Pela
passagem do 125º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa, deixo
aqui um excerto de uma “entrevista
sensacional” concedida pelo "Engenheiro Naval e Poeta Futurista” sobre “ A
situação da Inglaterra – A situação da Europa – A situação de Portugal – Pontos
de vista originalíssimos”, 1925, que me parece continuar bastante atual.
[ - E a situação em Portugal?
- Portugal é uma plutocracia
financeira de espécie asinina. É, como todos os paizes modernos, excepto,
talvez, a Itália, uma oligarchia de simuladores provincianos, pouco
industriados na própria hysteria postiça. Ninguém já engana ninguém – o que é
tristíssimo – na terra natal do Conto do Vigário. Não temos senão os vigaristas
de praça como prova de qualquer sobrevivência das qualidades de intrujice da nação.
Ora um paiz sem grandes intrujões é um paiz perdido, porque a civilização, em
qualquer dos seus níveis, é essencialmente a organização da artificialidade,
isto é, da intrujice. “Quem não intruja não come”; é esta a forma sociológica d’um
proverbio que o povo não sabe dizer, porque o povo nunca sabe dizer nada. De
resto, a sociologia também não existe. (…) Há em Portugal hoje duas correntes
perfeitamente definidas e mixturadas: a que acha insuportável este estado de
coisas; e a que descrê de todos os processos revolucionários para o resolver.
Eis tudo. O resto é uma farça de questões pessoaes que não interessa senão a
idiotas. Os homens não importam, de um lado ou de outro; o que importa é as
correntes que essenciaes , que esses homens, de um lado e de outro, de uma
maneira e de outra, temporariamente incarnaram. Que importa que fulano tivesse
dado a sua palavra que fazia isto ou aquillo, ou alguém supusesse por ter
ouvido dizer a sicrano, que parece que o soubera de beltrano, que essa palavra
estava dada? O que importa é o conflicto dos paiz comsigo mesmo, a guerra civil
na alma nacional. O paiz hoje quer duas coisas ao mesmo tempo: quer mudança, e
não quer revoluções. É a quadratura do circulo a resolver in anima villi. (…)
in
“Prosa de Álvaro de Campos”, Ática, 2012
Também
a 13 de junho, mas de 1908, nasceu também em Lisboa, a pintora modernista Maria
Helena Vieira da Silva, uma dos muitos artistas da nossa terra tão mal tratada por
governos míopes que, uns após outros, nos têm mantido numa vivência acanhada e abatida.
Transcrevo para aqui o
seu Testamento.
Eu lego aos meus amigos:
Um azul cerúleo para voar alto.
Um azul cobalto para a felicidade.
Um azul ultramarino para estimular o espírito.
Um vermelhão para o sangue circular alegremente.
Um verde musgo para apaziguar os nervos.
Um amarelo ouro: riqueza.
Um violeta cobalto para o sonho.
Um garança para deixar ouvir o violoncelo.
Um amarelo barife: ficção científica e brilho; resplendor.
Um ocre amarelo para aceitar a terra.
Um verde veronese para a memória da primavera.
Um anil para poder afinar o espírito com a tempestade.
Um laranja para exercitar a visão de um limoeiro ao longe.
Um amarelo limão para o encanto.
Um branco puro: pureza.
Terra de siena natural: a transmutação do ouro.
Um preto sumptuoso para ver Ticiano.
Um terra de sombra natural para aceitar melhor a melancolia negra.
Um terra de siena queimada para o sentimento de duração.
Um azul cerúleo para voar alto.
Um azul cobalto para a felicidade.
Um azul ultramarino para estimular o espírito.
Um vermelhão para o sangue circular alegremente.
Um verde musgo para apaziguar os nervos.
Um amarelo ouro: riqueza.
Um violeta cobalto para o sonho.
Um garança para deixar ouvir o violoncelo.
Um amarelo barife: ficção científica e brilho; resplendor.
Um ocre amarelo para aceitar a terra.
Um verde veronese para a memória da primavera.
Um anil para poder afinar o espírito com a tempestade.
Um laranja para exercitar a visão de um limoeiro ao longe.
Um amarelo limão para o encanto.
Um branco puro: pureza.
Terra de siena natural: a transmutação do ouro.
Um preto sumptuoso para ver Ticiano.
Um terra de sombra natural para aceitar melhor a melancolia negra.
Um terra de siena queimada para o sentimento de duração.
Até fiquei corado com a minha ignorância (o meu daltonismo não é desculpa), nunca tinha ouvido falar em garança.
ResponderEliminarObrigado!
Nem eu!... Coisas de artistas modernistas...
ResponderEliminarPessoa era pessoa avisada,
ResponderEliminarNão o perco, nem por nada
e tem razão: "Há em Portugal hoje duas correntes perfeitamente definidas e mixturadas: a que acha insuportável este estado de coisas; e a que descrê de todos os processos revolucionários para o resolver."
E pergunto eu, num repente: Qual é a sua corrente?
Excelente e merecidas homenagens, boa escolha Graça.
ResponderEliminarbeijinho e uma flor
Duas óptimas escolhas
ResponderEliminarTambém eu não conhecia a palavra garança...mas já fui ver.
Já que vai de aniversários , hoje faria anos o Che Guevara.M.A.A.
Já agora Graça,o CHE faria hoje 85
ResponderEliminarÉ um mês de aniversários importantes para mim :)
ResponderEliminarA dia 8 nasceu a minha filha e a dia 12 a minha mãe, do mesmo mês, o de Santo António, o mês de Lisboa.
Beijos
Parabéns, Marta, pelos teus aniversários! Duas Gémeos é giro... se bem que com as suas duas facetas, os Gémeos nem sempre são fáceis de aturar...
ResponderEliminarRogerito, a minha corrente é revolucionária, já se vê! Como a sua, aliás! Por mim, já tínhamos de ter vindo para a rua nem que fosse com paus e com pedras...
Também sou uma amante amantíssima do Pessoa/Álvaro de Campos/Bernardo Soares...
Amiga Graça dou-lhe os parabéns por esta sua excelente homenagem a duas figuras portuguesas tão importantes.
ResponderEliminarComo pintora amadora :) adorei o testamento de Maria Helena Vieira da Silva.Conheço o corante garança mas desconhecia este texto.
beijinho e bom fim de semana
Fê
ResponderEliminarMuito bom!
Obrigada.