segunda-feira, 27 de maio de 2013

A injeção



Tenho andado toda avariada do esqueleto. E não é de agora. Quando vivia em Sintra com aquele clima que só quem lá mora conhece bem, passava tão mal que fui das pessoas que, com menos de vinte anos, cheguei a ter sessões de fisioterapia nos idos de 60, em Alcoitão. Ganhei algumas torções na coluna que me davam dores incríveis pelos meus 16, 17, 20 anos.

Mais tarde, já a viver em Leiria, aí pelos meus trintas e ainda toda elegante e a usar 34 de saia, fui fazer uma radiografia à coluna a um radiologista bem conhecido aqui da praça, que ao ver os resultados, me disse: «Ó minha senhora! A senhora é muito mais direita por fora do que é por dentro!» Grandes gargalhadas, claro!

Mas, como não sou muito de me queixar – como dizia o controverso ditador e puritano Crommwell: «Ó Deus, livra-me das dores morais que com as físicas posso eu!» - fui fazendo a minha vida autocarro acima, autocarro abaixo e calcorreando tudo quanto era caminho e lá me aguentei.

Estes dois últimos anos, porém, o estado do esqueleto tem-me dado cabo da paciência e, na sexta-feira, a minha médica acabou por prescrever-me um tratamento de força que passava também por levar uma injeção logo naquela noite. Só que na farmácia não podiam dar-ma e tive de esperar pelo sábado de manhã para me dirigir ao Centro de Saúde para finalmente levar a injeção. 

De referir que há muitos anos não levo injeções e as últimas que levei foram-me admiravelmente dadas por um enfermeiro aqui da terra que vinha a casa dos doentes. Além disso, não tenho grandes razões para pessoalmente me sentir muito satisfeita com o meu Centro de Saúde, se bem que funcione bem melhor que muitos outros de que me falam.

Ora cheguei junto da rececionista, minha conhecida, que, com um ar muito simpático, me pediu as indicações de tratamento da médica. Que eu, naturalmente, não tinha. Depois, sempre amavel, perguntou se a injeção tinha sido receitada lá no Centro. E não tinha sido. «Então não pode levar a injeção!» E mais sorrisinhos anódinos. Mas nada de explicar-me o que era necessário. De tal forma que uma outra utente atrás de mim, pragmática, me lembrou: «Não tem aí a receita? Também serve!» Mas naturalmente que a receita tinha ficado na farmácia. Sim, que ao contrário do que a sorridente funcionária pensou – que eu duvido que seja capaz de pensar! – eu não tinha roubado a injeção por aí nem tão pouco me dirigi ali para levar uma injeção num quadro de dependência ou de adição de droga. Tudo isto e muito mais me passou pela cabeça naqueles instantes em que a senhora rececionista de um Centro de Saúde que eu frequento há anos e que me conhece bem, com aquele sorriso estático pregado na cara me repetia sem me explicar os procedimentos e como se fosse ela a própria diretora do Centro, que não, que assim não podia levar a injeção!

Enfureci-me! Creiam que me enfureci e, porque não foi a primeira nem a segunda vez que fui “vítima” da inoperância de funcionários daquele Centro, vociferei. Vociferei mesmo! «Vamos a outro sítio! Eu também não gosto nada de vir aqui!» e saí porta fora esbaforida.

Fui a um centro médico de atendimento permanente onde sou associada há anos e onde não me conhecem de nenhum lado a não ser pela ficha, e logo a rececionista me mandou esperar pelo enfermeiro. Esse, sim, no cumprimento estrito das suas funções e com o conhecimento das suas obrigações profissionais, fez-me as perguntas necessárias a que eu respondi respeitosamente, deu-me as informações que eu não tinha obrigação de saber e resolveu-me o problema: deu-me a injeção!

Agora vejam a arrogância que permanece inculcada nas pessoas que estão à frente dos serviços públicos! Porque não são os sorrisos que apagam a arrogância! Nem a mal digerida «assertividade», americanada de que ouvem falar nas horinhas de formação que recebem. Vem do tempo do Salazar em que os rostos das repartições públicas e das secretarias das escolas e dos (poucos) hospitais e dos correios eram fechados, mal-encarados e deseducados porque não havia a noção de serviço público. Tudo era um enorme favor que se fazia ao povo. E, inexplicavelmente, 40 anos volvidos, com os banhos de democracia e de formação (?) que têm levado, os funcionários públicos ainda não interiorizaram a noção de serviço público!

Podem fazer muitos sorrisinhos e esgares de compreensão que mais não servem senão para esconderem o pequenino exercício do poder de que não abdicam e a arrogância da sua própria e não assumida inoperância!


