só vez 85 quadros, por muito apreciado que seja o pintor (como o é Miró)é factor de desvalorização!

    Os seus gostos coincidem com o meus e já visitei a Fundação Miró em Barcelona.

    Concordo plenamente com os eu raciocínio: tempo depois , o valor dos quadros estava mais que coberto!!

    Mas , enfim, cada povo tem o que merece, ou neste caso, em quem vota - já que estamos em Democracia

    Saudações

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  11. Tem a São toda a razão.

    Nesta altura do filme e pela cenas passadas não me admiro mesmo nada que a intenção de inundarem o mercado de "mirós" passasse pela aquisição de alguns "ao preço da uva mijona". Os figurões da fita terão enviado a Londres os seus moleques de serviço mas, pelos vistos, vão regressar de mão a abanar porque o beefs não estão para trapalhadas.

    Há ou não engenho na coisa? Compraram inicialmente os quadros com o dinheiro dos outros. Veio a saber-se que o dinheiro foi nosso. Elementar: se os quadros foram pagos por nós são nossos.
    Precisam de dinheiro para encher a pança dos mercados... que vão à verba das prendas,flores e inutilidades de Belém.

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  12. Só uma pequena adenda :
    À nascença, este banco não tem nada a ver com esta gente !
    Na sua origem, a Soserfin e o Norcrédito, duas sociedades financeiras de investimentos, fazem uma fusão, originando o BPN em 1993.
    Quatro anos depois, em 1997, Américo Amorim, na altura o maior accionista do banco, abandona a instituição.
    Entre 1997 e 2002, tudo bem !

    Só a partir de 2002 (9 anos após a criação) e até 2008 (apenas 6 anos) a ambição (?) desmedida dos então novos (e novíssimos) accionistas, entra numa escalada de crescimento muito estranho (?), que levou à situação que todos conhecem (ou julgam dizer conhecer) !
    .

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