sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

As regentes do (C)rato



Lembram-se os meus amigos mais chegados à minha idade que Salazar, que era avesso à instrução do povo por medo de deixar de poder manipulá-lo, de o manter submisso, supersticioso e temente a um Deus mesquinho e vingativo que ele e a Igreja inventaram. Por isso as escolas eram poucas e sem quaisquer condições físicas e materiais e quanto menos dinheiro o orçamento gastasse com pessoal docente, melhor. De referir que a instrução básica, não obrigatória, era o exame do 1º grau (3ª classe) para as raparigas e do 2º grau (4ª classe) para os rapazes.

Na sua fúria de “controlar as finanças públicas” – que tão apreciada é hoje em dia por muitos, muitos saudosos catões portugueses – e porque os Magistérios Primários, escolas onde se formavam os professores primários, eram poucos e atarracados e também porque não convinha formar muitos professores, ele criou a figura legal da “regente escolar”. As habilitações das regentes limitavam-se à 4ª classe, deviam ser possuidoras da «necessária idoneidade moral e intelectual» (fosse isso o que quer que fosse). Exigiase a estas pessoas «uma irrepreensível conduta moral e uma adesão sem reticências aos princípios que norteavam o novo regime» (dizia o decreto de 1930 que criou essa figura). O ordenado que lhes era pago era de 300$00 mensais, um terço do que auferiam os professores “formados” e “profissionalizados” nas Escolas do Magistério Primário.

Ora vem todo este arrazoado a propósito daqueles “cursos” turbo-rápidos que o ministro (C)rato resolveu fazer sair da cartola! Uns cursecos que nem grau superior conferem mas que o senhor (C)rato, que tanto insultou o “facilitismo” e o “eduquês” – palavras suas pós-maoistas – com que os governos pós-25 de Abril impuseram aos jovens estudantes dando-lhes uma formação inferior – ideias suas pós-maoistas –uns cursecos, dizia eu, que o senhor (C)rato inventou para embaratecer a mão-de-obra profissional e baixar o nível intelectual, como convém!

Não me digam que não faz lembrar a figura das regentes escolares que o mentor do senhor (C)rato criou nos anos 30 do século passado!

De relembrar ainda e a propósito a existência de uns cursos nas Faculdades de Letras e de Ciências nos anos 50 a 70, com a duração de dois anos, quando o grau académico mais baixo era o de Bacharel com a duração de três anos, e que tinham, como saída principal, poder dar aulas – sem direito a entrar em estágio profissional – nas escolas técnicas, preparatórias e até  nos liceus, dada a falta de pessoas devidamente graduadas. Mão-de-obra mais barata, como se vê!


E foi todo esse panorama (desculpem, agora diz-se paradigma) que o senhor (C)rato do “eduquês” foi agora desenterrar, naquela sanha insana que este miserável “governo” tem de tudo embaratecer e tudo  nivelar por baixo. 

10 comentários:

  1. "Somos a memória que temos" e a sua não falha... O (C)rato está feito!!!

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  2. Memória de elefante, Rogerito... Mas as minhas vozes não chegam ao (C)rato...

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  3. Dos muitos livros apreendidos pela PIDE, lembro-me de um, no início da década de 60, cujo título era: O Relógio Parado de Lília da Fonseca que, em jeito de romance, abordava o atraso escolar nos arredores de Leiria e em que um dos personagens, é a célebre professora REGENTE, inventada por Salazar e seus correligionários.

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  4. E dizia o Prof. Dr. Borges de Macedo, pai de Jorge Braga de Macedo:
    - Minha senhora, isso não é um curso, é um recurso!
    Não mo disse a mim mas disse-o a uma colega de curso!
    Tínhamos que competir com alunos do 4º ano de História e de Românicas, estando no 2º...
    Já casada e mãe de dois filhos conclui a licenciatura, como estudante trabalhadora e até fiquei com cadeiras a mais...não tinham equivalência em Filologia Românica! :)
    Era o chamado "Curso de Professores Adjuntos do Ensino Técnico Profissional".
    A turma tinha 30 alunas e só duas terminaram o curso em dois anos, eu e outra!

    Abraço

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  5. Quando fiz o meu curso, tive como colegas algumas dessas senhoras regentes (com o antigo quinto ano) que, a dada altura, (já após o 25 de Abril) tiveram de complementar estudos para poderem continuara nas escolas.

    O que nunca me ocorreu é que em pleno século XXI, se fossem retomar "recursos" deste cariz.

    Bj.

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  6. Onde é que o senhor matemático vai enxertar a "semi-licenciatura"?
    Inicialmente imaginei este "novo" ensino como uma forma de encher os Politécnicos que têm falta de alunos. A indisponibilidade declarada de imediato daquelas escolas de ensino superior para aderirem ao projeto(seria passarem de cavalo para burro)fez-me imaginar o Crato com a 2ª edição das "Novas oportunidades". Ele que criticou tanto Sócrates .

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  7. saber ler, escrever e contar (mal)...

    ... e trabalho precário(quando há)

    excelente.

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  8. Um grande drama o nosso, não é, herético?!

    E ninguém se mexe!! Raios!!

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  9. Bem me lembrei de ti, Leo, a escrever este texto... grande mulher!

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