12 comentários:

  1. De facto , com a nossa idade ( minha ) já vi,vivi e observei muito.Vou contar uma que se passou comigo , já lá vão mais de 20 anos e agora até dá para rir...Já toda a gente percebeu que fui professora, de Biologia , 12ºano de 1980 até quase ao fim aquele programa era de loucos , não se podia faltar e era sempre a dar-lhe...Para evitar problemas , comecei a fazer a vacina da gripe , primeiro receitada pelo médico e depois passei a ir à farmácia , comprava e mantendo no frio ia a fugir ao meu Centro de Saúde para me ser aplicada por um enfermeiro /a. Sai de lá uma senhora doutota enfermeira , como se estivesse a lidar com uma analfabeta vinda da aldeia de burro e passou-me uma lição se eu não sabia isto etc aquilo etc. Fiz-lhe notar que não havia problema...olhe , peguei na vacina e mais ou menos nestes termos só lhe disse " está para aí com tanta moralidade por causa da porcaria de uma vacina. Não se incomode e muito agradecida " ao dizer isto,atirei com todo o estrondo a embalagem para dentro de um caixote de lixo que ali estava , ficando a parvalhona de olhos esbugalhados...Fui Á farmácia , comprei outra e um médico amigo marido de uma colega de grupo , aplicou-ma e tudo bem.M.A.A.

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  2. Estimada Amiga Graça Sampaio
    Por vezes nos acontecem situações que nos deixam abismados, a sua foi uma delas.
    Aqui em Macau é bem diferente, onde no hospital go governo as antigas criadas são hoje ajudantes de enfermeiras e estas até parecem ter o rei na barriga, pelos vistos o mal anda por todo o lado.
    Abraço amigo e votos de melhoras.

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  3. Esta história faz-me lembrar uma crónica do MEC: dizia ele que um administrativo (não interessa se público ou privado), quando lhe é dado um pequeno como o de por exemplo vigiar a utilização de uma fotocopiadora numa empresa, vira uma fera na sua vigilância, exigindo a explicação pormenorizada para um qualquer colega fazer uma simples fotocópia. Ou seja, aquele poder sobe-lhe à cabeça e transforma-o num tiranete em potência. Infelizmente, não será caso único!

    Tomaste a injeção, não tomaste? Então olha, o melhor é esquecer a fulana de sorriso de plástico, que há coisas mais importantes na vida... :)

    Beijocas!

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  4. Raramente recorro ao Centro de Saúde mas penso saber do que fala. Há por lá muito "boa gente" a precisar de ser "reciclada"...

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  5. Como te compreendo Graça, nem calculas o que tenho encontrado por os centros de saúde, a última vez que tive uma crise tive que levar soro no serviço de urgencias na Marinha Grande de onde pertenço, onde me receitaram 6 injeções e levei lá 4, mas como estou na casa de Monte Real e faltavam duas, dirigi-me a um centro de saúde aqui perto que não tem serviço de enfermagem, valeu-me o médico que lá estava conhecer-me e dár-me a injeção, uma exceção, bom no dia seguinte fui a outro centro de saúde, bom aí ía havendo bailnho e tudo, a enfermeira disse como eu não pertencia lá, dava-me as injeções e não pagava, porque não havia necessidade de estar a abrir ficha só para isso,bem a senhora que estava na secretaria disse, impondo-se à enfermeira "não senhora eu vou fazer a ficha" sei que demorou 35 minutos a fazer a maldita ficha e eu cheia de dores, sem posição possivel, no fim agradeci ironicamente que ela ficou à tôa.
    boa semana e as melhoras.

    beijinho e uma flor

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  6. O exercício dos pequeninos poderes é mal de que nem só o funcionário público sofre; antes fosse!... Na função pública, como no privado (digamos assim) há de tudo, mas nada mais me consegue irritar tanto como esses idiotas que não só nos criam problemas, como deixam ficar mal os Serviços...
    Ainda bem que tudo acabou bem, mas a irritação, essa ninguém lha tira... e não faz nada bem à saúde :)
    P.S. - Espero que não se tenha esquecido de utilizar o Livro de Reclamações.

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  7. Há funcionários públicos e privados... que nunca deveriam contatar com o público. São pessoas que em tudo procuram complicar a vida aos outros. Nessas, bem eu gostaria de os ver no lado contrário. Em certos casos é puro sadismo. Felizmente hoje já encontramos funcionários públicos simpáticos, com o sentido de ajudar. O caso que conta é, infelizmente, muito frequente quando nos deslocamos aos serviços. Mais parecem "máquinas" para complicar as nossas vidas.

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  8. Imagino a cena!
    Eu também me passaria...
    Ainda bem que o problema afinal era fácil de resolver!
    O tal médico devia ter sido o mesmo que por volta dos trinta me disse que eu tinha uma coluna de setenta...toda torta! :-))

    Abraço e as melhoraS

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  9. Estamos feitos1
    Isto é o pão nosso de cada dia, e a tendência é sempre a piorar.
    Faz hoje anos que o Gomes da Costa veio por aí abaixo, para deixar tudo a pão e àgua durante quarenta anos. Agora estão lá os bisnetos.

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  10. Muito claro, este modo e dizer "incompetência".

    Também senti, algumas vezes, um friozinho estranho no estômago por ter de lidar com situações análogas.


    Um beijo

    E as melhoras, já agora

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  11. Então queres saber a última que aconteceu comigo ontem na camara de Oeiras? é preciso entregar uma série de papelada par obter autorização para pintar o prédio onde resido. Então depois de tudo visto, faltava uma fotocópia que seria tirada no balcão do lado, só que não era possivél pois o tesoureiro tinha saído já á meia hora e assim não poderia receber os 50 centimos da fotocópia!
    É assim de Norte a Sul...
    Bjs

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  12. Lá diz o povão: se queres conhecer o vilão, põe-lhe uma vara na mão...

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