Foi, realmente. Posso gabar-me de ter tido duas mães: a minha
mãe que me teve, e a mãe dela, em cuja casa nasci e que me criou, em intervalos
mais ou menos longos, até aos dez anos. Não é que os meus pais me tenham
“abandonado”, mas o caso é que o meu pai, inteligente como era e um verdadeiro
líder nato, era por de mais instável e mudava constantemente de emprego e de
ideias. Era um sobrevivente como tantos dos que nasceram no pós I Grande
Guerra, aguentaram a pobreza do pré-Estado Novo, atravessaram a instabilidade
da II Grande Guerra e enfrentaram como puderam a opressão salazarista. Deixado
órfão muito novo por morte do pai, o mais velho de cinco irmãos, a mãe a ter de
sustentar a família na máquina de costura e orgulhosa de mais para pedir ajuda
à sua própria família, fominha quanta podiam, aos 13 anos, sem dizer nada a
ninguém, abalou no comboio de Barcelos e veio à aventura para Lisboa. Estão a
ver o estilo, não estão? Empreendedor e sagaz tanto quanto inconstante, mudava
de vida de um dia para o outro e a minha mãe – que o conheceu, e se apaixonou e
casou com ele no espaço de três meses – não era muito diferente...
Do tempo em que posso dizer que vivi em Algés, até aos meus
dez anos, os meus pais mudaram de terra e de vida várias vezes, para Queluz,
para Caneças, para a Vieira de Leiria, que me lembre. Eu ia com eles, mas logo
havia de acontecer um qualquer imprevisto, um qualquer percalço, uma qualquer
doença que fazia com que me viessem pôr em casa da minha avó. E o que agravava
mais a situação era que eu morria de saudades dela, a minha Memé – nunca lhe
chamei avó – e do meu avô. Foram, de facto, a rede que sustentou a minha
infância que se pode dizer foi feliz.
Só depois de fazer a 4ª classe, quando a minha mãe se mudou “definitivamente”
para Sintra, para onde foi tomar conta de um externato de meninas “necessitdas”,
e os meus avós se mudaram para Minde – o meu avô era técnico de máquinas de
malhas, tecelão feito na escola das fábricas da Covilhã, onde começara a
trabalhar aos oito anos – é que eu passei “definitivamente” a ter apenas uma
mãe. A que, com risco da própria vida, me fez nascer.
Não sei dizer de qual delas gostei mais. Não sei dizer qual delas
me amparou mais. Não sei dizer com qual aprendi mais. Com a minha avó aprendi a
ternura – que ela só soube ter, que me lembre, comigo e com o filho mais velho,
o meu tio Mário; que não com a filha, a minha mãe, e muito menos com a infeliz nora,
a minha querida tia Valentina. Com ela aprendi a paciência e a aceitação
comedida das coisas da vida. Com ela aprendi a talhar e a coser saias e
vestidos para as bonecas, a manejar a agulha de barbela com que tricotava
boininhas redondas, a olhar serenamente por um refogado, a lavar roupa entre as
mãos no tempo em que não havia máquinas, a passar, com os cuidados necessários,
a roupa de algodão ou de lã, a vincar as calças dos pijamas – não me esqueço
nunca! – para que os homens não parecessem uns patos quando os vestissem…
Coisas que a minha mãe não tinha nenhuma paciência para me
ensinar. Esta, porém, ensinou-me a dureza do olhar, o levantar-se sempre de
cabeça erguida depois da humilhação da queda, a importância inalienável do
trabalho sempre e acima de todas as coisas, a ocultação da dor e do sofrimento,
a contenção das emoções, o sorriso em todas as situações – boas ou más. Se as
apreendi bem, não sei, mas ela tentou com muita força – para mim queria a
perfeição sem saber que ela não existe! Valeu-me, parece-me, ter conseguido entremear
os ensinamentos de uma com os da outra.
ResponderEliminarPronto e aqui deixo mais umas quantas lágrimas. Hoje estou assim...
Beijo
Laura
Querida Gracinha, adorei esta tua homenagem tão ternurenta, às tuas duas mães.
ResponderEliminarBeijinhos grandes e resto de bom dia da mãe. :)
Que linda homenagem minha amiga, emocionante e terna.
ResponderEliminarUm beijinho de mãe para mãe
Fê
Quantas histórias comoventes estão aqui reunidas, neste pequeno texto!
ResponderEliminarAdorei a dos vincos dos pijamas...:)
A Carol "dividida" entre as serras de Sintra e Minde, e um avô tecelão... ocorre-me dizer: - "ca ganda malha!"
ResponderEliminar:)
Belíssima história de tantos afectos! Que sorte, diante dos que não tiveram, sequer, uma mãe!
ResponderEliminarAinda outro comentário: o que mais gosto de fazer, em casa, é passar a ferro mas...vincos nos pijamas? Fiquei capaz de subir pelas paredes!:))
Que tenha tido um feliz Dia da Mãe!
Belíssimo texto, a evocar recordações antigas e duas grandes mulheres que partilharam a maternidade... :)
ResponderEliminarBeijocas, Graça!
Parecem as duas felizes, orgulhosas e gostar muito da filha :)
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ResponderEliminarLindas, as três!
Deixo um abraço especial, hoje!
Bonita homenagem, Graça! Recordações bonitas e muito preciosas e a marca do amor de duas lindas e grandes mulheres, para sempre, em tua vida.
ResponderEliminarLinda fotografia!
Beijocas e um grande abraço neste dia da mamães ;))
Estimada Amiga Graça Sampaio,
ResponderEliminarFelizes todos aqueles que possuem duas mães, as avós são mães mais ternas.
Uma história comovente porém comum a muitos portugueses.
Eu sempre vivi com minha extremosa mãe quando me encontrava em Portugal, mas quis o destino que eu fosse para longe.
Minha extremosa mãe Deus a levou no ano de 2000.
Abraço amigo
Gostei muito de ler este teu post.
ResponderEliminarSim...duas mulheres que tiveram um papel muito marcante na tua vida.
Bjos
Gostei muito de ler esta breve história. Tenho a mesma sorte de ter mãe a dobrar.
ResponderEliminarLinda fotografia, a do teu casamento :)
Um beijinho.
Lindo! Só conheci aquela que era a professora implacável, que deixou saudades em cada uma das suas educandas!
ResponderEliminarEu conheci a avó, o tio, a santa da tia e o endiabrado do primo! :-))
ResponderEliminarFaltou-me a mãe verdadeira!...
Abraço
Uma pessoa muito especial. Muito difícil por vezes, mas com um coração enorme.
ResponderEliminarObrigada a todos.
A Vida é feita de momentos que nos marcam para sempre !
ResponderEliminarE num relato comovente, soubeste homenagear as duas mulheres da tua vida!muito bonito. Parabéns !
RM
Lindas estas recordações! Há muitas formas de descrever os nossos antepassados, esta é bem interessante... gostei muito.
ResponderEliminarMuito obrigada, querida RM! Muito obrigada, anónimo/a das 13.02...
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